Ministro da Defesa no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, entre 2015 e 2016, Aldo Rebelo não acredita que Jair Bolsonaro terá capacidade ou coragem para promover uma ruptura democrática que o favoreça. Isso porque não acha que as Forças Armadas vão acompanhá-lo numa aventura dessa natureza, embora enxergue a não punição do general Eduardo Pazuello — que participou de um ato político promovido pelo presidente da República, no Rio de Janeiro — como algo gravíssimo.
Para Aldo, a decisão do comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, não representa o conjunto da instituição, mas acha que foi aberta uma espécie de caixa de pandora que permitirá ao subalterno se insurgir contra o comandante. Mas, lembra que, nas três Forças, não há militares simpáticos apenas ao bolsonarismo — têm aqueles que também se identificam com as pautas da esquerda, algo que poderia agravar a anarquia na caserna.
O que a decisão de não punir o general Eduardo Pazuello mostra sobre o Exército e a relação da instituição com o presidente Jair Bolsonaro?
É preciso separar o Exército como instituição dos seus eventuais dirigentes. Não confundir a história das Forças Armadas com o pessoal que toma decisões equivocadas. A decisão em relação a Pazuello tem o sentido de estimular a indisciplina, a anarquia nas corporações militares. Essas decisões sobre infrações disciplinares têm um duplo sentido: alcança o infrator, mas tem, também, o alcance educativo para toda a tropa, de sinalizar o que é errado e o que é certo. A decisão em relação ao general é a sinalização de que a indisciplina está liberada. Foi dada uma espécie de habeas corpus para a anarquia dentro da tropa. Um habeas corpus preventivo — essa é a gravidade da decisão. E vai estimular um infrator contumaz, o presidente da República, que sempre praticou a indisciplina, que foi expulso do Exército como indisciplinado. Basta analisar a biografia de Bolsonaro sempre que tinha um gesto de indisciplina nas Forças Armadas. É isso que ele sempre fez: levar carro de som para as portas dos quartéis, para residência de militares para fazer agitação. E, agora, na Presidência da República, ele acha que tem carta branca para fazer o que quiser, para recrutar para sua atividade política cabo, sargento, coronel, general — o que aparecer pela frente. Isso está errado, a Constituição Federal veda. A Constituição estabelece que essas organizações militares são regidas pelos princípios da hierarquia e da disciplina, e a esses dois princípios estão subordinados os militares e o presidente da República. Daqui a pouco vão aparecer os militares do PT, do PSol, do PSL, assembleia de bolsonaristas, antibolsonaristas e a baderna pode ser completa. Acha que vai ter militar só bolsonarista?
Os militares erraram ao embarcar de cabeça no governo?
Eles não embarcaram de cabeça no governo. Militares da reserva é que ocupam cargos (no governo). Os da ativa foram exceção.
O que o senhor acredita ter levado o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, comandante do Exército, a não punir Pazuello?
O general Paulo Sérgio deve essa explicação. Eu o conheci, serviu no ministério (da Defesa) quando eu era ministro e tínhamos todos a melhor impressão dele. Mas a atitude em relação ao Pazuello não se justifica. Essa explicação ele deve, em primeiro lugar, para a própria instituição. Uma atitude que não tem nenhuma relação com a tradição do Exército. A disciplina nas Forças Armadas não admite relativismo: ou seja, que um pode ser indisciplinado e o outro, não. A disciplina vale para todos ou vale para ninguém. Se não vale para o general, como é que vai valer para o cabo, para o soldado, para o sargento? Se o general pode subir num carro de som e fazer uma arenga política em favor de um político, como é o caso do presidente da República, o que é que pode impedir que o sargento também suba num carro de som para fazer a mesma coisa?
Essa decisão mostra a submissão do Exército a Bolsonaro?
Não, mostra a atitude de quem comanda, não da instituição. Mesmo porque, recentemente um comandante dessa instituição foi destituído por razões que permanecem na sombra, mas sobre as quais desconfiamos. Provavelmente, porque não tenha se submetido a determinados caprichos do presidente da República. Eu conheço o presidente da República, convivi muito tempo com ele, nunca teve apreço por disciplina, por hierarquia, e não teria agora. E, provavelmente, se deparou com gente, como ministro da Defesa e os comandantes de então, que tem apreço pela disciplina. Esse deve ter sido o choque que resultou na demissão dos três comandantes (Edson Pujol, do Exército; Ilques Barbosa Junior, da Marinha; e Antonio Carlos Moretti Bermudez, da Aeronáutica) e do ministro da Defesa (general Fernando Azevedo e Silva).
O Exército perde credibilidade depois dessa decisão?
Não tenha dúvida. A sociedade vai olhar e vai dizer: Bem, nós pagamos uma instituição, financiamos com dinheiro público para fazer política de uma corrente de um partido, de uma facção? Não. Por que as pessoas vão financiar uma instituição dessa, que tem um monopólio da força para fazer política, para ficar fazendo palanque? Imagina se, amanhã, aparece um general lá na porta do PT, outro na porta do (governador de São Paulo, João) Doria. Que história é essa? Está errado, isso não pode acontecer.
Em vários momentos, o presidente chamou o Exército de “meu Exército”. O senhor acha que agora tem motivos para chamar assim?
Não, ele pode chamar um general ou outro de “meu general”. O Exército, ele não vai chamar. O presidente agiu com coerência, ele sempre foi isso: um indisciplinado e um irresponsável. E o Exército sempre procurou manter distância dessas atitudes dele, a ponto de expulsá-lo, de proibir que ele entrasse com carro de som dentro dos quartéis ou nas áreas das Forças Armadas. Bolsonaro não mudou. O que mudou foi a atitude do Exército diante da irresponsabilidade. Essa é a mudança.
O senhor acha que as instituições, por conta da decisão do general Paulo Sérgio, precisam reagir?
Claro, precisa pôr um freio para isso. O Exército tem comando, mas é uma instituição do Estado brasileiro, não é propriedade de quem comanda. Quem comanda deve prestar contas à sociedade dos seus atos, dos seus gestos. Então, não pode ficar desse jeito. Evidentemente que haverá reações a isso. É o Exército brasileiro, não é o Exército do Bolsonaro, por mais que ele pense que possa tê-lo.
O senhor acha que acendeu um alerta em relação ao risco de ruptura democrática? O Exército daria apoio ao presidente no caso de uma aventura autoritária?
Não creio. Bolsonaro é um bravateiro, nunca teve coragem pessoal para muita coisa além de fazer bravata. Quando é enfrentado, ele sai da linha. Bolsonaro tem que ser confrontado na sua responsabilidade. Presidente da República eleito deve ser respeitado. Agora, ele tem que ser digno da função que exerce. Mas, se ele perde a dignidade do exercício da função, tem que ser confrontado.
Então Bolsonaro não teria apoio do Exército em caso de um ímpeto autoritário?
Acho que nem tem coragem de tomar ímpeto nenhum. Isso é bravata de Bolsonaro para criar e alimentar o espírito de divisão da sociedade, que é do que ele sobrevive. A gente sabe que não tem apoio para fazer nada.
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