Eleições

De Cabo Daciolo a Bolsonaro: a história por trás do Patriota, partido 'familiar' com brigas internas que pode abrigar o presidente

Essa é a nova casa do senador Flávio Bolsonaro e talvez o futuro partido de seu pai, o presidente Jair Bolsonaro

BBC
Juliana Gragnani - @julianagragnani - Da BBC News Brasil em Londres
postado em 09/06/2021 09:51
Presidente do Patriota Adilson Barroso e presidente Jair Bolsonaro
Marcos Corrêa/PR
Presidente do Patriota Adilson Barroso e presidente Jair Bolsonaro; partido mudou de nome em 2018 a pedido do então deputado federal, diz Barroso

No perfis das redes sociais do presidente do Patriota, Adilson Barroso, abundam imagens de natureza. Fotos de cavalos, flores e frutas com legendas simples, como "que linda, hem?" e "que maravilha" são curtidas por milhares de pessoas. Nenhuma das postagens mencionam política.

Barroso é fundador do Patriota, originalmente PEN (Partido Ecológico Brasileiro), um partido supostamente pró-meio-ambiente fundado em 2011 e registrado no ano seguinte que tinha um trevo de quatro folhas como logo.

Hoje, o Patriota repudia "a histeria propagada pelo obscurecimento da causa ambiental", segundo seu estatuto, além de defender o "respeito à doutrina conservadora cristã" e a "valorização da pátria".

"Nosso foco é sustentabilidade, não é plantar árvore e comer folha. Sem radicalismo ambiental", diz Barroso à BBC News Brasil.

Nas últimas eleições presidenciais, a legenda lançou Cabo Daciolo à presidência. O candidato finalizou a disputa como sexto mais votado, com 1,26% dos votos, à frente de Marina Silva e Henrique Meirelles. Hoje, o partido tem uma bancada de seis parlamentares na Câmara.

Essa é a nova casa do senador Flávio Bolsonaro e talvez o futuro partido de seu pai, o presidente Jair Bolsonaro.

Bolsonaro está sem partido há mais de um ano, desde que se desfiliou do PSL. Para concorrer a um cargo eletivo nas eleições de 2022, ele precisa se filiar a uma nova legenda no mínimo seis meses antes do pleito, previsto para outubro do ano que vem.

Sua primeira opção, a de fundar um partido próprio, não deu certo. A segunda opção era filiar-se a um partido pequeno e ser seu "dono", como ele próprio já declarou, comandando diretórios da agremiação nos estados.

"Estou namorando outro partido, tá? Onde eu seria dono dele como alternativa se não sair o Aliança [partido que queria fundar]", disse o presidente a apoiadores em frente ao Palácio do Alvorada em março.

O Patriota estava entre as legendas cogitadas - e a tese de que será o partido escolhido pelo presidente ganhou tração quando o presidente da sigla, Adilson Barroso, anunciou a filiação de Flávio Bolsonaro na semana passada em uma convenção nacional convocada dias antes. Segundo Barroso, Bolsonaro ficou de dar uma resposta sobre sua filiação em "dez, doze dias".

Mas com a possível filiação do presidente, a cúpula do Patriota rachou.

O vice-presidente do partido, Ovasco Resende, e outros integrantes acusam Barroso de "golpe" para mudar o estatuto e facilitar a incorporação dos Bolsonaro à legenda. Nesta semana, o grupo acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) questionando mudanças de Barroso no diretório e na executiva do Patriota.

O vice-presidente do TSE, Edson Fachin, rejeitou a ação, indicando que o tema tem que ser resolvido na Justiça comum, e não na Justiça eleitoral.

"Está no estatuto o direito de trocar delegados. Não são só três, cinco pessoas que definem uma convenção", defende Barroso. "Não é um racha, acontece em todo lugar democrático."

História e família

Barrinha é uma cidade de 32 mil habitantes da região metropolitana de Ribeirão Preto, em São Paulo. Foi ali que Adilson Barroso, um ex-cortador de cana fiel da Assembleia de Deus, se elegeu vereador em dois mandatos consecutivos - o primeiro em 1988. Depois, foi vice-prefeito também duas vezes. Barroso é mineiro nascido em Leme do Prado, no Vale do Jequitinhonha.

