Documentos enviados à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid-19, no Senado, mostram que um servidor do Ministério da Saúde relatou ao Ministério Público Federal (MPF) “pressões anormais, através de mensagens de texto, e-mails, telefonemas, pedidos de reuniões” para resolver entraves em relação à importação da vacina Covaxin, do laboratório indiano Bharat Biotech, no Brasil representada pela Precisa Medicamentos.
As informações estão em requerimento do vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), de transferência dos sigilos bancário, fiscal, telefônico e telemático de Alex Lial Marinho, ex-coordenador-geral de Logística de Insumos Estratégicos para Saúde, exonerado no último dia 8. No requerimento, Randolfe pontua que Marinho “é nome importante no episódio de contratação da vacina indiana Covaxin e na omissão do governo em relação à negociação com Pfizer”.
“Conforme documentação recebida pela CPI, o coordenador-geral de aquisições de insumos estratégicos para a Saúde atuou fortemente para que seus funcionários superassem, de qualquer forma, os entraves junto à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) que impediam a entrada da vacina Covaxin, em território nacional. Em depoimento recebido por esta CPI, um servidor informa sobre pressões anormais através de mensagens de texto, e-mails, telefonemas, pedidos de reuniões, tendo sido procurado inclusive fora de seu horário de expediente em sábados e domingos. Informa que essa atuação não foi feita em relação a outras vacinas, o que corrobora com diversos depoimentos ouvidos anteriormente nesta comissão”, pontua.
Segundo informações de Randolfe, o servidor em questão informou que “o alto escalão do Ministério da Saúde, tal qual a Secretaria Executiva, a sua própria coordenação, dentre outros setores pediam que fosse encontrada a ‘exceção da exceção’ (palavras do servidor) junto à Anvisa, para que os entraves fossem superados”.
Randolfe ressalta que a informação “coincide com a atuação do Ministério das Relações Exteriores e do próprio presidente da República que, em carta enviada ao primeiro-ministro da Índia, comunica que a Covaxin havia sido selecionada para o PNI (Programa Nacional de Imunização)”. A carta em questão foi enviada por Jair Bolsonaro em janeiro deste ano, quando, como pontuado pelo senador, os testes clínicos de fase 3 da vacina ainda não haviam sido concluídos na Índia.
Os senadores querem apurar na CPI os motivos pelos quais havia um movimento muito positivo por parte do governo federal em relação à Covaxin, enquanto as negociações para outros imunizantes, como a CoronaVac, do Instituto Butantan com a chinesa Sinovac, e a Pfizer, sofriam tantos entraves.
No dia 31 de março, a Diretoria Colegiada da Anvisa, composta por cinco diretores, negou autorização excepcional e temporária para importação e distribuição da Covaxin. Na justificativa, a agência apontou inconsistência na documentação, com lacunas importantes para garantir que a eficácia, segurança e qualidade da vacina, tal como descrita no estudo clínico, possam ser cumpridas. A decisão se deu um dia depois que a Anvisa negou a certificação de boas práticas de fabricação à empresa — documento necessário para a obtenção do registro de remédios e imunizantes no Brasil, mas que não impediria a importação excepcional da Coxaxin.
Segundo Randolfe Rodrigues, no mesmo dia Alex Marinho “realizou uma reunião na Coordenação-Geral de Aquisições de Insumos Estratégicos para Saúde com a alta gestão do Ministério da Saúde para pedir resolução da situação, entrar em contato com a empresa, pressionar pelos documentos para que a questão fosse sanada”.
“É curiosa a atuação do governo federal para a compra desse imunizante em detrimentos de outros que já se encontravam em estado mais avançado para aquisição. A narrativa colocada no presente requerimento coincide com outras já apresentadas e segue uma linha de investigação que merece ser aprofundada. Razões pelas quais roga-se aos nobres pares apoio para aprovação do presente requerimento”, pontuou o senador.
Intermediadora
Na mira dos trabalhos também está a Precisa Medicamentos, responsável por intermediar a compra e conduzir os trâmites necessários para viabilizar a Covaxin ao Programa Nacional de Imunização (PNI). Os senadores querem saber se há ilicitude envolvendo a empresa, que, diferente das demais farmacêuticas que atuam na produção e finalização das vacinas, não tem esse papel de confeccionar doses.
Questionada pela reportagem, a Precisa não respondeu se o início das tratativas partiu de um interesse do próprio governo federal ou da farmacêutica, mas garantiu que "jamais promoveu qualquer tipo de pressão e não contou com vantagens durante esse processo". "Em todas as ocasiões, seguiu de forma ética e transparente todos os processos burocráticos e exigências do Ministério da Saúde e da Anvisa para viabilizar a importação da vacina Covaxin para o Brasil".
A empresa também afirmou que o contato com o servidor que relatou pressão para a conclusão das compras e importação das doses "foi de ordem técnica, para a confirmação de recebimento de documentação, seguindo o protocolo do ministério". Os esclarecimentos devem ser feitos, também, à CPI, pelo sócio da empresa, Francisco Maximiano, convocado para depor nesta quarta-feira (23). Ele também teve o sigilo telefônico quebrado pelos senadores.
O Correio também questionou ao Ministério da Saúde sobre as pressões relatadas pelo servidor e pediu um posicionamento à pasta, que não respondeu até a ultima atualização.
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