O governo brasileiro enviou um documento secreto às autoridades sul-africanas em busca de um “agrément” para fazer do ex-prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, embaixador do Brasil na África do Sul. Essa indicação vem sendo mantida sob o mais absoluto sigilo, como é o caso da maioria dos pedidos para a aceitação de embaixadores, de forma a evitar que o país passe pelo constrangimento de uma recusa. Segundo fontes da diplomacia e da política ouvidas pelo Correio, com o compromisso de terem seus nomes preservados, a embaixada seria a forma de o governo brasileiro mostrar que está prestigiando o bispo Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), do qual Crivella é sobrinho e é um dos maiores expoentes políticos da seita.
O fato de o governo brasileiro ter pedido o “agrément” não significa que a África do Sul aceitará. Há casos de recusa de embaixadores. A história recente registra um caso em que Cuba simplesmente não respondeu o pedido e o governo brasileiro foi obrigado a desistir da alocação do diplomata. Se não obtiver uma resposta positiva das autoridades sul-africanas, Crivella deve se candidatar a deputado federal — apesar de ter deixado o Palácio da Cidade com baixos índices de aprovação popular. Da parte do governo, o presidente Jair Bolsonaro poderá dizer a Edir Macedo que fez tudo o que estava a seu alcance para ajudá-lo, mas não pode obrigar o governo de Pretória a aceitar um embaixador.
O bispo e Bolsonaro passaram por um período de estremecimento no mês passado, por causa da crise entre a IURD e o governo de Angola. No país africano, um grupo de religiosos se rebelou, tomou parte dos templos e denunciou lavagem de dinheiro, racismo e até vasectomia obrigatória aos pastores da seita. A briga interna da igreja resultou na deportação de 30 pastores. Macedo e a bancada evangélica procuraram o governo em busca de apoio — o religioso, inclusive, conversou inclusive com o presidente da República, a quem apoiou na eleição de 2018.
Reunião com chanceler
Há duas semanas, uma comissão da Frente Parlamentar Evangélica foi ao Ministério das Relações Exteriores conversar com o chanceler Carlos França sobre a situação dos brasileiros ligados à IURD em Angola. O encontro foi agendado depois de duras críticas dos bispos ao governo, por causa da falta de respaldo e atenção da diplomacia brasileira aos pastores deportados. As críticas foram feitas em longas reportagens da Rede Record com reclamações até mesmo do bispo Renato Cardoso, genro de Macedo. A Universal, que tem 230 templos em Angola, se sentiu abandonada pelo Palácio do Planalto. O encontro do chanceler com a bancada no Palácio do Itamaraty, e o pedido para que Crivella seja embaixador, servem para a volta da IURD à boa convivência com o governo.
O ex-prefeito do Rio já morou na África do Sul, fala inglês fluentemente e até escreveu um livro, intitulado Evangelizando a África, publicado no final da década de 1990 — que causou muita polêmica por causa das críticas às outras religiões, sobretudo as africanas, ao que Crivella já pediu desculpas públicas. Ele escapou de dois processos de impeachment quando estava à frente do Palácio da Cidade e, na semana passada, o Ministério Público do Rio de Janeiro pediu o arquivamento de um processo contra ele por falta de provas a respeito do “QG da propina” — no qual teria beneficiado um empresário por meio de contratos com a Riotur, a empresa de turismo que promove os eventos da cidade.
A África do Sul é um país estratégico para o Brasil por causa dos BRICs, bloco que reúne os governos brasileiro, sul-africano, russo, indiano e chinês. Desse grupo de países, conforme análise de alguns embaixadores com quem o Correio conversou, a única relação que segue firme é com a Índia, governada pelo primeiro-ministro Narendra Modi, a quem, inclusive, Bolsonaro recorreu para obtenção da matréria-prima para a vacina Oxford/AstraZeneca, produzida pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em janeiro deste ano.
Se Crivella for confirmado, e aprovado no Congresso, será o primeiro embaixador político do atual governo. Quando da troca de comando da representação em Washington, Bolsonaro cogitou enviar o filho 03, deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Para não provocar um mal-estar com o coirpo diplomático brasileiro e ainda correr o risco do constrangimento de ver o nome do parlamentar rejeitado pelo Senado, Bolsonaro desistiu e apresentou o nome do embaixador Nestor Forster — que embora esteja em sua primeira missão como embaixador, vem sendo elogiado pelos pares. Crivella foi senador, tem aliados na Casa e seria muito difícil rejeitarem o nome de um antigo colega, ainda que o voto seja secreto. Porém, num clima acirrado pela CPI da Covid e por embates partidários num ano pré-eleitoral, os riscos que pesam contra o ex-prefeito se potencializaram.