A CPI da Covid do Senado teve, ontem, o seu dia mais tenso desde o início das apurações sobre ações e omissões do governo na pandemia. Em depoimento ao colegiado, que durou mais de oito horas, Fábio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação da Presidência da República, caiu numa série de contradições. Ele negou ter chamado o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello de incompetente, irritou senadores com respostas consideradas evasivas ou mentirosas, tornou-se pivô de bate-boca entre parlamentares e chegou a ser ameaçado de prisão.
Wajngarten foi convocado a depor na condição de testemunha, em razão de uma entrevista que concedeu à revista Veja afirmando que a “incompetência do Ministério da Saúde” prejudicou o acesso do Brasil a vacinas contra a covid-19.
No depoimento, Wajngarten deu aos senadores informações diferentes das que forneceu à revista. Ele negou, por exemplo, ter dito à publicação que a “incompetência do Ministério da Saúde”, então comandado por Pazuello, foi responsável pela dificuldade do país para adquirir imunizantes. Segundo o ex-integrante do governo, a manchete da capa (“Houve incompetência”) teria sido um truque. “A manchete serve para vender a tiragem, para trazer audiência, chamar a atenção, conforme a gente conhece”, argumentou.
Irritado com o comportamento do depoente, o relator, Renan Calheiros (MDB-AL), defendeu que ele fosse preso em flagrante por falso testemunho, com base no artigo 342 do Código Penal. “Eu queria, presidente, solicitar à Vossa Excelência, requisitar o áudio da revista Veja para nós verificarmos se o secretário mentiu ou não mentiu. Se ele não mentiu, a revista vai ter de pedir desculpas a ele. Se ele mentiu, ele terá desprestigiado e mentido ao Congresso Nacional, o que é um péssimo exemplo”, disparou. “Se ele mentiu à revista Veja e a esta comissão, eu vou requerer à Vossa Excelência, na forma da legislação processual, a prisão do depoente. Apenas para não dizerem que a gente não está tratando as coisas com a seriedade que essa investigação requer”, acrescentou.
Briga
O clima na CPI esquentou ainda mais quando a deputada bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP), que já recorreu à Justiça para tirar Renan Calheiros da comissão, entrou no plenário e passou a discutir com o senador. O bate-boca provocou a suspensão dos trabalhos por alguns minutos.
Paralelamente, a revista postou em seu site o áudio da entrevista com Wajngarten. O material foi apresentado, na sessão, pela senadora Leila Barros (PSB-DF). Na gravação, é possível ouvir o ex-secretário responder se houve negligência ou incompetência: “Incompetência. Você tem um laboratório americano, cinco escritórios de advocacia apoiando na negociação e você tem, do outro lado, um time pequeno, sem experiência, então é 7 a 1”.
Wajngarten caiu em contradição, também, quando disse que não tinha conhecimento de uma campanha da Secretaria de Comunicação intitulada “O Brasil não pode parar”, que trazia um discurso contrário às medidas de distanciamento social adotadas nos estados para frear o avanço do novo coronavírus. Após repetir, várias vezes, que não tinha conhecimento da campanha, e ser desmentido por Renan Calheiro, ele mudou de discurso e reconheceu que sabia da ação publicitária.
“Eu lembrei do tema, na hora em que eu fui ao intervalo. Esta foi uma campanha que estava em fase de teste, e o próprio ministro (general Luiz Eduardo Ramos, então da Secretaria de Governo), meu chefe à época, rodou essa campanha sem aprovação”, afirmou. “Em nenhum momento essa campanha teve autorização de veiculação. Nenhum momento. De fato, as peças foram concebidas e estavam em fase de avaliação. Em nenhum momento ela foi autorizada”, repetiu.
Além de Calheiros, que pediu, mais de uma vez, a prisão do ex-secretário, outros senadores defenderam a medida, entre eles, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI; Humberto Costa (PT-PE) e Fabiano Contarato (Rede-ES). O parlamentar capixaba disse esperar que a “comissão parlamentar de inquérito dê uma resposta à altura do estado flagrancial que este depoente está aqui praticando”. “Eu espero que essa CPI tenha o comportamento de não demonstrar que, no Brasil, infelizmente, só quem fica preso é pobre, afrodescendente e analfabeto. Nós estamos diante de um estado flagrancial do artigo 342. Antes de senador, eu sou delegado de polícia há 27 anos e já inquiri muitas pessoas”, acrescentou.
