Ele diz ser independente, mas é visto como um dos integrantes da tropa de choque do governo na CPI da Covid. O senador Eduardo Girão (Podemos-CE) tem defendido as demandas do Executivo na comissão, lançando muito mais elogios do que críticas ao Planalto e cobrando, massivamente, sempre que tem alguns minutos de fala, que o colegiado investigue estados e municípios, com o intuito de tirar o foco do governo federal.
Em entrevista ao Correio, Girão afirmou que a CPI já começou de forma errada e critica o relator, Renan Calheiros (MDB-AL), a quem acusa da parcialidade e de conflito de interesses. “Você acompanha com atenção e vê a maneira como já tem um culpado e inocente para ele. Ele já deu entrevistas antes de começar a CPI dizendo que esse é um governo genocida”, disse. Girão chegou a ir ao Supremo Tribunal Federal (STF) junto com Marcos Rogério e Jorginho Mello para impedir judicialmente que Calheiros fosse o relator.
Ao frisar que é independente (ainda que sua atuação mostre uma defesa ao governo federal), ele ressaltou que o requerimento da CPI também foi feito por ele - mas somente no âmbito do pedido de investigação de eventuais desvios de recursos federais por parte de estados e municípios. O requerimento inicial de investigação de ações e omissões do governo federal no âmbito da pandemia foi do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Na última quinta-feira, durante depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, Girão usou quase a totalidade dos seus 15 minutos de fala para fazer elogios ao Ministério da Saúde, criticar o Consórcio Nordeste e cobrar investigação dos governadores.
Girão também foi o candidato à presidência da comissão votado pela base (Jorginho e Marcos Rogério). Mas por falta de articulação, o governo federal não conseguiu formar maioria na CPI e o senador não conseguiu ser o presidente. Após três semanas de CPI, sendo a última marcada pelo depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, o senador, que está em seu primeiro mandato político, não vê desgaste no governo. Veja os principais trechos da entrevista com o senador:
Alguns momentos ficou inegável que o Pazuello entrou em contradição, né? Sobre o oxigênio em Manaus, por exemplo, ele falou dia 10 e depois dia 7.
Tudo isso a gente vai precisar receber alguns documentos para ver, mas o mais importante é que ele não se negou absolutamente a falar. Falou tudo, mesmo com habeas corpus. Apenas quis se proteger da tremenda agressividade que o relator tem demonstrado nas últimas sessões. Ameaça prender, induz resposta, intimida as pessoas. Para mim, o relatório já está pronto, né?
Está claro o resultado final?
Está claro, porque é um palanque político que nós estamos vendo aqui no Brasil, infelizmente, em cima de tantas mortes, tantas pessoas sofrendo. Saúde pública, desemprego, fome, e a gente não está olhando para estados e municípios, não está olhando para a Polícia Federal, que eu queria trazer (à CPI), porque a população está querendo o equilíbrio, né? É uma CPI parcial. Infelizmente.
Sobre o oxigênio em Manaus, a contradição de Pazuello sobre datas prejudica a narrativa do governo?
Contradição por causa de três dias?
Três dias para quem está sem oxigênio morrendo num hospital é muita coisa...
Observe bem o que ele disse. A partir do momento que ele chegou e disse que identificou (o problema relativo ao oxigênio), começou a tomar as medidas. É disso que eu vou precisar de documentos. Por exemplo, a Venezuela ajudou, não foi? E os Estados Unidos, como foi essa história dos Estados Unidos? (avião oferecido pelos EUA ao Brasil para transportar oxigênio) Ele diz uma coisa, os senadores dizem outra. A gente precisa comparar com documentação.
Então tem algumas coisas ali nebulosas? Algumas coisas que o senhor disse que precisa olhar documentação.
Precisa para a gente ter uma noção. Cruzar os dados. O papel de uma CPI é esse, cruzar dados.
O senhor achou o Pazuello confuso?
Não, ele respondeu todo mundo. Eu achei que ele respondeu, talvez, de forma prolixa. Ele quis falar nos mínimos detalhes, e aí demorava muito nas respostas. E isso foi, de alguma forma, deixando os senadores pressionando.
O senhor acha que foi estratégia dele? Ser prolixo?
Eu não acredito que tenha sido estratégia.
Pazuello em vários momentos disse que as decisões cabiam a ele. O senhor acha que ele tentou tirar o presidente do foco?
