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CPI investiga empresa contratada para intermediar compra da Covaxin

Documentos sigilosos que chegaram à CPI apontam que do contrato de R$ 1,6 bilhão firmado entre o governo brasileiro e a Bharat Biotech para a aquisição da vacina, R$ 500 milhões estão destinados à Precisa Medicamentos. Até hoje, a farmacêutica não tem estudo na Anvisa em nenhuma das fases, sendo que estão sendo feitos no país estudos clínicos fase 3

Sarah Teófilo
Bruna Lima
postado em 12/06/2021 01:08 / atualizado em 22/06/2021 10:28
O senador Alessandro Vieira:
O senador Alessandro Vieira: "É uma contratação que chama muita a atenção" - (crédito: Marcos Oliveira/Agência Senado - 18/9/19)

Agora no “rastro do dinheiro”, a CPI da Covid obteve documentos mostrando que a empresa Precisa Medicamentos, que atuou como intermediadora na negociação entre o Brasil e a Bharat Biotech para a aquisição da vacina Covaxin, teria R$ 500 milhões a receber do contrato de R$ 1,6 bilhão fechado pelo governo brasileiro com o laboratório indiano, ou seja, um terço do valor total previsto no documento, firmado em 25 de fevereiro. Mesmo antes de ter qualquer tipo de aval regulatório, a vacina já era apontada pelo presidente Jair Bolsonaro como escolhida para integrar o Programa Nacional de Imunização (PNI), enquanto outras candidatas mais adiantadas, mais baratas e com estudos no Brasil, ficaram fora.

Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que não realizou o pagamento dos imunizantes, “pois é realizado somente após a entrega das doses contratadas, conforme consta em contrato com o laboratório Precisa Medicamentos”. Em nota enviada ao Correio, a Precisa Medicamentos diz desconhecer contrato estabelecendo os valores citados pelos senadores, mas não detalhou quanto embolsaria no acordo feito junto ao Ministério da Saúde.“Os termos desse contrato, no entanto, estabelecem uma remuneração pelo trabalho da Precisa Medicamentos que sequer se aproxima do valor citado”, diz.

Mesmo sem confirmar os valores do contrato, a Precisa justificou a participação como sendo a responsável por todos os trâmites burocráticos e os custos para a obtenção do registro da vacina no Brasil. A empresa também negou ter intercedido junto ao presidente da República ou “qualquer outro chefe de poder ou autoridade pública” no âmbito das negociações. “Em nenhum momento a Precisa Medicamentos foi beneficiada por qualquer autoridade pública e jamais buscou tratamento diferenciado, agindo estritamente dentro das normas”, informou.

A informação sobre os valores envolvidos na compra da Covaxin foi obtida pelo Correio e confirmada pelo senador Alessandro Vieira (sem partido-SE). “A gente está, inclusive, convocando pessoas ligadas à Precisa para que possam prestar mais esclarecimentos para a gente entender”, afirmou. “A negociação da Precisa é totalmente diferente de todas as outras. É a única que tem intermediação; é por um valor mais elevado do que a média das outras e é muito mais rápida do que as outras. A gente tem de aguardar mais dados para aprofundar, mas é uma contratação que chama muita atenção.”

Relator da comissão, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), questionado sobre a Precisa, também afirmou que a empresa atuou como intermediadora entre o governo e a farmacêutica indiana, obtendo R$ 500 milhões do total do contrato.

Nesta semana, a comissão aprovou a quebra de sigilo telefônico e telemático de Francisco Emerson Maximiano, sócio da empresa, e do representante dela, Túlio Silveira. À época em que o documento foi firmado com o Brasil, a Covaxin ainda não tinha autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a realização de estudo fase 3. Somente em 14 de maio deste ano a agência deu aval à realização de ensaios clínicos do imunizante no Brasil.

A vacina ainda sofre restrições de importação, ficando permitido, no início de junho, somente o uso sob condições controladas, concessão que pode ser suspensa “caso o pedido de uso emergencial em análise pela Anvisa ou pela Organização Mundial da Saúde (OMS) seja negado, ou ainda com base em informações provenientes do controle e do monitoramento do uso da vacina Covaxin no Brasil”, como informa a Anvisa.

A autorização restrita ocorreu após dificuldades de aprovação. No fim de março, o certificado de Boas Práticas e o uso emergencial foram negados pela Anvisa. Na justificativa, o relator da 5ª diretoria e relator do processo, Alex Machado Campos, apontou inconsistência na documentação. Segundo ele, “a área técnica identifica riscos e incertezas no uso da vacina Covaxin nas condições atuais”, de maneira que não foi possível determinar “a relação benefício risco com as informações disponíveis até o momento”. A vacina estava programada para chegar em março, e somente esta semana teve a Certificação de Boas Práticas de Fabricação das plantas aprovadas, um dos primeiros passos para a regularização do imunizante.

Mesmo assim, o governo escolheu fechar contrato de 20 milhões de doses da Covaxin, a R$ 80 cada, a mais cara entre as opções mais adiantadas: CoronaVac e Pfizer. Além disso, o acordo ocorreu com dispensa de licitação “para facilitar o processo de aquisição”. As negociações já estavam avançadas em janeiro, quando Bolsonaro, em carta enviada ao primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, afirmou que a Covaxin estava “entre as vacinas selecionadas pelo governo brasileiro”, citando, também, o imunizante da AstraZeneca com a Universidade de Oxford. A carta é de 8 de janeiro, foi divulgada pela imprensa, à época, e nela o presidente pede urgência no envio de 2 milhões de doses da AstraZeneca.

Os senadores apontam que a Precisa chama atenção por ter atuado como “intermediadora” ou “facilitadora” da aquisição da Covaxin. Analisam com estranheza, também, o fato de Bolsonaro ter feito um movimento direto em busca dessa vacina. Apesar de haver uma apuração em torno de empresas de medicamentos, como cloroquina e ivermectina, sem eficácia comprovada contra a covid-19, a reportagem apurou que as principais suspeitas da CPI recaem sobre as negociações de vacinas, cujos contratos envolvem valores bilionários.

Questionado pelo Correio se existe uma relação entre Bolsonaro e representantes da Precisa que demonstre qualquer benefício monetário ilícito, o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) respondeu ser uma hipótese com a qual a comissão trabalha. “Já ficou evidente a contradição do tratamento do senhor presidente da República com a Precisa para com os outros imunizantes”, disse. O senador ressaltou que o chefe do Planalto fez uma intervenção direta apenas para essa vacina.

Na avaliação de Rodrigues, não há um motivo técnico para isso. “É por que tem a maior eficácia? Não, a Pfizer tem 96% de eficácia. É por conta de preço? Não, porque entre as três (Covaxin, Pfizer e CoronaVac) é a que tinha maior preço: R$ 80 a dose”, ressaltou, citando, ainda, que a candidata indiana não tinha autorização da Anvisa como as outras candidatas, mas, assim mesmo foi contratada. “O presidente da República intervém junto ao primeiro-ministro da Índia, em diálogo que temos na CPI, por essa vacina”, frisou o parlamentar.

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