Passou pelo PRONA (eleito deputado estadual com os votos para Havanir Nimtz), PSC (Partido Social Cristão) e o PSL até fundar seu próprio partido, o PEN (Partido Ecológico Nacional) em 2011. Aprovada pelo TSE no ano seguinte, foi a 30ª sigla registrada no país.

As notícias da época da fundação do partido mostram que Barroso nomeou diversos familiares para membros do diretório nacional da legenda. "Quando eu criei o partido, criei com uns 20% de parentes mais ou menos", admitiu Barroso ao jornal O Globo em 2017.

Na semana passada, reportagem do jornal Folha de S.Paulo revelou que prestações de contas do Patriota entre 2017 e 2020 mostravam que Barroso destinou dinheiro público do partido ao próprio bolso e para ao menos dez familiares, incluindo a atual mulher, ex-mulher, irmãos, filha, cunhada e sobrinhos.

À BBC News Brasil, Barroso diz que "não existe distribuição de fundo a parente", e que ele fundou o partido com "mais de 200 parentes ajudando com todas as forças". Mas ele emprega "menos de meia dúzia" de familiares. "Se tiver três ou quatro" é muito, diz ele.

Para a professora do departamento de ciência política da Unicamp Andréa Freitas, esse é um dos fatores que mostram que o PEN "era um partido de dono". "Há um controle muito grande, tanto que fez essa movimentação para abrigar o filho do Bolsonaro e provavelmente o próprio Bolsonaro com uma canetada", diz ela.

A filiação de um presidenciável a seu partido é um sonho antigo. Em 2013, Barroso afirmou que aceitaria até mudar o nome da sigla para "Rede" para abrigar a candidatura de Marina Silva.

Logo do PEN, um trevo de quatro folhas
Reprodução
Logo do PEN, um trevo de quatro folhas; hoje, Barroso diz que partido não tem radicalismo de 'plantar árvore e comer folha'

"Convidei Marina Silva. Ela é uma pessoa que defendia a sustentabilidade. Claro que ela talvez teria um 'radical' do lado ambiental um pouquinho mais forte do que queríamos", diz o presidente da legenda.

Em 2018, sua agremiação mudou de nome de PEN para Patriota a pedido de Bolsonaro, segundo Barroso, justamente para abrigar o então deputado federal. Mas Bolsonaro acabou se filiando ao PSL.

Vantagens para Bolsonaro

Assim como em 2018, o que o presidente procura agora é controle, mesmo que seja de uma legenda pequena, diz Freitas. Com isso, Bolsonaro consegue controlar três tipos de recursos - financeiros, simbólicos e ideológicos, explica.

Primeiro, recursos financeiros. O fundo partidário, fornecido aos partidos para fazerem campanha de filiação, formação política, material de divulgação do partido, entre outros. E o fundo eleitoral, que financia as campanhas - em 2022, para governador, deputado, senador e presidente da República.

Em segundo lugar, recursos relativos a cargos internos do partido e aos candidatos. "É Bolsonaro quem vai decidir quem vão ser os candidatos a governador, deputado estadual e assim vai. Embora não seja recurso financeiro, é muito importante, porque ele consegue decidir que tipo de apoio ele quer e manter controle do partido para não entrar algum outro líder que não vá subjugar o controle que ele tem. É muito poder dentro do partido", diz Freitas.

O terceiro recurso será decidir com quem o partido se alia. E o presidente acaba definindo também qual é a ideologia do partido, finaliza a cientista política.

A "estrutura" de um partido maior, inclusive com maior tempo de horário de televisão gratuita, Bolsonaro conseguirá por meio destas alianças. Assim, ele consegue as vantagens de um partido maior estando em um partido menor. "Ele vai equilibrar o melhor dos dois mundos. Melhor ter controle sobre poucos recursos do que não ter controle nenhum sobre muitos recursos", diz Freitas.

Com sua filiação, o número do presidente nas urnas passará de 17 para 51. Para Freitas, uma vez que o 17 "pegou de forma muito forte como sendo associado ao Bolsonaro", a mudança poderá ser um problema para ele.

