INVESTIGAÇÃO

Empresa atuou na embaixada brasileira na Índia junto com clínicas privadas pela Covaxin

Segundo telegrama, sócio da Precisa Medicamentos, alvo da CPI, se reuniu com embaixador e associação de clínicas de vacinas no dia 6 de janeiro. Associação nega ter participado da reunião. Na ocasião, falou-se em "oligopólio" de empresas tradicionais e linha de crédito do governo federal para clínicas comprarem imunizantes

Sarah Teófilo
Bruna Lima
postado em 25/06/2021 06:00 / atualizado em 25/06/2021 10:05
 (crédito: Prakash Singh/AFP - 1/5/21)
(crédito: Prakash Singh/AFP - 1/5/21)

Alvo da CPI da Covid, o empresário Francisco Maximiano, sócio da empresa Precisa Medicamentos, representante no Brasil do laboratório indiano Bharat Biotech, se reuniu com o embaixador do Brasil na Índia, André Aranha Corrêa do Lago, em 6 de janeiro deste ano, com a Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas (ABCVAC), para discutir, entre outros pontos, a aquisição de doses para clínicas privadas. O telegrama, enviado ao colegiado e obtido pelo Correio, menciona que a parceria com a Bharat ajudaria a romper “oligopólio” de empresas no Brasil e cita até conversas no Ministério da Economia para uma possível linha de crédito destinada a clínicas privadas para a compra da vacina.

O governo brasileiro assinou um contrato com a Precisa, em 25 de fevereiro, no valor de R$ 1,6 bilhão para aquisição de 20 milhões de doses da Covaxin, sem que a Bharat Biotech sequer tivesse estudo clínico (fase 3) aprovado no Brasil. E desde janeiro, o Executivo considerava a vacina para o Programa Nacional de Imunização (PNI).

A reunião entre a Precisa e a comitiva da ABCVAC com representantes do Itamaraty se deu, inclusive, dois dias antes de o presidente Jair Bolsonaro enviar uma carta ao primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, afirmando que a candidata estava “entre as vacinas selecionadas pelo governo brasileiro”, mesmo sem qualquer aprovação na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e sem estar entre os imunizantes cujos estudos eram realizados no Brasil.

O contrato é alvo de investigação na CPI devido à insistência do governo em obter a vacina, enquanto outras, com estudos avançados no país, foram deixadas em segundo plano. Na reunião, segundo o embaixador, integrantes da “missão da ABCVAC” relataram um programa de visita a empresas indianas produtoras de vacinas, “com a intenção de viabilizar a aquisição de doses para clínicas privadas”. Maximiano, sócio da Precisa e identificado no telegrama como presidente da Precisa, dialogou com André Aranha Corrêa do Lago como representante da delegação, segundo telegrama. Associação nega ter participado de encontro e diz que "não outorga lugar de fala a outrem, fora de seu corpo diretivo".

“Maximiano salientou que uma parte das vacinas será adquirida por clínicas privadas, que atendem a convênios e, em sua opinião, acabam por desonerar o sistema público de saúde. Aludiu a conversas com o Ministério da Economia sobre a eventual abertura de linhas de crédito para que clínicas privadas pudessem adquirir vacinas contra a covid-19”, relata o embaixador.

Conforme descrição do telegrama, Maximiano também criticou um “oligopólio” de empresas tradicionais, citando a Pfizer. O empresário disse, segundo o embaixador, que “cerca de 90% do fornecimento para o mercado de vacinação privada no Brasil é dominado por três companhias tradicionais (GSK, Pfizer, Sanofi)”. O empresário ainda sustentou que “a missão à Índia e a parceria com a Bharat ajudariam a romper esse oligopólio”.

O embaixador André Aranha pontua que na conversa ele mesmo frisou que a Índia é a maior produtora de vacinas e concordou que “talvez haja certo preconceito quanto ao produto indiano por conta da imagem antiquada do país”. “Tanto eu quanto os representantes da ABCVAC registramos o debate público no Brasil em torno da provisão de vacinas no mercado privado. Disse-lhes, ao mesmo tempo, que o Posto acompanhava a missão com interesse, tendo em vista o objetivo maior de promover a saúde da população brasileira. Ressaltei os esforços e gestões que têm sido realizados para viabilizar a exportação de vacinas produzidas na Índia para o Brasil”, frisou.

Além de apontar um movimento favorável do governo ao imunizante, enquanto outros sofriam entraves, a suspeita dos senadores na CPI da Covid-19 sobre a Covaxin também se dá pelo fato de a negociação ter sido a única que teve a presença de uma empresa intermediária, que é Precisa Medicamentos. Essas suspeitas foram reforçadas depois que o servidor do Ministério da Saúde Luís Miranda relatou “pressões anormais” pela alta cúpula da pasta para acelerar a importação do imunizante. Ele e o irmão, o deputado Luis Miranda (DEM/DF) depõem hoje na CPI.

