Alvo da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, do Senado, a empresa brasileira Precisa Medicamentos, que representa o laboratório indiano Bharat Biotech no Brasil, chegou a fechar contrato com a Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas (ABCVAC) para a venda de 5 milhões de doses da vacina contra a covid-19 Covaxin, com preço de US$ 32,71 a US$ 40,78. Considerando o menor valor, a negociação renderia, pelo menos R$ 807,9 milhões (com cálculo feito a partir do câmbio atual do dólar a R$4,94).
A Precisa é alvo de apuração dos senadores, depois de levantadas suspeitas a partir da ação ativa do governo federal em prol da importação do imunizante indiano, enquanto deixava de lado outras vacinas em processo mais avançado de negociação no Brasil, como a da Pfizer. Em meio às apurações, o Ministério da Saúde decidiu suspender temporariamente o contrato com a Covaxin, "por recomendação da Controladoria-Geral da União (CGU)". De acordo com o ministério, a CGU, em análise preliminar, "não constatou irregularidades no contrato", mas a suspensão foi decidida "por compliance", ou seja, para verificar se todos os trâmites estão de acordo com as normas.
Elementos foram acrescentados nas últimas semanas, chegando a suspeitas de corrupção, depois que o servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda disse à Procuradoria da República no Distrito Federal ter sofrido “pressões anormais” para agilizar a importação do imunizante. O irmão do servidor, o deputado federal Luis Claudio Miranda (DEM-DF), disse que levou ao presidente Jair Bolsonaro as suspeitas, e, como o chefe do Executivo não tomou providências, senadores enviaram ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedido de investigação contra Bolsonaro, por prevaricação.
Telegrama da Embaixada do Brasil na Índia obtido e divulgado pelo Correio mostrou um encontro da ABCVAC com o embaixador André Aranha e o sócio da Precisa Francisco Maximiano, em 6 de janeiro. O empresário irá depor na CPI nesta quinta-feira (1º/7).
Apesar de a informação constar no telegrama, que diz até que o embaixador tratou do assunto com representantes das clínicas privadas, (incluindo a ABCVAC), em entrevista ao Correio, o presidente da entidade, Geraldo Barbosa, negou ter participado ou enviado emissários para a reunião, mas admite: esteve na Índia em visita à Bharat Biotech.
“Eu não conheço, nunca fizemos solicitação, não estivemos em (Nova) Deli, não tivemos nenhum contato com ele. Não é da nossa responsabilidade isso. Todos os contatos que a gente teve foi com a embaixada da Índia para conseguir os vistos. Essa informação é equivocada. Não houve pleito junto a Precisa. Essa informação não corresponde com a verdade em nenhum momento”, disse.
Geraldo Barbosa também defendeu o papel das empresas privadas na imunização, e foi cuidadoso ao mencionar a Precisa. “Prefiro não fazer nenhum prejulgamento porque, se tiverem cometido alguma falha, aí sim vamos tomar algumas providências. Mas, na prática, o mercado privado trabalha com o fato real. Se a Covaxin não conseguiu o registro, não tem negociação. Hoje a gente não avalia mais isso. Vamos esperar o desenrolar. Temos nosso código de ética e quando as coisas se confirmarem, teremos que tomar providências.”
Na prática, segundo ele, as clínicas não têm mais o imunizante, porque ele não tem o registro definitivo. “Quando tiver, vamos avaliar se vamos continuar com a tratativa, se a Bharat vai manter a Precisa como representante. O que não quero é que, se a vacina for aprovada, a gente estrague o imunizante com a guerra política”, disse.
Além da falta de aval da Anvisa, a compra de imunizantes por clínicas privadas ainda enfrenta a legislação brasileira. Em março deste ano, o Congresso aprovou uma lei que prevê que doses de vacina contra covid-19 adquiridas pela iniciativa privada precisam ser repassadas integralmente para a rede pública, para serem incluídas no Plano Nacional de Imunização (PNI), enquanto estiver ocorrendo a vacinação dos grupos prioritários.
A ABCVAC afirmou em nota, no último dia 23, que “havia uma expectativa para a liberação da Covaxin até meados de maio de 2021, o que não ocorreu, e as clínicas que adquiriram doses e optaram pelo distrato estão negociando diretamente com a Precisa Medicamentos”. “Vale ressaltar que os contratos entre clínicas e Precisa são individuais e regidos sob cláusulas de confidencialidade”, pontuou.
Itamaraty
Sobre a visita da Precisa à embaixada em 6 de janeiro, o Itamaraty voltou a dizer, em nota enviada ao Correio na última segunda-feira (28) que o embaixador André Aranha recebeu “empresários do setor clínico brasileiro, que informaram integrar missão empresarial da ABCVAC à Índia para tratar com a companhia indiana Bharat Biotech da importação para o Brasil de vacinas contra o covid-19”.
“As embaixadas brasileiras têm, entre suas atribuições, a missão de apoiar o empresariado brasileiro em negócios no exterior. Para tanto, contam, em suas estruturas, com os setores de promoção comercial (Secoms). A embaixada do Brasil em Nova Délhi atuou dentro de seu mandato institucional e no cumprimento de suas obrigações ordinárias. A embaixada recebeu os empresários e ouviu relatos de suas visitas à Índia, transmitidos ao Ministério das Relações Exteriores”, pontuou.
A reportagem procurou a Precisa, mas ainda não obteve retorno. O espaço segue aberto para manifestação.
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