Racha na cúpula

O Patriota engordou em 2018, com a fusão do partido ao PRP (Partido Republicano Progressista). A união entre as siglas, com prevalência do 51 do Patriota, se deu para que elas pudessem cumprir a cláusula de barreira e ter acesso ao fundo partidário.

"Se a nossa sigla PRP não se incorporasse ao Patriota, o partido Patriota também teria falecido", diz à BBC News Brasil Ovasco Resende, líder do PRP e hoje na primeira vice-presidência do Patriota.

O racha na cúpula do partido se deu na semana passada justamente entre esses dois grupos políticos. Sem votos internamente, Barroso trocou membros do diretório nacional para conseguir aprovar um novo estatuto da sigla que favoreceria a entrada dos Bolsonaro, sem comunicar aos correligionários.

Um vídeo gravado ao vivo da convenção nacional do Patriota mostra confusão e gritaria entre os políticos do Patriota em uma sala com cerca de 25 pessoas, alguns sem máscara.

"Na calada da noite, de modo sorrateiro ele [Barroso] tirou quatro delegados nacionais que foram eleitos pelo diretório nacional com mandatos de quatro anos, terminando no final do ano que vem. Acrescentou-se mais dois cargos sem fundamento nenhum. Não está no estatuto", o vice-presidente Resende aparece dizendo na convenção.

"O que eu quero é que ninguém aqui seja instrumento das suas articulações individualistas. Estou abrindo o olho de todo mundo aqui dentro", afirma o vice-presidente, referindo-se a Barroso.

Apesar dos questionamentos, Barroso anunciou a filiação de Flávio Bolsonaro no final da convenção. Por teleconferência, o filho do presidente aparece e diz: "Não adianta a gente começar com a relação rachada, dividida, por coisas pequenas, por algumas colocações talvez dentro do partido."

À BBC News Brasil, Resende afirmou que as atitudes de Barroso são "grotescas e golpistas". "Nunca vimos isso em partido nenhum e com certeza se eu soubesse que ele era isso não teríamos incorporado. Dei baixa no PRP, uma história de 40 anos."

Desembarque do MBL

Outro desdobramento da possível filiação de Bolsonaro ao partido é a saída do MBL, o Movimento Brasil Livre.

"O Adilson Barroso já dava sinais de que queria juntar a gente [Bolsonaro e MBL]. A gente sempre falou que era água e óleo - ele entrando, a gente vai sair", diz à BBC News Brasil Arthur do Val, o "Mamãe Falei", deputado estadual de São Paulo eleito pelo DEM. Expulso por esta legenda em 2019, ele se filiou ao Patriota em fevereiro de 2020 para concorrer à prefeitura de São Paulo.

Sua filiação foi "por conveniência", diz ele. "Eu queria disputar a prefeitura de São Paulo e diversos partidos fecharam com o Bruno Covas. O Patriota foi o único que não se deixou levar por isso", diz. "A gente exigiu que nós fizéssemos a chapa, que não deixássemos nenhuma 'tranqueira' entrar e o Patriota nos deu toda a liberdade."

Do Val recebeu 522.210 votos, ou 9,79%, na disputa pela prefeitura no ano passado, o que o credenciaria a se candidatar ao governo do estado de São Paulo pelo Patriota - plano que não poderia ser levado adiante com Bolsonaro no partido.

A debandada do partido e os rachas com a entrada de Bolsonaro repetem a história: foi assim quando ele se filiou ao minúsculo PSL em 2018.

"O partido também deu muito poder a Bolsonaro e se dividiu na época que ele entrou. Teve muita briga interna que levou à saída de vários dos filiados ao PSL", diz Freitas.

Com a entrada de Bolsonaro, o partido saiu de um deputado eleito em 2014 para 52 em 2018. "Com isso, passou a ter um volume de recursos infinitamente maior do que tinha, e a briga começa a ficar mais complicada. Se acontecer com o Patriota o que aconteceu com o PSL, esse movimento vai ser seguido de sucessivas disputas", avalia.

Se o Patriota sobrevive graças a parte dos recursos do PRP, que pode sair em peso, diz Freitas, é provável que haja brigas na Justiça - talvez até com batalhas no Supremo pedindo a anulação da fusão entre os partidos.

Por outro lado, pode ser que o partido que começou como o nanico PEN cresça de maneira surpreendente.


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