Com a imagem arranhada internacionalmente, o presidente Jair Bolsonaro anunciou planos de compromisso na área ambiental durante a Cúpula de Líderes pelo Clima, organizada pelo presidente norte-americano Joe Biden, em abril, mas pouco avançou desde então. Uma das promessas foi duplicar os recursos destinados a ações de fiscalização e erradicação do desmatamento ilegal até 2030, mas o país não tem avançado nessa agenda.
Um dia depois da fala, o mandatário cortou do Orçamento de 2021 aproximadamente R$ 240 milhões que iriam para a fiscalização no Ministério do Meio Ambiente. No mês seguinte, uma proposta encaminhada pelo Poder Executivo ao Congresso (PLN 6/21) abriu crédito suplementar destinando R$ 270 milhões, sendo divididos entre o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama - R$ 198 milhões) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio - R$ 72 milhões) para apoiar a fiscalização e a repressão de crimes ambientais e o combate a incêndios na Amazônia. O documento autorizando o recurso foi publicado no Diário Oficial da União no último dia 10.
Especialistas, no entanto, avaliam que os recursos são insuficientes e muito pouco foi feito pelo governo para evitar o aumento de desmatamento e queimadas no país, a fim de unir discurso à prática. Biden deixou claro, em sua fala de encerramento na ocasião, que espera mais do que apenas palavras e que “compromissos precisam se tornar realidade”. Caso não consiga mostrar resultados, a falta de comprometimento com a política ambiental pode dificultar a relação diplomática e inviabilizar ainda tratados comerciais com outros países.
O coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista da Câmara dos Deputados, Rodrigo Agostinho (PSB-SP), relata que, de imediato, há apenas a intenção de uma nova operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) na Amazônia, anunciada pelo vice-presidente Hamilton Mourão. As Forças Armadas deverão retornar ao local para ajudar no combate às queimadas e ao desmatamento. Segundo o general, que é presidente do Conselho da Amazônia, a medida terá a duração de dois meses e será mais enxuta que as outras, com recurso de R$ 50 milhões e previsão de início no dia 28.
Contramão
Na avaliação do deputado, o Brasil será extremamente cobrado nas cúpulas sobre meio ambiente e clima de que participará ainda neste ano, porque está caminhando na contramão das promessas. Além disso, a Câmara não aprovou nenhuma proposta para evitar desmatamento, mas aprecia o PL da Grilagem, que concede anistia a grileiros e legaliza o roubo de terras indígenas. “Até a GLO precisa ser feita de maneira coordenada com militares, fiscais e técnicos. Militares não multam. Nenhum fiscal novo do Ibama foi contratado. É um problema estrutural, é como deixar uma casa cheia de ouro abandonada. É a Amazônia hoje. Bolsonaro incentiva garimpo. Todo o mundo sinaliza que o país precisa fazer gestos concretos. As declarações dele podem fazer sentido na rede bolsonarista, mas não para o mundo”, defende.
O parlamentar destaca que os dados de desmatamento mostram que perdemos 1,5 milhão de hectares de florestas e critica o desmantelamento dos órgãos de monitoramento e de fiscalização. De acordo com o deputado, Salles “entrou no ‘modo avião’ e não faz o trabalho que deveria”. “A estrutura de fiscalização foi desmontada. Continua tudo igual. É o terceiro mês seguido de explosão de desmatamento em época de chuva. Geralmente, ocorre no período de seca. Isso significa que o desmatamento pode dobrar. Na Amazônia, há uma corrida em busca de terra pública. O cenário é muito ruim”, afirma.
Conforme dados recentes do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o desmatamento na Amazônia Legal em maio é o maior registrado desde 2016, quando a série histórica teve início, diante do desmantelamento da fiscalização. É o terceiro mês seguido de recorde de destruição da floresta em 2021. Em 28 dias, a região atingiu a marca de 1.180 km², um aumento de 41% em relação ao mesmo mês de 2020. Em nota, o Observatório do Clima afirma que esses números são preocupantes e podem piorar.
Porta-voz de Políticas Públicas do Greenpeace, Thais Bannwart destaca a queda do orçamento do Meio Ambiente e aponta que parte do recurso liberado para fiscalização deverá ser transferido para a operação da GLO, reduzindo o trabalho de órgãos como ICMBio, que recebeu apenas R$ 101 milhões do orçamento, “valor três vezes menor do que o necessário para atividades da autarquia que cuida de 334 unidades de conservação”. “Há, ainda, falta de recurso para o Inpe, que é quem realiza monitoramento de alerta de queimada com perspectiva de que há recurso previsto apenas para agosto deste ano”, afirma. Ela também critica o tamanho dos recursos liberados pelo governo, porque, além de insuficientes, não há planejamento para o combate às queimadas que vão ocorrer ao longo do período de estiagem, que já começou.
Execução
Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, relata que, apesar da liberação do recurso, o governo apresenta extrema dificuldade para execução.“Com equipe de fiscalização reduzida e o Ibama deslegitimado, não conseguirão executar recursos. As chefias foram trocadas, e os militares na coordenação não têm expertise na Amazônia. O discurso do presidente continua sendo de crítica aos órgãos ambientais. O dinheiro não é o principal problema, apesar de estar sempre abaixo do necessário. Tem R$ 2,9 bilhões no Fundo Amazônia, que era para o controle do desmatamento, mas está parado desde o início do governo”, afirma.
O problema maior, na avaliação da especialista, continua sendo a narrativa contrária do presidente e de Salles, que criticam as fiscalizações. Para ela, militares podem ajudar, mas a coordenação tem que ficar com órgãos ambientais. “É muito dinheiro para pouco resultado. O país tem mais no que investir em meio ambiente, a questão não é só autorizar, tem que dar estrutura para os órgãos trabalharem e parar de criticar. Não dá para tratar órgão que está fiscalizando como se estivesse errado, dando sinal de que tudo pode em campo. A Amazônia, considero que está largada às traças, com ausência de governo”, complementa.
A Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema) ressalta que o governo “continua despejando e desperdiçando recursos públicos nas Forças Armadas apostando na militarização da proteção ambiental da Amazônia”. Segundo a entidade, a Operação Verde Brasil, que terminou em 30 de abril, consumiu em suas duas fases mais de R$ 530 milhões, o que representa oito vezes o orçamento do Ibama para combater o crime ambiental no Brasil inteiro por um ano. “Com esse mesmo recurso, poderiam ser contratados 5 mil fiscais para o Ibama, que hoje conta com apenas 500 pessoas para fazer a proteção ambiental de todo o território nacional, incluindo zona costeira”, afirma a Ascema.