CPI da Covid

Em CPI, Witzel diz que Moro era garoto de recados de Bolsonaro

Segundo o ex-governador do Rio, Moro retirou policiais federais que trabalhavam em sua equipe e também interveio nas investigações do assassinato de Marielle, após o depoimento do porteiro que afirmou à polícia que um dos assassinos teria visitado a casa do presidente no dia do crime

O ex-ministro da Justiça Sérgio Moro foi citado pelo ex-governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, em depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito da covid-19 nesta quarta-feira (16/6). O nome do ex-juiz chegou ao colegiado após uma pergunta do relator, Renan Calheiros (MDB-AL), ao depoente. Também segundo Witzel, o ministro da Economia, Paulo Guedes, fugiu ao encontrá-lo em um aeroporto, pois não estaria autorizado a conversar com o então governador. O assunto veio à tona após Calheiros questionar o convocado sobre a distribuição de recursos para os municípios.

Diferentemente da sessão de terça-feira (15), em que governistas aproveitaram o depoimento do ex-secretário de Saúde do Amazonas, Marcellus Campêlo para reforçar o argumento de que as investigações da CPI devem se voltar contra os estados, nesta quarta-feira, a base voltou a interromper a sessão, provocar bate-bocas e ainda contou com o reforço do filho do presidente da República, Flávio Bolsonaro.

Questionado sobre se considerava, quando governador, se os critérios “de distribuição de recursos para os estados eram claros”, Witzel disse ter sido contra à época, pois o modelo “beneficiou quem tem mais participação no regime de distribuição dos recursos federais”. Calheiros perguntou se ele reclamou ao governo federal. O ex-governador explicou que não tinha acesso ao governo, e agradeceu ao ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia, pela aprovação do novo regime de recuperação fiscal. Então, lembrou ter sido acusado de intervir na Polícia Civil do Rio de Janeiro nas investigações do caso Marielle Franco. Segundo o depoente, o avanço nas investigações foi o que levou o governo federal a retaliá-lo.

“O que eu posso lhe dizer é que eu fui acusado, de forma leviana, de interferir na Polícia Civil, o que não é verdade, não há prova e foi uma afirmação leviana que foi feita, de que eu estava interferindo na Polícia Civil do Rio de Janeiro, para que o caso Marielle fosse adiante. Isso é mentira, não é verdade, não há prova, é uma afirmação leviana, inaceitável, da forma como foi feita. E, a partir daquele momento, do caso Marielle, é que nós... Eu, particularmente, percebi que o governo federal e o próprio presidente começaram a me retaliar. Depois desse evento, eu não fui mais recebido no Palácio do Planalto e nós tínhamos dificuldade de poder falar com os ministros para sermos atendidos”, explicou.

Segundo Witzel, foi sob essas circunstâncias que Guedes teria o encontrado em um avião e fugido, afirmando que não podia falar com o então governador. “Então, esse não é o comportamento republicano. Quando você tem um governador que tem que falar com os ministros, para poder levar recurso para o seu estado, você tem retaliação, e depois sobrevieram as investigações. Da forma como elas foram feitas, eu posso dizer que eu fiquei numa situação de vulnerabilidade, por uma perseguição política, num processo criminal que tem, por trás desse processo criminal, uma motivação política”, disse.

Witzel voltou a afirmar que foi vítima de perseguição e que há uma politização do Ministério Público. Em seguida pediu para fazer “um relato”. “Eu estive com o ministro Moro, à época, eu estive com o ministro Moro e fui pedir a ele que não pedisse de volta os delegados que estavam comigo. Eu tinha cinco delegados federais que estavam trabalhando comigo. Um deles, inclusive, o delegado Bernardo Barbosa, que era da Controladoria-Geral do Estado. O delegado Bernardo Barbosa estava levantando uma série de crimes praticados em governos anteriores, inclusive as OSs (Organizações Sociais em Saúde). O delegado Bernardo Barbosa descobriu mais de R$ 1 bilhão de desvio das OS. E o delegado estava fazendo um brilhante papel”, apontou.

Segundo o ex-governador, nesse caso, ele foi chamado pelo ministro para conversar. “Eu achei estranho, senador Renan. Quando eu cheguei na sala do ministro Moro, ele não quis tirar foto comigo, ele não quis anunciar o meu nome e disse que ele não poderia estar dando publicidade à minha presença no Ministério da Justiça”, contou. “Eu cheguei lá, o ministro Moro disse o seguinte: ‘Ô, Witzel, o chefe falou para você parar de falar que quer ser presidente. E, se você não parar de falar que quer ser presidente, infelizmente, a gente não vai poder te atender em nada, né?’”, acrescentou o depoente.

“E aí o ministro Moro falou que ia pedir de volta os delegados, porque estava sendo uma determinação do governo federal. Isso é ou não é uma clara intervenção num estado da Federação, em que o ato está materializado, de intervenção indevida num estado da Federação. O delegado é do governo federal, ele pode pedir de volta quando ele quiser, mas não nessas condições, porque não havia justificativa para pedir e volta o dr. Bernardo Barbosa, que estava fazendo um brilhante papel e investigando as OSs — essa relação de OSs que eu vou te mandar aqui, porque elas continuam lá, operando, livres, leves e soltas, e fazendo dinheiro para alguém que não sou eu”, contou Witzel.

Witzel disse ter respondido a Moro que ele estaria em um caminho equivocado. “Eu falei: ‘Ô, Moro, eu acho que você está num caminho equivocado. Eu acho que, se você quer ser ministro do Supremo (Tribunal Federal), você não precisa fazer isso. Se você quer ser ministro do Supremo, você tem que procurar convencer os senadores de que você é capaz de ser um ministro imparcial, de que você é capaz de ser um magistrado que se espera que se tenha na Suprema Corte. Agora, esse tipo de coisa, lamentavelmente, de menino de recado, não é um papel que se espera de um magistrado como você, que, como eu, tem 20 anos de carreira’”, recordou.

Porteiro

Segundo Witzel, isso se deu justamente depois da prisão dos acusados de assassinar Marielle Franco e da acusação de interferência na Polícia Civil. Ele lembrou do porteiro que depôs à Polícia Civil do Rio na investigação do assassinato da vereadora. O funcionário do Condomínio Vivendas da Barra, onde o presidente da República tem residência, disse que no dia do crime, um dos acusados pelos assassinatos, o ex-PM Élcio Queiroz, teria informado que iria na Casa 58, do “Seu Jair”. Depois, o porteiro mudou o depoimento.

“O porteiro, uma pessoa simples, prestou depoimento à Polícia Civil. Logo depois, o ministro Moro, de forma criminosa, lamentavelmente, requisita um inquérito para investigar crime de segurança nacional, porque o porteiro depõe, prestou um depoimento para dizer que o executor da Marielle teria chegado no condomínio e mencionado o nome do presidente. Se isso é verdade ou não, não é problema meu, não tenho nada com isso, eu não sou juiz e nem delegado do caso”, argumentou Witzel novamente citando o ex-ministro.

Segundo o depoente, foi o governo Bolsonaro quem interferiu ao envolver à Polícia Federal no caso. “São indícios veementes de que nós tivemos, aí, atuações de intervenção numa investigação no estado do Rio de Janeiro e que caracteriza uma série de atos de perseguição a mim porque eu não me dobro a nenhum tipo de ação ilícita. Fui juiz, não admito interferir na Polícia, a minha polícia é independente — aliás, a Polícia do estado do Rio de Janeiro”, disse.

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