O Estado contra os brasileiros

"Nossas elites econômicas estão sempre mobilizadas para impedir que o Estado brasileiro lidere qualquer projeto de desenvolvimento. Quem insiste na ideia de que, sem o Estado, o baixo crescimento se perpetuará é logo desqualificado"

Tenho relembrado, sempre, que o Brasil, durante a maior parte do século XX, viveu um crescimento rápido e duradouro da sua renda por habitante, prenunciando que, em breve, chegaria ao restrito clube dos países avançados. De repente, logo a partir dos anos 1980, essa trajetória virtuosa foi interrompida e, a partir daí, pelos 40 anos seguintes, passamos a crescer sempre abaixo dos países ricos, tornando cada vez maior a distância entre nossas economias.

A diferença entre o nosso crescimento e o das nações mais avançadas não foi, seguramente, obra da natureza. Pelo contrário: nossa disponibilidade de recursos é muito maior hoje do que era naqueles tempos dourados. Nos anos de maior crescimento do Brasil, entre 1940 e 1980, nossa produção de alimentos era insuficiente para abastecer o mercado doméstico e, muitas vezes, tivemos que recorrer a importações ou racionamento para contornar a escassez. A dependência de petróleo trazido de fora consumia nossa limitada capacidade para importar, enquanto hoje passamos a exportadores e acumulamos mais de US$ 350 bilhões de reservas cambiais. Nossa falta de crescimento é obra de nós mesmos, não um destino que nos foi imposto.

Há muito o crescimento econômico deixou de ser a principal pauta dos governos. Em uma época, a escassez de dólares e a limitação da capacidade de importar impuseram restrições reais ao crescimento. Em outros momentos, vivemos uma inflação sem controle. Superados esses obstáculos, as políticas de crescimento teriam que ocupar o centro da agenda governamental. Que isso não tenha ocorrido e que o tema permaneça ausente do debate público é um sinal de que a apatia tomou conta da nossa vida política.

Cinquenta milhões de brasileiros vivem hoje com uma renda inferior a R$ 420 por mês. Basta um voo de helicóptero sobre as nossas principais metrópoles para avaliarmos a extensão das feridas da pobreza na carne de nossas cidades. Se olhamos para o futuro, só vemos uma névoa encobrindo o destino da maioria dos nossos jovens, sem preparo nem formação para crescer em um m undo cada vez mais exigente e sofisticado.

Apesar de tudo isso, nossas elites econômicas estão sempre mobilizadas para impedir que o Estado brasileiro lidere qualquer projeto de desenvolvimento. Quem insiste na ideia de que, sem o Estado, o baixo crescimento se perpetuará é logo desqualificado como desenvolvimentista ou irresponsável, o que afasta do debate as pessoas mais sensíveis.

Estamos mergulhados numa grande confusão institucional. O Parlamento vive ocupado com temas de interesse restrito. O Judiciário está cada vez mais disposto a invadir todas as esferas da vida e do Estado, enquanto o governo pensa apenas em sobreviver, sem nenhum objetivo transformador no horizonte. Nesse ambiente confuso, grupos capturam progressivamente certas instituições do Estado para impor sua visão ou sem interesses.

Merece especial atenção a influência do mercado financeiro. O crescimento econômico é sempre um processo que provoca distúrbios, deslocamentos e mudanças nas posições relativas dos grupos sociais e dos agentes econômicos. É, basicamente, uma aposta dos que estão perdendo em consequência do contrato social vigente. O mercado financeiro prefere a estabilidade à mudança, e o crescimento é um risco que é melhor não correr.

Agora mesmo, o mundo das finanças está vencendo mais uma batalha. Apesar do crescimento baixo, do desemprego elevado, da insolvência de largos segmentos produtivos, o Banco Central está aumentando os juros para combater uma hipótese de inflação. O efeito sobre a inflação será nulo, mas o crédito se tornará mais caro, e os custos da dívida pública se elevarão. A renda adicional vai para o bolso de uma minoria.

O resultado será menos investimento público e privado e mais recessão econômica. O conjunto da sociedade será punido, e o crescimento se tornará um objetivo cada vez mais distante. Essa é a lógica de funcionamento de um Estado que não está mais a serviço da sociedade e das pessoas.