Ex-ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello mudou sua versão sobre o momento em que soube da crise de abastecimento de oxigênio em Manaus (AM), na manhã desta quinta-feira (20/5), no segundo dia de depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid-19. Para não cair em contradição, o militar frisou que, no dia 10 de janeiro, foi alertado sobre a dificuldade logística em transportar o insumo, o que poderia fazer com que houvesse falta nos hospitais. Dessa forma, Pazuello tentou se livrar da responsabilidade de ter sido alertado da iminente crise no estado dias antes dela acontecer. O clima na segunda sessão para ouvir o militar do Exército está mais animoso do que o de quarta (19).
“O telefonema do secretário de Saúde (do Amazonas) no dia 7 (de janeiro) à noite foi para tratar de levar oxigênio de Pará para Manaus”, argumentou. Ele afirma que foi informado antes, mas que o pedido de ajuda logística só teria vindo no dia 10, como se o primeiro telefonema nada tivesse a ver com o esgotamento dos galões de oxigênio para socorro de pacientes infectados nos hospitais amazonenses. A informação de que teria tomado conhecimento somente no dia 10 de janeiro foi reiterada várias vezes na quarta-feira.
Para completar, segundo documentos da Advocacia Geral da União (AGU), o Ministério da Saúde soube da crise em 8 de janeiro, um dia depois do referido telefonema e seis dias antes do colapso do sistema de saúde que levou a mais de 3 mil mortos no Amazonas naquele mês, com um pico de 225 mortos no dia 30. As vítimas morreram por asfixia.
Intervenção federal
Pazuello também admitiu que o presidente da República, Jair Bolsonaro, recusou a intervenção federal no estado do Amazonas, em meio à crise de falta de oxigênio nos hospitais do estado. Pazuello respondia às perguntas do vice-presidente da CPI, o senador Randolfe-Rodrigues (Rede-AP).
Randolfe foi duro com Pazuello, e já estava no final do tempo de fala, quando trouxe à baila o tema da crise no Amazonas. “A intervenção federal não aconteceu por conta?”, disparou o senador. O militar disse que houve uma reunião com ministros e que chegou-se a um consenso. Ele não citou o presidente e, por isso, o senador cobrou, questionando quem decide, segundo a lei, a intervenção federal. O ex-ministro da Saúde se corrigiu e admitiu que o presidente estava presente.
Outro tema tratado entre Randolfe e o ex-ministro foi a demora do governo em fechar acordo com a Pfizer, e a compra de vacinas com o Butantan. No segundo caso, em outubro de 2020, o presidente da República desautorizou publicamente Pazuello a seguir com a contratação. Para piorar, no dia seguinte à fala de Bolsonaro, Pazuello aparece em um vídeo com o chefe do Executivo e afirma que “um manda e outro obedece”.
No caso da Pfizer, o ex-ministro afirmou que “a primeira proposta da foi feita em 26 de agosto. Nesse momento, ela apresenta, também, as cinco cláusulas que colocam ativos no exterior”. As cláusulas que Pazuello considera impeditivas colocariam o governo brasileiro para tratar de judicializações em tribunais no exterior, e também colocariam o Executivo como responsável por efeitos adversos da vacina. “São as cinco cláusulas impeditivas. A Pfizer não flexibilizava uma vírgula. A assessoria jurídica da CGU (Controladoria-Geral da União) se manifestou de forma negativa”, lembrou.
O governo, porém, elaborou uma Medida Provisória com um dispositivo que traria uma pacificação jurídica sobre o caso. Mas, o trecho, que tinha a anuência dos ministros, foi cortado pelo presidente da República. O ex-ministro, mais uma vez, cuidou de tentar isentar o presidente, e disse que não havia consenso. Randolfe, contudo, apresentou uma minuta que mostrava esse consenso. “Foi alterada não pelo presidente, mas pelo governo. Pelos ministros”, insistiu o militar. “Isso atrasou (a compra) em três meses”, criticou Randolfe. “Mas a Pfizer só foi registrada em 23 de fevereiro”, rebateu Pazuello.
O caso Butantan
No caso da vacina chinesa produzida pelo Instituto Butantan, Randolfe, primeiro, insistiu nos desmandos de Bolsonaro, e voltou a questionar sobre como isso pode ter interferido na negociação. Pazuello disse que não houve interferência, e que a fala com Bolsonaro foi “de internet”. “O senhor nunca recebeu nenhum doc do instituto Butantan de oferta de vacina?”, questionou o senador. “Já tínhamos um acordo de compra”, afirmou o ex-ministro. “E por que demorou dois meses? Tem três cartas, 30 de julho, 7 de agosto e 30 de outubro”, argumentou Randolfe. “Fizemos a carta de intenção em 17 de outubro”, respondeu o militar.
O senador insistiu que o contrato só foi assinado em 7 de janeiro, e anunciado pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB). “A lei brasileira, que inclui a Lei do SUS, não permitia contratação sem que houvesse vacina em território nacional e autorização de registro ou o próprio registro”, explicou Pazuello. “Por que o senhor demorou três meses?”, reforçou Randolfe. “Porque precisava das autorizações legais da MP”, respondeu o militar.
Nesse ponto, Randolfe trouxe à tona o caso do desmando de Bolsonaro em outubro, e da fala do ministro em favor do presidente no dia seguinte. Pazuello disse que aquela fala de Bolsonaro contra o acordo com o Instituto Butantan não teve valor nas negociações. Randolfe não aceitou a resposta. “A palavra de um presidente da República, em uma pandemia, com mais de 150 mil mortos (à época), não vale nada?”
O que não houve, segundo Pazuello, foi a interferência do processo. “Não atrasou nada. Posso concluir essa resposta? No mesmo dia que a Anvisa deu a autorização, o governador (de São Paulo) começou a vacinar e, no dia seguinte, começou a distribuir pelo Brasil”, insistiu o ex-ministro.
Randolfe lembrou que o Ministério da Saúde chegou até mesmo a deletar o tuíte com o anúncio da negociação com o Instituto Butantan, mas o general não soube explicar o motivo. “Eu não sei dizer o que uma coisa tem a ver com a outra. A resposta é: eu não mandei tirar nada”, disse.
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