O cenário que envolveu o depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello foi bem diferente do visto em outras oitivas na CPI da Covid. O general apresentou um discurso firme, entrou muitas vezes em embate com os senadores e quase não deixou transparecer nervosismo. No entanto, foi acusado por parlamentares de mentir, entrou em contradição em algumas declarações e pode sofrer sanções ao final do depoimento, que continua hoje.
Chamou a atenção, também, a postura do relator, Renan Calheiros (MDB-AL). O parlamentar, que marcou território no colegiado por perguntas incisivas e pela firmeza na condução dos depoimentos, ontem abrandou as atitudes, evitou rebater o ex-ministro e fez questionamentos mais leves, em comparação às oitivas do ex-secretário de Comunicação da Presidência Fabio Wajngarten e dos ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich.
Durante duas semanas, Pazuello recebeu orientações do Planalto sobre como agir na CPI. O treinamento surtiu efeito. Ao longo das respostas, chamou para si as responsabilidades, ao dizer que não recebia determinações do presidente Jair Bolsonaro sobre a gestão da pandemia, e tentou blindar o chefe do Executivo. No entanto, irritou integrantes da comissão com algumas inconsistências, como quando tentou omitir contatos de representações dos Estados Unidos com o governo brasileiro para o aluguel de aeronaves destinadas a transportar oxigênio e ao negar que tenha feito campanha ou recomendações de medicamentos sem eficácia contra a covid-19. As críticas mais duras partiram dos senadores Eliziane Gama (Cidadania-MA) e Eduardo Braga (MDB-AM), que questionaram a situação de Manaus e a crise do oxigênio.
Após a sessão, porém, Renan Calheiros criticou o general. Ele citou, em especial, a afirmação do ex-ministro de que as propostas da Pfizer para a compra de vacinas nunca teriam ficado sem uma resposta da pasta. “O depoimento do ex-ministro Pazuello foi sofrível. Amanhã (hoje) vai continuar... Por exemplo, essa coisa da Pfizer é documentada. Ele tentou responder a partir de dezembro, mas a pergunta não foi aquela e, sim, por que eles deixaram de responder à Pfizer no período em que ela mandou a carta para vender milhões de doses da vacina”, ressaltou.
Calheiros propôs a contratação de uma agência de checagem de fatos, para avaliar o depoimento em tempo real de todas as testemunhas. “Ele mentiu muito. Tanto que vou pedir amanhã (hoje) para que o presidente (do colegiado, Omar Aziz) contrate uma agência checadora de fatos. Essa é uma comissão totalmente nova, que tem aprovação popular muito grande e aceitação popular muito grande”, argumentou.
“Fábula”
Para o vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), tudo leva a crer que o treinamento oferecido pelo governo surtiu efeito. “Tem uma mistura de media training, tentativa de blindar o presidente, não chegar nada ao presidente, com mentiras e omissões. Ele foi treinado para blindar o presidente. Vamos confrontá-lo com os fatos”, frisou.
Na avaliação do líder do PT, Rogério Carvalho (SE), a primeira parte do depoimento foi “uma fábula”. Ele destacou, no entanto, que o ex-ministro será confrontado sobre as incoerências. “Pazuello não está respondendo nada. Foi treinado para não responder e não incriminar o presidente. Mas contra fatos objetivos não tem treinamento que resista”, afirmou. “Tudo que ele está falando é conversa. Bolsonaro mandou que ele rasgasse o acordo da CoronaVac, da Butantan. Ele fez o acordo de manhã e desfez à tarde”, criticou.
Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), que interrompeu a sessão em vários momentos, quando a situação parecia mais crítica para Pazuello e para o governo, disse ter visto tranquilidade da parte do general. “Parlamentares de oposição querem ter um minutinho de fama e crescer para cima do depoente ali, que está numa postura muito calma, transparente, serena, e acho que vai continuar assim”, elogiou.
Investigação
Além da contratação de uma agência de checagem, senadores avaliam se tomam medidas específicas em relação ao caso do ex-ministro. Entre as opções está a de mandar as declarações, com o apontamento de mentiras, ao Ministério Público Federal (MPF) para que o órgão tome as medidas cabíveis. O mesmo foi feito no caso de Fabio Wajngarten, que pode sofrer processo penal por não dizer a verdade ao colegiado.
O jurista Alexandre Aroeira Salles, doutor em direito administrativo pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, afirmou que Pazuello precisa apresentar provas consistentes do que disse. “Avaliando o depoimento, é visível que ele pareceu responder às questões, tentando demonstrar não ter havido omissão nem negligência por parte do ministério, mas tudo dependerá de produção de prova documental que ele conseguir fazer, pois pela prova testemunhal, até agora, há pontos delicados contra ele”, destacou. “Por exemplo: disse que haveria muitas cartas trocadas com os diretores comerciais da Pfizer, mas não as mostrou ali. Terá, assim, que resgatar tais documentos e apresentá-los.”
Uma das possibilidades avaliadas pelos integrantes da CPI é realizar uma acareação entre Pazuello e as demais testemunhas, para elucidar contradições. Thiago Sorrentino, professor de direito constitucional do Ibmec-DF, explicou esse procedimento. “Na acareação, as testemunhas são colocadas frente a frente e instadas a repetirem suas afirmações conflitantes. Não há uma fórmula previamente estabelecida para definir quem está dizendo a verdade, mas o inquiridor pode explorar inconsistências, contradições e até a linguagem corporal do inquirido”, disse.