O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria nesta quinta-feira, 10, para sedimentar a tese de que o Estado deve ser responsabilizado caso profissionais de imprensa sejam feridos por agentes das Forças de Segurança durante coberturas jornalísticas de manifestações públicas. O placar foi de 10 votos a 1.
O entendimento prevaleceu no julgamento que analisou o caso do repórter fotográfico Alexandro Wagner Oliveira da Silveira, que perdeu 90% da visão do olho esquerdo após ter sido atingido por uma bala de borracha disparada pela Polícia Militar de São Paulo enquanto cobria um protesto de professores na capital paulista em 2000.
O STF reformou a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo - que derrubou indenização ao jornalista, imposta em primeira instância, por considerar que ele próprio se colocou em risco ao permanecer no confronto entre policiais e professores. O caso teve a repercussão geral reconhecida, isto é, a decisão tomada no caso concreto servirá como paradigma para processos semelhantes.
A maioria dos ministros seguiu o entendimento do relator, Marco Aurélio Mello, que reconheceu a culpa do Estado. O decano considerou que os policiais violaram o direito ao exercício profissional e o direito-dever de informar. Ele foi o único a votar antes do julgamento ter sido interrompido, em agosto do ano passado, por um pedido de vista (mais tempo para análise) do ministro Alexandre de Moraes. O caso voltou à pauta na sessão de ontem e foi concluído na tarde de hoje.
A tese fixada foi a seguinte: "É objetiva a responsabilidade civil do Estado em relação a profissional da imprensa ferido por agentes policiais durante a cobertura jornalística de manifestações em que haja tumulto ou conflitos entre policiais e manifestantes. Cabe a excludente da responsabilidade de culpa exclusiva da vítima nas ocasiões em que o profissional de imprensa descumprir ostensiva e clara advertência sobre acesso a áreas delimitadas em que haja grave risco a sua integridade física."
Como votou cada ministro
Em seu voto-vista, Alexandre de Moraes defendeu não ser razoável exigir dos profissionais de imprensa que abandonem a cobertura de manifestações públicas quando houver conflito.
"Isso acabaria propiciando notícias incompletas, imprecisas, equivocadas. Há um risco maior se o Poder Judiciário entender que as coberturas jornalísticas não teriam nenhuma proteção, nos termos indenizatórios", disse. "Se esta Suprema Corte vier a reconhecer que um jornalista, de forma legítima, realizando uma cobertura de uma manifestação social, política, vier a ser ferido por atuação do Estado tão somente por estar exercendo a sua profissão, não tem direito à indenização porque aqui se trata de culpa exclusiva da vítima estaríamos cerceando o próprio exercício da liberdade de imprensa e lato sensu da própria liberdade de expressão", acrescentou.
Sobre o caso concreto do fotojornalista Alexandro Silveira, o ministro apontou que o dano ficou provado por laudos médicos e lembrou que ele ficou impossibilitado de exercer a profissão. "O Estado deve se submeter à responsabilidade civil, uma responsabilidade civil que não necessite discutir se o Estado agiu com dolo ou culpa", defendeu.
O segundo a votar foi o ministro Edson Fachin, para quem a atividade jornalística deve ser estimulada e protegida pelo Estado. "Soa anacrônica e autoritária a suscitação da culpa exclusiva da vítima, violando os preceitos da Constituição de 1988 e os compromissos assumidos pelo Estado brasileiro em favor de uma imprensa livre", afirmou.
Na mesma linha, a ministra Rosa Weber, destacou a importância de assegurar o exercício da liberdade de imprensa. "Não se trata de estabelecer apenas o alcance da responsabilidade civil do Estado, mas o livre exercício do jornalismo, valor essencial, sublinho, nas democracias", sublinhou.
Acompanharam o entendimento os ministros Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski.
O último a votar com a maioria foi o presidente do STF, Luiz Fux, que também chamou atenção para a 'dimensão protetiva' da liberdade de imprensa e lembrou que a presença da mídia nas manifestações é importante para monitorar eventuais 'abusos de direito'. "A liberdade de imprensa é assegurada na Constituição Federal, mas se não houver garantia para o exercício dessa liberdade, ela subjaz como letra morta no papel", destacou.
Isolado na divergência, o ministro Nunes Marques foi contra o conhecimento do recurso. Ele apresentou dois argumentos principais: a dificuldade de estabelecer uma 'regra abstrata' que funcione como jurisprudência para o tema e a impossibilidade de entrar no mérito do caso concreto do fotojornalista.
"O que se discute é se o repórter teve ou não culpa pelo evento danoso. Ora, isso, com a vida vênia, é tema eminentemente probatório, sobre o qual a instância de origem é soberana", disse sobre o segundo ponto.
"O desejo de fazer Justiça no caso concreto não pode ser maior do que a reflexão sobre os efeitos transcendentes da manifestação do Supremo Tribunal Federal para casos atuais e futuros que tramitem na Justiça", afirmou sobre a tese. "O ferimento a um jornalista pela polícia em um evento público pode apresentar-se sob muitas modalidades diferentes, que não podem ser reduzidas a um estereótipo. As situações reais são muito matizadas. (?) Não se pode, sob o argumento da liberdade de imprensa, instituir a regra abstrata de que a vítima, apenas pelo fato de ser jornalista, nunca contribuirá para o evento danoso."