Entrevista com Omar Aziz

"O ministro da Saúde é Bolsonaro", diz presidente da CPI da Covid

Para o senador Omar Aziz, está clara a existência do gabinete paralelo de aconselhamento do presidente, que se sobrepõe a quem estiver à frente do Ministério da Saúde. Por isso é que Marcelo Queiroga depõe novamente, terça-feira, para ser indagado sobre a independência que disse ter

Jorge Vasconcellos
postado em 06/06/2021 07:00
 (crédito: Jefferson Rudy/Agência Senado)
(crédito: Jefferson Rudy/Agência Senado)

O presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM), tem muitas expectativas em relação ao novo depoimento que o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, prestará à comissão na próxima terça-feira. Em entrevista ao Correio, ele acredita que será uma boa oportunidade para o representante do governo esclarecer se ele, realmente, conta com autonomia para comandar a pasta no enfrentamento do novo coronavírus, como disse na primeira vez em que foi inquirido pelo colegiado, no início de maio. Queiroga foi convocado para novo depoimento depois de os senadores independentes e de oposição concluírem que ele faltou com a verdade ao dizer que a cúpula do governo nunca interferiu no seu trabalho como ministro.

Para Aziz, à medida que as investigações avançam, crescem as evidências de que o Ministério da Saúde nunca teve autonomia para agir no combate à crise sanitária. As suspeitas são de que um gabinete paralelo, formado por médicos e assessores do Palácio do Planalto, é responsável por orientar as ações federais contra a covid-19. Nesse cenário, a recomendação e a distribuição de medicamentos sem eficácia comprovada contra a doença ganharam mais prioridade do que a aquisição de vacinas. Na visão do presidente da CPI, “o ministro da Saúde é o Bolsonaro”.

O senador, durante a entrevista, também disse considerar injustos os ataques direcionados a ele pelo presidente da República. “Você nunca me ouviu dizer que o presidente é um genocida, um assassino”, afirmou o senador. Já em relação ao novo depoimento que o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello prestará à comissão, ainda sem data marcada, Aziz faz um alerta: “Espero que não minta. Se mentir, ele sabe que pode ter consequências”. A seguir, os principais trechos da entrevista:


O senhor considera que o trabalho da CPI tem conseguido, de alguma forma, ensejar
mudanças de postura do presidente da República, do Ministério da Saúde e do governo em relação à pandemia?
Com certeza. Hoje, com a CPI mostrando ao Brasil que o governo brasileiro não quis comprar vacinas, eles se apressam para obtê-las. Mas, infelizmente, já são quase 500 mil mortos. Isso poderia ter sido evitado, principalmente se tivéssemos comprado 130 milhões de doses no ano passado — eram 60 milhões do Butantan e 70 milhões da Pfizer. Está provado que o ministro da Saúde à época, Eduardo Pazuello, e o presidente não tiveram nenhum interesse nisso. Preferiram apostar na política sanitária errada, que é a imunidade de rebanho.

Qual sua opinião sobre essa imunidade de rebanho?
Custou as vidas de muitas pessoas que acreditaram que (a covid-19) era uma gripezinha, que o cara que é atleta não morre. Numa cidade como a minha (Manaus), onde muitas vezes moram juntos avô, avó, os netos, tudo junto, o vírus contamina o avô, a avó, e eles vão a óbito. Depois, a doutora Nise (Yamaguchi, defensora da hidroxicloroquina no tratamento precoce da covid-19, que depôs na semana passada à CPI), disse que queria fazer uma imunidade em crianças. E o pior: defender um negócio criminoso, a vacinação aleatória. Eu não sei o que é vacinação aleatória. Aleatório é jogar na Mega-Sena.

A secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Mayra
Pinheiro, defensora do uso da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19, se mantém no cargo após várias mudanças no comando da pasta. A que o senhor atribui isso?
Não tem razão para a doutora Mayra estar no governo, porque não pensa da mesma forma que o Queiroga. É porque ela pensa como o presidente. É por isso que a doutora Luana (Araújo) não foi nomeada, porque não pensa como o presidente. É simples assim. O ministro da Saúde é o Bolsonaro.

Na terça-feira, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, vai prestar novo depoimento à CPI, porque a maioria do colegiado concluiu que ele mentiu ao dizer que goza de autonomia para
trabalhar. Que esclarecimentos tem que prestar à Comissão?
A doutora Luana (Araújo, infectologista cuja nomeação foi vetada pela Casa Civil para assumir a secretária de enfrentamento ao novo coronavírus do Ministério da Saúde), que esteve lá (na CPI), disse para mim: ‘Senador, o ministro Marcelo Queiroga é uma ótima pessoa, um ótimo profissional, trate ele com respeito, ele não merece isso’. Aí fiquei assustado porque ele não pode nomeá-la, e ela dá um depoimento desses. Isso é legal, mostra também que ele tenta, por um lado, fazer as coisas certas como médico. Ela fez um depoimento pessoal sobre o Queiroga; da forma como ela falou, é uma decência muito grande, porque ela foi preterida. Ela podia falar mal do Queiroga, mas não fez isso. O problema é que o Queiroga rema para um lado e a cúpula do governo rema para outro. Isso é ruim para ele.

