INVESTIGAÇÃO

Decisão do STF fala em operações suspeitas de R$ 14 milhões em escritório de Salles

Investigação da PF aponta para possível existência de um "grave esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais" o qual teria o envolvimento de Salles

Em decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes que pede o afastamento dos sigilos bancário e fiscal do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, o magistrado descreve que a Polícia Federal aponta a existência de diversas comunicações ao Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf) "de operações suspeitas" envolvendo Salles. Moraes ressalta que foi identificada uma “movimentação extremamente atípica” de R$ 14,2 milhões envolvendo o escritório de advocacia o qual o ministro é sócio (50%), no período de janeiro de 2012 a junho de 2020.

O ministro cita a questão para justificar a autorização do afastamento dos sigilos bancário e fiscal do ministro. Moraes também determinou busca e apreensão contra o ministro e a suspensão do exercício da função pública de nove servidores. A investigação da PF aponta, segundo decisão do ministro, “em tese, para a existência de grave esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais o qual teria o envolvimento de autoridade com prerrogativa de foro, no caso, o atual ministro do Meio Ambiente, Ricardo de Aquino Salles, de servidores públicos e de pessoas jurídicas”.

Ed Alves/CB D.A Press - Ministro Ricardo Salles, após operação da Polícia Federal

Segundo descrito pela PF, a “caneta” dita por Salles na reunião ministerial de abril do ano passado teria sido aplicada na questão das exportações ilícitas de produtos florestais. Isso porque na “na ausência de um parecer do corpo técnico especializado que objetivasse a eventual revogação” de uma instrução normativa (15/2011) do Ibama, “o que se viu na prática foi a elaboração de um parecer por servidores de confiança, em total descompasso com a legalidade”.

A corporação aponta fatos envolvendo a apreensão de madeiras nos Estados Unidos que foram exportadas ilegalmente. Após a apreensão, as madereiras buscaram junto a dois servidores, um deles o superintendente do Pará, Walter Mendes Magalhães, ambos nomeados/promovidos por Salles, e eles teriam emitido certidões e ofício, “claramente sem valor, por ausência de previsão legal, que não foram aceitos pelas autoridades norte-americanas”. Em seguida, duas empresas madereiras pediram a caducidade da instrução normativa do Ibama para a autorização específica para a exportação de produtos florestais.

O pedido foi recebido pela presidência do Ibama em fevereiro de 2020 e, ao que tudo indica, no mesmo dia Salles teria se encontrado com representantes das duas empresas. Segundo a PF, houve "atendimento integral e quase que imediato da demanda formulada pelas duas entidades, contrariamente, inclusive ao parecer técnico elaborado por servidores do órgão”.

Além disso, a PF destacou que "na sequência da aprovação desse documento e revogação da norma, servidores que atuaram em prol das exportadoras foram beneficiados pelo ministro com nomeações para cargos mais altos, ao passo que servidores que se mantiveram firmes em suas posições técnicas foram exonerados por ele".

Investigação

A investigação teve início a partir de um ofício elaborado pela Divisão de Repressão a Crimes Ambientais da Polícia Federal com documentos produzidos pela embaixada dos Estados no Brasil, no qual falava sobre a apreensão de madeira no estado da Geórgia. Neste comunicado, Bryan Landry, adido do Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos da América (FWS), informa que, em janeiro de 2020, o FWS deteve três contêineres de madeira exportados do Brasil que não possuíam documentação do Ibama.

O órgão norte-americano pediu a confirmação do Ibama, que informou que as cargas não foram analisadas pelo setor competente e que a empresa exportou madeira sem manifestação ou autorização do Ibama. Depois, em fevereiro, o setor de pesca americano recebeu várias cartas do superintendente do Ibama no Pará tentando garantir a liberação das remessas detidas, "Apesar da determinação anterior de ilegalidade e notificação de violação por funcionários do mesmo escritório do Ibama, as cartas de 'certidão' legitimavam os envios e defendiam a sua libertação da detenção nos Estados Unidos", informa Landey.

Em fevereiro, Landry se reuniu com o presidente do Ibama, Eduardo Bim, para discutir as comunicações conflitantes do Ibama. Segundo Landry, a reunião se concentrou em interpretações de várias instruções normativas do Ibama, "apesar das preocupações expressas do FWS em relação a possíveis comportamentos inapropriados por funcionários públicos"

No dia 25 de fevereiro, o órgão de pesca americano recebeu um despacho do presidente do Ibama, Eduardo Bim, fornecendo uma explicação das ações do escritório do Ibama no Pará “e uma interpretação de vários processos do Ibama e das Instruções Normativas, concluindo finalmente que um DOF de Exportação é suficiente para exportar madeira nativa do Brasil”. Landry pontua ter preocupação sobre possíveis ações inadequadas ou comportamento corrupto por funcionários públicos responsáveis pelos processos legais e sustentáveis que governam a extração e exportação de produtos de madeira da região amazônica”.

“Assim, a documentação encaminhada pela autoridade policial traz fortes indícios de um encadeamento de condutas complexas do qual teria participação autoridade com prerrogativa de foro — ministro de Estado —, agentes públicos e pessoas jurídicas, com o claro intuito de atribuir legalidade às madeiras de origem brasileira retidas pelas autoridades norte-americanas, a revelar que as investigações possuem reflexos transnacionais”, diz Moraes na decisão.

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