Como era o comandante do Ministério da Saúde, eu vejo que, de alguma forma, ele agiu. Em 1º de maio, quando teve o calote do Consórcio Nordeste, o que aconteceu? Eu fui correndo lá no Ministério da Saúde, o ministro era o (Nelson) Teich, e ele (Pazuello) era o secretário-executivo. Ele estava coordenando essa logística. Cheguei lá, pedi: ‘Pelo amor de Deus, aconteceu agora um calote no Ceará.’ Só para o Ceará, se não me engano, eram 40 respiradores. ‘O senhor consegue isso? Nos ajude, porque o povo está precisando’.
Imediatamente, ele não perguntou qual era a ideologia nem tem que perguntar isso, e disse: ‘Vou ligar agora aqui para resolver’. Pegou o telefone, já ligou para o secretário de Saúde lá e disse: ‘Estão mandando os respiradores’. Fiquei acompanhando aqui, do dia 1º ao dia 3, até que enviasse esses respiradores. Então, foi rápida a resposta que ele deu para Ceará, Alagoas e Rio Grande do Norte. Eu vejo que ele (Pazuello) tinha autonomia. Blindagem é uma coisa muito forte. Mas o que eu vejo de blindagem é para governadores e prefeitos.
Mas ele tentou blindar o presidente? O que o senhor acha?
Aí é um julgamento de valor. É difícil julgar as pessoas, né? Eu vejo que ele tinha autonomia, autonomia para resolver o que tinha que ser resolvido. E ele mostrou muitas coisas que ele agiu. A gente precisa cruzar os dados, só isso.
Mas blindagem, o senhor acha que aconteceu?
Eu não percebo isso. Blindagem é uma coisa muito forte. Mas o que eu vejo de blindagem é para governadores e prefeitos. Aí eu já percebo.
A base tenta tirar o foco do governo federal para sobre sobre estados e municípios?
Aí tem de perguntar à base. Eu sou independente, não participo de nenhuma reunião governista nem me convidam, porque sabem que eu não sou. Eu não faço o jogo deles.
Houve coordenação por parte do governo federal?
Houve. Além de mandar dinheiro aos estados e municípios, coordenou respiradores, por exemplo. Sou testemunha de que dinheiro não faltou. Todo dinheiro que era pedido aos estados e municípios ia (do governo federal para os outros entes federativos). Agora, erros acontecem com todo mundo, acontecem em qualquer governo. Se pegar o governo do PT...
Então, o senhor acha que não houve omissão por parte do governo federal
Isso que a gente vai descobrir na CPI. Eu pedi as aglomerações do presidente da República. O requerimento é meu dessas saidinhas dele aqui sem máscara, causando aglomeração. Eu quero saber sobre isso. Então, quem é que vai fazer isso, da base? O presidente até ficou chateado com isso. O problema é dele. Eu não faço o jogo de ninguém. Acho que é exemplo errado o presidente não usar máscara, causar aglomeração. Um governista falaria isso para você? Eu vou pela minha convicção. Se eles estão com esses argumentos, mas com outras convicções, o problema é deles. Mas eu quero a verdade do governo federal, estados e municípios.
O senhor acha que o governo está desgastado com a CPI?
Acho que a sociedade não está levando esta CPI a sério. Viu que é um palanque político, ela percebe claramente os interesses disso, o relator que tem um filho que é governador (Renan Filho, gestor de Alagoas). Eu não vou nem falar das outras coisas. Mas ali há um conflito de interesse direto. Então, isso é uma coisa que vai perseguir essa CPI, esse flagrante conflito de interesse, que fica cada dia mais parcial. Você vê a maneira como já tem um culpado e inocente para ele (relator). Ele já deu entrevistas antes de começar a CPI dizendo que esse é um governo genocida. Eu tentei evitar (a indicação do relator). (A CPI) Já começou errada.
Se começou errada, vai acabar em pizza?
Não digo que vai acabar em pizza, porque ele (Renan Calheiros) já tem, na minha concepção, ele já tem um relatório desde o início. Está encaminhado.”
Ele vai culpar o governo, o presidente?
Eu vejo isso claramente. Para mim, virou algo pessoal. Ele já tem um problema pessoal com o presidente da República. Era político e, hoje, é pessoal. Você vê como está a animosidade dele com os filhos (de Bolsonaro), com o Flávio. Os dois lados estão errados. O presidente (Bolsonaro), o Flávio e o Renan. Virou pessoal.