Nesta semana, o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), tem dito que a comissão inicia uma nova frente de investigações em relação à Covaxin para apurar "o cumpliciamento entre agentes privados e agentes públicos em detrimento do erário público".

Clinicas privadas

Conforme a ABCVAC, a viagem foi feita “a convite da Precisa Medicamentos” com o intuito de “conhecer as instalações da Bharat Biotech e dar início às tratativas para viabilizar a importação da Covaxin direcionada ao mercado privado”. Na ocasião, a comitiva da associação apresentou à Bharat informações sobre o mercado privado brasileiro de vacinas, "prospectando talvez, o interesse de um novo ‘player’ para o segmento".  

Empresas privadas firmaram contrato para a compra da Covaxin com a Precisa. "Havia uma expectativa para a liberação da Covaxin até meados de maio de 2021, o que não ocorreu, e as clínicas que adquiriram doses e optaram pelo distrato estão negociando diretamente com a Precisa Medicamentos. Vale ressaltar que os contratos entre clínicas e Precisa são individuais e regidos sob cláusulas de confidencialidade", disse a ABCVAC.

A diretoria da associação ressaltou não ter “nenhuma ligação com os trâmites entre a empresa e o governo, e que os acordos firmados para o mercado privado têm andamentos completamente distintos das compras governamentais”. Procurada, a Precisa não comentou o assunto até o fechamento desta edição. Anteriormente, a empresa afirmou que as tratativas junto ao Ministério da Saúde "seguiram todos os caminhos formais e foram realizadas de forma transparente junto aos departamentos responsáveis do órgão federal".

 

Global Saúde

A Precisa é sócia de uma empresa chamada Global Saúde. Conforme apontado pela Procuradoria da República do Distrito Federal, esta última, há pouco mais de três anos, negociou um contrato “para venda de medicamentos ao Ministério da Saúde mas não os entregou, causando prejuízos a centenas de pacientes dependentes de medicamentos de alto custo, e prejuízo de mais de R$ 20 milhões ao erário, ao que consta ainda não ressarcidos”.

A informação consta em um despacho da procuradora Luciana Loureiro Oliveira, no qual ela aponta suspeitas em relação às negociações do governo federal para aquisição da vacina indiana e pede a abertura de investigação específica sobre as tratativas. Na época em que houve esse problema com a Global, o ministro da Saúde era o deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara. Soma-se mais um elemento a essa questão: foi uma emenda do parlamentar apresentada no dia 3 de fevereiro na Medida Provisória (MP) 1.026 que possibilitou que a Covaxin pudesse ser importada ao Brasil.

A MP visava facilitar a compra de vacinas, permitindo dispensa de licitação e que a Anvisa possa dar autorização excepcional e temporária para importação e uso de vacinas mesmo sem estudo fase 3 concluído, desde que houvesse registro prévio por autoridades sanitárias estrangeiras de determinados países: EUA, União Europeia, Japão, China e Reino Unido. A emenda de Barros acrescentou a agência regulatória da Índia.

Anteriormente, sobre as dívidas com o governo, a Global, do mesmo grupo da Precisa, informou à reportagem que os "valores estão sendo discutidos junto à Receita Federal, posto que a questão está no âmbito da Dívida Ativa, restando a apuração dos valores devidos e dos créditos a que a Global Gestão em Saúde têm direito", disse.

Mais telegrama

Na mira da CPI, Francisco Maximiano foi convocado e o depoimento ocorreria na última quarta-feira (23), mas ele alegou que havia visitado a Índia recentemente e que precisava cumprir quarentena. Além disso, os senadores aprovaram a transferência de sigilo fiscal e bancário da empresa e sigilo telefônico, telemático, fiscal e bancário de Maximiano.

Um telegrama do Itamaraty à embaixada brasileira de Nova Délhi, em março deste ano, mostra o empenho da pasta em acelerar a aprovação da Covaxin na Anvisa. No documento, o Itamaraty “roga” providência para que seja feita uma comunicação com as autoridades indianas a fim de agilizar documentações pendentes que precisavam ser encaminhadas à Anvisa para a aprovação da importação da Covaxin. O telegrama foi enviado apenas cinco dias antes de a agência barrar a importação do imunizante.

Em 30 de março, a agência negou a certificação de boas práticas de fabricação à Bharat Biotech International, justificando que a empresa não adota todas as precauções necessárias para garantir a esterilidade do produto e não possui uma estratégia de controle adequada para certificar a pureza da vacina. No dia seguinte, dia 31 de março, foi a vez de os técnicos barrarem a importação da vacina. A solicitação de importação da Covaxin foi enviada em 22 de março pelo Ministério da Saúde.

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