Os interrogatórios da CPI da Covid seguem como palco de discussões acaloradas no Senado. No início da tarde desta quinta-feira (20/5), o senador Alessandro Vieira (Cidadania/RS) protagonizou uma das cenas mais polêmicas do dia ao comparar o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello com um alto funcionário da SS, organização paramilitar do partido nazista.
"Ele não possuía histórico ou traços preconceituosos, não apresentava características de um caráter distorcido ou doentio. Ele agiu segundo o que acreditava ser seu dever, cumprindo ordens superiores e movido pelo desejo de ascender em sua carreira profissional, na mais perfeita lógica burocrática. Cumpria ordens sem questioná-las com o maior zelo e eficiência, sem refletir sobre as consequências que elas pudessem causar”, citou o senador em referência a uma análise de perfil do oficial nazista Adolf Eichmann.
O senador defendeu que o ex-ministro seguia ordens "como uma engrenagem" e que, durante as respostas na CPI, defendia por "dever ou lealdade" quem teria verdadeiramente determinado os rumos das ações do Brasil durante a pandemia de Covid-19.
"Faço essa referência porque, muito claramente, nos contatos que tivemos o senhor nunca se portou com desrespeito à vida. Pelo contrário, quando telefonei pedindo respiradores para o estado de Sergipe, o senhor conseguiu dar um atendimento super célere. Salvou vidas naquele estado. Mas, no conjunto da obra, no exercício de uma política de saúde, o senhor falhou. E tenho absoluta convicção que não falhou por decisão sua”, salientou o senador.
Caso emblemático
Mas, quem foi Adolf Eichmann? O relato mais famoso sobre essa figura foi escrito pela filósofa alemã Hannah Arendt para a revista The New Yorker quando, na década de 1960, Eichmann foi capturado na Argentina e levado a julgamento em Israel por sua participação no extermínio de judeus durante o período nazista. As observações se transformaram no livro Eichmann em Jerusalém, um relato sobre a banalidade do mal.
O texto argumenta que grandes tragédias, como o holocausto, dependem do apoio de sujeitos desprovidos de pensamento crítico, de figuras apolíticas que não tomem lado e que possam facilmente deixar de lado a empatia em relação a terceiros, quando estes fogem ao escopo dos seus interesses. O livro se conclui com a “hipótese de que o mal talvez esteja intimamente relacionado com a ausência de pensamento naquele que o pratica”.
Preso na Argentina, julgado em Israel
Tudo isso foi escrito enquanto Arendt acompanhava dos bancos do tribunal o julgamento de Adolf Eichmann. Ele havia fugido para a Áustria e, depois, para Buenos Aires logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. Usou os nomes falsos de Otto Eckmann, Otto Heninger e por fim, Ricardo Klement. Esta última identidade foi usada até a descoberta e captura do ex-oficial nazista pelo serviço secreto israelense.
Foi o único a ser julgado pelo tribunal de Jerusalém, uma vez que as demais lideranças políticas, militares e econômicas da Alemanha haviam sido processados nos tribunais internacionais de Nuremberg. A apreciação do caso de Eichmann durou nove meses, entre 11 de abril e 12 de dezembro de 1961. No fim, ele foi declarado culpado por crimes contra a humanidade, contra os judeus, e associação a organização criminosa.
Mesmo quando estava prestes a ser enforcado, o nazista seguia alegando inocência com o argumento de que apenas cumpria ordens. “Eu não era um líder responsável, e, como tal, não me sinto culpado”, escreveu em defesa própria.
Como responsável pela logística da “solução final”, o oficial se encarregou de mandar milhares de judeus para campos de concentração e extermínio. Ele chegou a assistir execuções em massa a tiros e em câmaras de gás, declarando que elas eram ‘desumanas’, não para as vítimas, mas para os executores. Ainda assim, nunca demonstrou qualquer tipo de arrependimento.
Eichmann foi enforcado no dia 1º de junho de 1962. Os relatos da época dão conta de que suas últimas palavras foram: “Viva a Alemanha. Viva a Argentina. (...) Morro a acreditar em Deus”. O julgamento e toda a produção intelectual posterior a ele teve impacto significativo na opinião pública e nas narrativas sobre o Holocausto.
E, embora a visão de Hannah Arendt sobre o fervor ideológico de Eichmann seja contestada por outros estudiosos, ele é frequentemente associado pejorativamente à figura de burocratas que prejudicam outras pessoas sistematicamente.