Dois casos recentes de violência da polícia militar em manifestações contrárias ao presidente da República, além da citação ao lema da campanha eleitoral numa formatura de oficiais da PM, indicariam que as corporações cada vez mais se alinham ao pensamento de Jair Bolsonaro. Para confirmar essa tendência, uma pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em parceria com a Decode, investigou a adesão das PMs à agenda do chefe do Poder Executivo. Esse trabalho se concentrou nas manifestações de representantes das corporações em ambientes digitais.
Um dos casos de violência dos policiais militares foi em Recife, quando um protesto antibolsonaro foi dispersado com tiros de bala de borracha, causando a cegueira parcial de dois homens que nada tinham a ver com o ato. O outro aconteceu em Trindade (GO): um professor e militante do PT foi detido por causa de uma faixa que foi considerada, pela dupla de patrulheiros, ofensiva ao presidente. Já o lema “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” foi citado por dois coronéis da PM-DF na formatura de oficiais da corporação.
O levantamento mostrou que 41% dos perfis públicos de praças da PM endossam as pautas do presidente, enquanto 25% adotam um discurso mais radicalizado. A pesquisa também apurou os posicionamentos pessoais em relação às instituições públicas, costumes sociais, distanciamento social na pandemia da covid-19, imprensa, direitos humanos, entre outros temas. O resultado mostrou que 12% dos PMs compartilham conteúdos contra as instituições, incluindo o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) e a prisão dos ministros da Corte.
Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), destaca que o Brasil vive um resgate de valores conservadores desde 2017, ainda durante o governo de Michel Temer. Ele lembra outra pesquisa do FBSP, de 2017, que mostra que, em razão do medo da violência, os brasileiros passam, a apoiar posições autoritárias.
“A tendência do brasileiro de aderir a pensamentos autoritários e populistas é, numa escala de 1 a 10, de 8,1. O Fórum tem feito alertas desde 2017 e, de lá para cá, houve várias manifestações de excesso de policiais que soaram a posicionamento político-partidário”, observou.
Para David Magalhães, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e coordenador do Observatório da Extrema Direita, a radicalização das PMs pode ser atribuída também aos “cursos de filosofia” ministrados por Olavo de Carvalho, guru dos bolsonaristas. “Por que ele está dando um curso gratuito para a Polícia Militar? O que ele quer com isso? É uma doutrinação ideológica pura e simples”, explicou.
Governadores
Já o cientista político André Pereira César atribui a ofensiva de Bolsonaro sobre os policiais ao interesse de desestabilizar governadores, com os quais tem mantido frequentes embates. “Um caso específico é o do Paulo Câmara (PE): ficou ruim para o governador (com o episódio do ataque aos manifestantes antibolsonaristas). O Bolsonaro trabalha nisso. É um jogo que tem um cálculo político e é muito perigoso”, alertou.
O deputado estadual Marco Prisco Caldas Machado (PSC-BA), o Soldado Prisco, é coordenador-geral da Associação Nacional de Praças (Anaspra), que tem cerca de 15 mil policiais e bombeiros militares. Ele condena atos violentos em manifestações pacíficas, mas diz que a situação não é diferente dos governos passados.
“Em nenhum desses dois casos (Recife e Trindade) os policiais agiram corretamente. Isso é questão de formação. Nós vemos muitas críticas, hoje, de membros de partidos de esquerda, mas as balas de borracha, as prisões, as arbitrariedades eram iguais ou piores (nos governos de esquerda). A PM do Brasil age assim porque o sistema é militarizado. Nossa luta é pela desmilitarização e a unificação das polícias”, garantiu.
O coordenador da Anaspra concorda que Bolsonaro é benquisto por uma parcela significativa dos policiais, sobretudo em razão de promessas que, segundo ele, não foram cumpridas. E considera “fantasiosa” a ideia de que o presidente formaria um grupo paramilitar para contestar o resultado das eleições presidenciais de 2022. “Possibilidade zero. Não concordo, não participaria de nenhuma mobilização nesse sentido. Sou a favor da democracia, não existe nenhum regime no mundo melhor do que a democracia”, assegurou.