Jornal Correio Braziliense

Coronavírus

CPI da Covid: interferências e cloroquina derrubaram Teich; veja ponto a ponto

Ex-titular do Ministério da Saúde afirma à CPI da Covid que deixou a pasta porque percebeu que não teria autonomia para trabalhar nem conseguiria superar as divergências com Bolsonaro sobre o uso do medicamento em pacientes com o vírus

O ex-ministro da Saúde Nelson Teich afirmou, ontem, durante depoimento na CPI da Covid, que deixou o cargo quando percebeu que não teria autonomia para fazer uma gestão técnica à frente do ministério. O oncologista negou ter sofrido pressões, mas disse que era contrário às recomendações do presidente Jair Bolsonaro do uso da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19 — o medicamento não tem eficácia científica comprovada contra a doença. Teich ficou 29 dias no cargo.

“As razões da minha saída do ministério são públicas; elas se devem, basicamente, à constatação de que eu não teria a autonomia, a liderança que imaginava, indispensáveis ao exercício do cargo. Essa falta de autonomia ficou mais evidente em relação a divergências com o governo quanto à eficácia do uso do medicamento cloroquina para o tratamento da covid-19”, explicou. “Quanto à minha convicção pessoal, baseada nos estudos, não existia evidência de eficácia para liberar. O pedido específico foi pelo desejo de ampliação do uso da cloroquina. Isso refletia em uma falta de autonomia e de liderança.”

Segundo ele, “existia um entendimento diferente, por parte do presidente, que era amparado em outros profissionais, inclusive o Conselho Federal de Medicina (CFM), que, naquele momento, autorizou a extensão do uso (da hidroxicloroquina), e isso aí foi o que motivou a minha saída”. O médico acrescentou que, “sem a liberdade para conduzir o ministério, conforme as minhas convicções, eu optei por deixar o cargo”.

O médico contou ter participado de reuniões sobre a hidroxicloroquina e que a cúpula do governo sabia de sua discordância sobre o uso do medicamento contra a covid-19. Ao negar que tenha sofrido pressões de Bolsonaro, ele afirmou que sua situação no cargo ficou insustentável, “justamente por eu não ter tido o desejo dele (presidente) de estender o uso da cloroquina”. Ele negou ter tomado ciência de que o Exército estava produzindo hidroxicloroquina. “Eu não participei disso. Se aconteceu alguma coisa, foi fora do meu conhecimento.”

Teich declarou que, no período à frente da pasta, tratou de imunizantes contra a covid-19 que poderiam ser fabricados no Brasil. “No meu período, ainda não tinha uma vacina sendo comercializada; era ainda o começo do processo da vacina e foi quando eu trouxe a da AstraZeneca para o estudo C, realizado no Brasil, para o país ser um dos braços desse estudo, na expectativa de que, trazendo o estudo, a gente tivesse facilidade na compra futura”, disse. “Na época, era o começo de tudo, e a minha preocupação era, realmente, que a gente entrasse nesse circuito do desenvolvimento. O meu foco eram vacinas que vinham sendo desenvolvidas no mundo.”

Para ele, o Brasil poderia ter mais vacinas à disposição se tivesse aceitado os riscos, formalizando as compras ainda na fase de estudos dos imunizantes contra o novo coronavírus. “Quem chega depois vai para o final da fila”, enfatizou. Ele disse que levaram a melhor, com altos estoques de doses, os países que tinham mais dinheiro e capacidade de assumir esse risco, adquirindo vacinas que, talvez, não se mostrassem úteis no futuro.

Perguntado se Eduardo Pazuello era preparado para ser, à época, seu secretário-executivo, o segundo posto na hierarquia do ministério, disse que a indicação do general foi feita diretamente pelo presidente da República e que a aceitou após uma conversa com o militar, pois precisava de alguém para coordenar a distribuição de insumos. Questionado sobre o fato de Pazuello tê-lo substituído no cargo de ministro, respondeu que “seria mais adequado um conhecimento maior (do general) sobre gestão de saúde”.

Hoje, serão ouvidos o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e o diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Antonio Barra Torres.