Aprovada na Câmara dos Deputados, no último dia 16, a proposta que revisa a Lei de Improbidade Administrativa é alvo de muitos questionamentos. Um dos seus mais duros críticos é o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Ubiratan Cazetta. Para ele, as mudanças que foram promovidas deixam o administrador desonesto mais tranquilo. Além disso, a dosagem das mudanças feitas pelos deputados foi equivocada. “O gestor honesto não vai ser propriamente beneficiado por isso, porque ele era honesto. Ele, eventualmente, até podia ser réu em uma ação, mas sabia que tinha feito tudo o que tinha que fazer. O gestor desonesto fica mais tranquilo, porque a gente sabe que a chance de ter uma ação ficou menor”, explicou. A expectativa, para ele, é de que haja mais espaço para discussão no Senado. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Quais os principais problemas que o senhor enxerga no projeto aprovado na Câmara?
O primeiro e mais evidente é o que a gente chama, no direito, como “dolo específico”, em que você tem que demonstrar que todos aqueles tipos que estão ali — enriquecimento ilícito, dano ao erário — não apenas eram algo que o infrator queria, como queria conscientemente obter um resultado específico. Esse dolo específico não é o único jeito de falar que as coisas têm que ser intencionais. Pode ter o dolo genérico, que continua tendo que demonstrar a intenção, mas não tem que demonstrar que queria aquele resultado específico. Essa discussão, na prática, vai quase inviabilizar as ações. Criou-se uma dificuldade muito grande para demonstrar que a pessoa queria aquilo — e exatamente aquilo. A isso se soma que as ações têm que ser propostas ao juiz já no primeiro momento, demonstrando se está presente a prova dessa intenção, dessa vontade de praticar. Saímos de um extremo, alegado pelos deputados de que tudo gerou improbidade, para um outro extremo em que a prova do ato de improbidade é algo quase impossível. Por isso é que é um retrocesso. Vai ser quase impossível fazer a demonstração dessa vontade específica de ter um determinado resultado.
Vai ser quase impossível condenar alguém por improbidade?
Por improbidade administrativa por conta do dolo específico. Você sai de um extremo ao outro.
Os prazos propostos também são alvo de questionamentos, certo?
A criação do prazo de 180 dias, com mais 180 para que o fato seja apurado sem considerar a complexidade dele, é um risco. Na prática, dificilmente você consegue investigar um caso complexo — por exemplo, de fraude de licitação ou qualquer outra coisa que envolve uma perícia — em um prazo tão curto. Esse prazo cria uma amarra muito difícil. Vamos ter situações que deixarão de ser investigadas porque, ultrapassados os 360 dias, a perícia não ficou pronta. Muitas investigações não chegarão ao final por conta do esgotamento do prazo.
Os parlamentares que defendem a medida falam que o medo de ser enquadrado na lei impede gestores de tomarem algumas decisões. Como o senhor vê isso?
É realidade, não vou fazer de conta de que não existe. Mas, hoje, com a mudança da lei, a gente vai evitar o debate sobre se alguém cometeu ou não. A dificuldade será tão grande para entrar com ação que não vai ter o risco. O gestor honesto não vai ser propriamente beneficiado por isso, porque era honesto. Eventualmente, até podia ser réu em uma ação, mas sabia que tinha feito tudo o que tinha que fazer. O gestor desonesto fica mais tranquilo, porque a gente sabe que a chance de ter uma ação ficou menor. Acho que a dose do remédio, em vez de melhorar a situação, leva à morte do paciente. A dose estava, talvez, muito fraca; agora, está muito forte. A gente tem que fazer a modulação disso. A sociedade perde um instrumento de investigação. A ideia foi tirar o peso, disso eu não tenho dúvida. Isso foi dito por todas as lideranças, pelo relator. Mas acho que retiraram o peso demais.