Negativa
Em meio às pressões, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), disse que não ia determinar a prisão de Wajngarten. Ele acrescentou, porém, que qualquer um dos senadores poderia decretar essa medida extrema. “Não tomarei essa decisão. Eu tenho tomado decisões aqui muito equilibradas até o momento, mas eu ser carcereiro de alguém, não. Sou democrata. Se ele mentiu, temos como pedir indiciamento dele, mandar para o Ministério Público para ele ser preso, mas não por mim. Só depois que ele for julgado, e aqui não é tribunal de julgamento”, justificou.
Humberto Costa defendeu que o depoimento de Wajngarten fosse enviado ao Ministério Público Federal para uma apuração sobre as informações repassadas pelo depoente (leia reportagem ao lado).
Apesar de ter provocado a irritação de senadores, que consideraram mentiras vários trechos de seu depoimento (veja quadro), Wajngarten foi elogiado por Aziz por ter informado que o governo desprezou a oferta de 500 mil doses de vacina, feita pelo laboratório Pfizer em setembro de 2020. (leia reportagem na página 4). Para membros da CPI, isso prova que o Executivo demorou seis meses até assinar contrato de compra de imunizantes da multinacional, em março deste ano.
Declarações contestadas
» O presidente Jair Bolsonaro disse que compraria toda e qualquer vacina aprovada pela Anvisa
Em 2020, por 10 vezes, o presidente Jair Bolsonaro declarou, publicamente, que não compraria a CoronaVac, produzida pelo Instituto Butantan, em parceria com a chinesa Sinovac. Em outubro, numa entrevista à Jovem Pan, afirmou: “A (vacina) da China nós não compraremos, é decisão minha”. No mesmo mês, em resposta, no Facebook, a um apoiador, foi categórico: “Não será comprada”.
» A campanha “O Brasil não pode parar”, produzida em março de 2020, circulou sem autorização do governo
O relator Renan Calheiros (MDB-AL) mostrou postagens nas redes sociais do Palácio do Planalto e da própria Secom com a marca “O Brasil não pode parar”
» Não trabalhou em março de 2020 por estar com covid-19
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) mostrou live de Wajngarten com o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), de março do ano passado, em que o então secretário de Comunicação diz que estava trabalhando normalmente pela Secom no isolamento.
» Não houve pagamento a influenciadores digitais para fazer propaganda de tratamento precoce ineficaz contra a doença
Dados obtidos pela Agência Pública apontam que o governo federal pagou R$ 1,3 milhão para influenciadores fazerem propaganda do “kit covid”, entre os quais, a hidroxicloroquina. Na internet, a ex-BBB Flávia Vianna pediu desculpas por ter feito a campanha e disse que somente tentou ajudar a sociedade. Outros influenciadores admitiram ter recebido o valor
pela publicidade do mesmo teor.
» Desconhece a informação de que apresentadores de tevê foram pagos com cachês acima de R$ 900 mil para defender o governo
O senador Jorge Kajuru (Podemos-GO) disse ter provas de que apresentadores receberam os repasses, o que envolveria quase todas as emissoras de tevê aberta, de acordo com o parlamentar.
» Não declarou em entrevista que houve incompetência do Ministério da Saúde na pandemia e que essa palavra foi usada por editores
A revista Veja publicou em seu site áudio em que o ex-secretário fala que houve incompetência da pasta na aquisição de vacinas.
» Houve “diversas campanhas” do governo contra a covid-19 e em prol de medidas sanitárias
Nos perfis da Secom, no ano passado, foram publicavas várias mensagens orientando o uso da hidroxicloroquina e outros medicamentos sem eficácia contra o novo coronavírus
» O presidente Jair Bolsonaro é defensor da liberdade de imprensa e nunca atacou jornalistas no exercício da profissão durante a pandemia
Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil-2020, elaborado pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), apontou que Bolsonaro foi responsável por 175 ataques contra jornalistas no ano passado.