A situação do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello ficou mais complicada depois do depoimento do ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo à CPI da Covid. Ontem, o ex-chanceler enfatizou, a todo momento, que decisões no âmbito da pandemia, como negociações internacionais para aquisição de vacina, insumos ou cloroquina, foram responsabilidade da pasta então chefiada pelo general. O Itamaraty, conforme o depoente, atuava de forma “secundária”, sempre sob orientações e solicitações da Saúde. Problemas apontados pelos senadores acabaram empurrados para Pazuello, que será ouvido hoje.
Em relação ao consórcio Covax Facility, por exemplo, Araújo afirmou que a decisão de aderir ao mínimo oferecido foi do Ministério da Saúde. O Brasil adquiriu doses para vacinar 10% da população, mas tinha a opção de comprar o suficiente para imunizar 50%. Segundo o ex-chanceler, as negociações ocorreram com a presença do Itamaraty, mas as definições cabiam à Saúde.
“Essa decisão não foi minha, foi do Ministério da Saúde, dentro da sua estratégia de vacinação”, disse, ao ser questionado pelo relator, Renan Calheiros (MDB-AL). Perguntado sobre o motivo da demora para a assinatura de contrato, o que ocorreu em setembro, respondeu que diversos países pediram mais tempo para análise e negociação de termos e que ele havia enviado uma carta, ainda em julho, manifestando interesse de adesão à aliança.
No caso da cloroquina — medicamento sem eficácia comprovada contra a covid-19 e que foi amplamente difundida pelo governo federal —, Araújo afirmou que o Itamaraty agiu para buscar no exterior insumos destinados à produção do remédio, e arrematou: “Foi o Ministério da Saúde que pediu para viabilizar a importação”. Segundo ele, houve uma busca de insumos na Índia, com troca de mensagens com autoridades locais. Ao ser questionado se Bolsonaro atuou nessas negociações, respondeu que o presidente pediu a ele para viabilizar o contato com o primeiro-ministro da Índia.
Araújo frisou que a adoção de políticas e estratégias no âmbito da pandemia cabiam primordialmente ao Ministério da Saúde.
Como adiantado na edição de ontem do Correio, essa foi uma das estratégias escolhidas para o depoimento do ex-chanceler: remeter questões de vacinação ao Ministério da Saúde. Segundo o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigo (Rede-AP), Araújo “comprometeu Pazuello”. “Parece haver um abandono de Pazuello. O melhor que ele poderia fazer no dia de amanhã (hoje) seria colaborar com a CPI, ou todos os elementos vão levar a apontá-lo como responsável pela morte de milhares de brasileiros”, alertou.
Calheiros fez coro: “Com esse esforço, com essa declaração, ele transfere o ônus dos equívocos para a pasta da Saúde e para quem a ocupou”.
China
O ex-ministro negou que tenha promovido ataques à China, apesar do histórico de animosidade dele com o país asiático. “Jamais promovi nenhum atrito com a China. Seja antes, seja durante a pandemia, de modo que os resultados que nós obtivemos com a pandemia decorrem de uma política externa que foi implementada com os nossos objetivos, mas não era de alinhamento automático com os Estados Unidos nem de enfrentamento com a China”, sustentou.
Só no ano passado, porém, o ex-chanceler interferiu duas vezes depois que um dos filhos do chefe do Executivo, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), disparou contra os chineses. No último episódio, em novembro, o Itamaraty chegou a enviar uma carta chamando a resposta chinesa ao parlamentar de ofensiva e desrespeitosa.
Ao comentar a questão, Araújo foi acusado de mentir, em especial, pelo presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM). “Na minha análise pessoal, Vossa Excelência está faltando com a verdade. Eu peço a Vossa Excelência que não faça isso”, reprovou o parlamentar. Em outros momentos, o ex-chanceler negou que falas polêmicas contra o embaixador chinês no Brasil e contra o país, por parte dele, de Bolsonaro e de outras autoridades do governo tenham prejudicado as relações com o gigante asiático.