O depoimento do presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra Torres, à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid-19 colocou os senadores governistas do colegiado em maus lençóis. Isso porque Barra Torres comprometeu a médica Nise Yamaguchi, defensora do uso da cloroquina no tratamento precoce contra o coronavírus. O medicamento não tem eficácia comprovada, e, segundo o gestor, a médica estaria empenhada em mudar a bula do produto, mesmo sem fundamentação científica. Nise já está na lista dos convocados, por requerimentos de autoria da tropa de choque de Bolsonaro no colegiado.
Yamaguchi, que é doutora em pneumologia, e mestre em alergia e imunologia do Hospital Albert Einstein, participou de uma reunião do Palácio onde houve a proposta de alteração da bula por decreto. O encontro foi confirmado por Barra Torres e também no depoimento do ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Consta no Requerimento 189/2021, de autoria do senador Ciro Nogueira (PP-PI), convidar a médica “para debater acercados tratamentos médicos utilizados no combate à covid-19”.
O líder do DEM, senador Marcos Rogério (RO), também pediu a presença da médica no requerimento 146/2021, e o senador Jorginho Mello (PL-SC) registrou requerimento exatamente nos mesmos termos do requerimento de Ciro Nogueira. Segundo relatou Barra Torres, a reunião ocorrida no quarto andar do Palácio do Planalto foi curta, e ele reagiu de forma ríspida à possibilidade de alteração na bula do medicamento.
Participaram do encontro, além de Yamaguchi, um segundo médico, além do general Braga Netto, então Ministro da Casa Civil, e, segundo Mandetta, o então ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, o policial militar da reserva Jorge Oliveira e o ministro general Luiz Eduardo Ramos.
Barra Torres, que é próximo de Jair Bolsonaro, se disse contrário ao uso de cloroquina no tratamento da covid-19, e lembrou que diversos países já declararam a ineficácia do medicamento no combate ao novo coronavírus. “O documento foi apresentado pela doutora Nise Yamaguchi, o que provocou uma reação deselegante minha. Minha reação foi muito imediata, de dizer que não poderia ser, pois só quem pode modificar uma bula de um medicamento registrado é a agência reguladora daquele país, desde que solicitado pelo detentor do registro”, destacou.
O presidente da Anvisa também disse que a médica estaria empenhada em fazer a alteração da bula da cloroquina, mesmo sem as pesquisas necessárias para a modificação. “Quando houve proposta de uma pessoa física, eu disse que não tem cabimento, não pode, e a reunião não durou muito mais. Depois da proposta, o ministro Mandetta se retirou, eu me retirei, mas não sei quem foi o autor. A doutora pareceu mobilizada com a possibilidade”, afirmou.