A CPI já tem provas de que o presidente é assessorado por um gabinete paralelo?
Está provado que tem um gabinete paralelo. Até tem um vídeo, agora, do Arthur (Weintraub, ex-assessor da Presidência, convocado para depor na CPI) com outro cara falando “qual é a estratégia” (em uma live, Arthur dá detalhes de como um grupo de 300 pessoas aconselhou Bolsonaro em temas relacionados à pandemia). O presidente, o governador, o prefeito, eles têm que se curvar à ciência. Eu acho que a doutora Nise deve ser uma boa oncologista, mas de política pública sanitária, de política de infectologia, ela não entende nada. A outra lá (Luana Araújo) você viu a diferença do depoimento. Simples assim.

Como o senhor classifica a opção do presidente de virar as costas para a ciência frente ao desafio da pandemia?
Eu não preciso falar nada, é só ver os vídeos. Todas as vezes em que o presidente falou sobre covid foi em tom jocoso, desrespeitoso às mortes, aos familiares e aos milhões de brasileiros. “É só uma gripezinha”, ou então “tá com medo da gripezinha”, “vai comprar vacina com a sua mãe”. É só ver como ele trata. Não preciso falar, ele próprio fala. E esse é o desespero dele. Toda quinta-feira ele me agride. Na quinta-feira, fez uma live para anunciar a Copa América (no Brasil). Ele, com muito ódio, teve que falar na vacina. “Se vacinar todo mundo vai melhorar”. Quinhentas mil vidas perdidas nessa pandemia não vão voltar, as famílias não vão esquecer. Tem duas coisas que você não esquece nunca: é um tapa na cara — você vai lembrar daquilo a vida toda; e a morte de quem você quer bem.

Que tipos de crimes podem ser atribuídos ao presidente e a atuais e ex-integrantes do governo?
Nós temos indícios do cometimento de crime contra a saúde pública e de crime contra a vida. Agora, os responsáveis, nós vamos investigar.

Bolsonaro é aliado do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas-AL).
Por sua vez, o procurador-geral da República, Augusto Aras, é criticado internamente por
colegas, que consideram que ele protege o presidente da República. O senhor
teme que o relatório final da CPI não surta os efeitos políticos e jurídicos desejados?
A questão política é outra coisa. Acho que, juridicamente, cada um tem que fazer seu papel ou vai ficar para a história como alguém que foi omisso no momento em que o Brasil vive. Então, cada um sabe o que tem que fazer na sua história, tanto o procurador quanto outras pessoas que tenham responsabilidade sobre isso.

O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello terá que prestar novo depoimento à CPI, já que na primeira oitiva caiu em várias contradições. Que esclarecimentos precisa prestar à Comissão?
O ex-ministro Pazuello será chamado novamente (a depor), e espero que não minta. Se mentir, sabe que pode ter consequências.

O presidente, atuais e ex-integrantes do governo devem ser responsabilizados pela recomendação de remédios sem eficácia comprovada contra a covid-19, como a hidroxicloroquina?
A política sanitária que o governo adotou, de tratamento precoce e imunidade de rebanho, é crime. A omissão relacionada à demora para a compra de vacina também é crime de prevaricação (crime cometido quando funcionário público, indevidamente, retarda ou deixa de praticar ato de ofício, ou o pratica contra disposição legal expressa, visando a satisfazer interesse pessoal).

O governador Wilson Lima vai depor na CPI. Os governistas devem se concentrar na questão do uso dos recursos federais. Para o senhor, que fatos ele deve esclarecer?
Além disso (do uso dos recursos federais), a falta de oxigênio no Amazonas, que matou muita gente. Isso aí não é favor, é obrigação de qualquer gestor dar explicação sobre os recursos públicos, o dinheiro que foi gasto. E a Justiça já está investigando. (Quanto à falta de oxigênio), nós vamos ver quem está mentindo, porque Pazuello diz que recebeu (aviso sobre a iminência da falta do insumo) no dia 10 (de janeiro) à noite. A dra. Mayra diz que foi dia 8. O secretário de Saúde diz que foi dia 7. O Exército foi avisado aqui no dia 7. Tem muita coisa que a gente precisa esclarecer.

O senhor, o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), e o relator, Renan Calheiros (MDB-AL), têm trocado farpas com Bolsonaro. O senhor nunca se preocupou com a possibilidade de isso alimentar acusações de que a comissão de inquérito não está atuando com
imparcialidade? De que é uma comissão inimiga do governo?
Não. A minha resposta ao presidente é para ele não perder tempo comigo e comprar vacinas. Só isso, mais nada. Eu não falo dele, da família dele. Você nunca me ouviu dizer que o presidente é um genocida. Nunca me ouviu dizer que é um assassino — nunca disse isso. E nem sobre a família dele. Pode procurar em qualquer depoimento meu qual foi o dia que fiz qualquer citação acima do tom contra o presidente. A única coisa que eu respondo é: “Presidente, sou muito pequeno. Em vez de se preocupar comigo, perca seu tempo comprando vacina”. Eu não faço prejulgamento de ninguém, mas não quero ser prejulgado.


"Você nunca me ouviu dizer que o presidente é um genocida. Nunca me ouviu dizer que é um assassino — nunca disse isso. E nem sobre a família dele”

"Todas as vezes em que o presidente falou sobre covid foi em tom jocoso, desrespeitoso às mortes, aos familiares e aos milhões de brasileiros. É só ver como ele trata. Esse é o desespero dele”

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