A presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), ministra Ana Arraes, autorizou a abertura de processo administrativo disciplinar contra o auditor Alexandre Figueiredo Costa Silva Marques, autor de um “estudo paralelo” no qual sustenta que metade das mortes creditadas à covid-19 não ocorreu por causa da doença.
Marques já foi destituído de suas funções de supervisor no Núcleo de Supervisão de Auditoria do tribunal. No lugar dele vai assumir Fábio Mafra.
O corregedor da Corte, ministro Bruno Dantas, afirmou que “os fatos até aqui apurados pela Corregedoria são graves e exigirão aprofundamento para avaliar a sua real dimensão”. “Para isso, é necessária uma decisão da presidente do TCU, ministra Ana Arraes. Ainda é cedo para extrair conclusões, mas, se ficar comprovado que o auditor utilizou o cargo para induzir uma linha de fiscalização orientada por convicções políticas, isso será punido exemplarmente.”
O substituto de Marques, Fábio Mafra, é tido pelos ministros como um dos melhores auditores/supervisores do tribunal. Ficou definido que ele terá todo o suporte para que o trabalho siga com segurança.
O “estudo paralelo” foi citado pelo presidente Jair Bolsonaro, na segunda-feira, como sendo do TCU. “Ali, o relatório final não é conclusivo, mas disse que em torno de 50% dos óbitos por covid no ano passado não foram por covid, segundo o Tribunal de Contas da União”, enfatizou o mandatário. De acordo com o chefe do Planalto, o documento tinha saído havia “alguns dias”. “Logicamente que a imprensa não vai divulgar. (...) Como é do TCU, ninguém queria me criticar por causa disso. Isso aí, muita gente suspeitava. Muitos vídeos que vocês viram de WhatsApp etc, de pessoas reclamando que o ente querido não faleceu daquilo. Está muito bem fundamentado, todo mundo vai entender, só jornalista não vai entender”, acrescentou.
Horas depois, porém, a própria Corte contestou a declaração. “O TCU esclarece que não há informações em relatórios do Tribunal que apontem que ‘em torno de 50% dos óbitos por covid no ano passado não foram por covid’, conforme afirmação do presidente Jair Bolsonaro divulgada hoje (segunda-feira)”, disse, em nota. “O documento refere-se a uma análise pessoal de um servidor do tribunal compartilhada para discussão e não consta de quaisquer processos oficiais desta Casa, seja como informações de suporte, relatório de auditoria ou manifestação do tribunal. Ressalta-se, ainda, que as questões veiculadas no referido documento não encontram respaldo em nenhuma fiscalização do TCU. Será instaurado procedimento interno para apurar se houve alguma inadequação de conduta funcional no caso”, completa o comunicado.
Elaboração
Marques está lotado no setor do TCU que lida com inteligência e combate à corrupção. Quando começou a pandemia do novo coronavírus, ele pediu para acompanhar as compras com dinheiro público de equipamentos para o enfrentamento à doença.
A partir dali, o auditor começou a elaborar o “estudo paralelo”. Quando apresentou os resultados de sua tese a colegas de trabalho, foi veementemente repreendido, pois ficou claro que queria desqualificar os governadores e favorecer o discurso de Bolsonaro. Nenhum outro auditor do TCU endossou o “levantamento”, por considerá-lo uma farsa.
Segundo integrantes do tribunal, Marques queria incluir no 6º Relatório de Monitoramento sua tese falsa, mas foi barrado por colegas de trabalho.
Sem espaço no tribunal para levar adiante o relatório, Marques o liberou para filhos de Bolsonaro, dos quais é amigo. Com o levantamento falso em mão, o presidente o usou para atacar seus críticos e endossar a sua tese de que governadores superdimensionaram o total de mortes pela covid-19 com o objetivo de receber mais dinheiro do governo federal.
Quem acompanha as redes sociais de Marques pode verificar que ele costuma compartilhar fake news, como os benefícios do uso de ivermectina no combate à covid-19. Ele também incita ataques a governadores, justamente a quem pretendia prejudicar com o “estudo paralelo”. Procurado pelo Correio, o servidor disse que não se manifestaria.
Saiba Mais
Barrado
O auditor Alexandre Figueiredo Costa Silva Marques é amigo, também, do presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Gustavo Montezano. Em 2019, o servidor tentou assumir uma diretoria no banco na área de compliance, mas teve os planos barrados pelo então presidente do TCU, José Mucio Monteiro, que não aceitou cedê-lo.