O ex-ministro da Saúde Nelson Teich afirmou, nesta quarta-feira (5/5), durante depoimento na CPI da Covid, que decidiu deixar o governo, em maio de 2020, por ser contrário às recomendações do presidente Jair Bolsonaro ao uso da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19 — o medicamento não tem eficácia científica comprovada contra a doença. O oncologista negou que tenha sofrido pressões, mas disse que deixou o cargo, apenas 29 dias depois de tomar posse, ao perceber que ele não teria autonomia para fazer uma gestão técnica à frente do Ministério da Saúde.
"As razões da minha saída do ministério são públicas; elas se devem, basicamente, à constatação de que eu não tinha autonomia, a liderança que imaginava, indispensáveis ao exercício do cargo. Essa falta de autonomia ficou mais evidente em relação a divergências com o governo quanto à eficácia do uso do medicamento cloroquina para o tratamento da covid-19. Quanto à minha convicção pessoal, baseada nos estudos de que naquele momento não existia evidência de eficácia para liberar", disse Nelson Teich, respondendo aos senadores. "O pedido específico foi pelo desejo de ampliação do uso da cloroquina. Isso refletia em uma falta de autonomia e uma falta de liderança", afirmou o médico.
Segundo ele, "existia um entendimento diferente, por parte do presidente, que era amparado em outros profissionais, inclusive o Conselho Federal de Medicina, que, naquele momento, autorizou a extensão do uso [da hidroxicloroquina], e isso aí foi o que motivou a minha saída". O médico acrescentou que, "sem a liberdade para conduzir o ministério, conforme as minhas convicções, eu optei por deixar o cargo".
CFM
Quanto à posição do Conselho Federal de Medicina (CFM) de recomendar a aplicação da hidroxicloroquina no tratamento precoce da covid-19, o ex-ministro da Saúde a considerou inadequada. "Eu acho uma postura inadequada, porque ela pode estimular o uso de um remédio que a gente não tem comprovação em condições em que o paciente pode estar mais exposto a não ter os cuidados necessários para o uso do medicamento. Então, minha posição é contrária", declarou, acrescentando que, à época, ele insistia "que se tivesse que estudar algum medicamento, isso deveria ser feito através de um estudo clínico".
Durante o depoimento, Teich também alertou para os riscos representados pela hidroxicloroquina. "É um medicamento que tem efeitos colaterais, de risco. Na verdade, ali, o problema era a gente ainda não ter dados concretos do benefício, mas, essencialmente, era a preocupação do uso indevido. Isso não vale para cloroquina, vale para qualquer medicamento. Ali era mais uma discussão sobre condução do que sobre o remédio, especificamente", afirmou o ex-titular da Saúde.
O oncologista contou ter participado de reuniões sobre a hidroxicloroquina e que a cúpula do governo sabia de sua discordância sobre o uso do medicamento contra a covid-19. Ao negar que tenha sofrido pressões de Bolsonaro, Teich afirmou que sua situação no cargo ficou insustentável "justamente por eu não ter tido o desejo dele [presidente] de estender o uso da cloroquina". "Então, se existia alguma tentativa de interferência, pode ter sido essa, mas, fora isso, eu seguia o que eu tinha que fazer, independente", declarou o ex-ministro.
Teich ainda citou declarações do presidente que foram a gota d'água da sua decisão de sair do governo. "Naquela semana, teve uma fala do presidente ali, na saída do Alvorada, em que ele fala que o ministro tem que estar afinado, ele cita meu nome especificamente. Na véspera, pelo que eu vi, teve uma reunião, acho que com empresários, em que ele fala que o medicamento [hidroxicloroquina] vai ser expandido. À noite tem uma live, onde ele diz que espera que, no dia seguinte, aconteça isso, a expansão do uso. Aí, no dia seguinte eu peço minha exoneração", disse o ex-ministro. "Isso aí é uma coisa pública, existia um desejo do presidente de fazer isso".
Ainda no depoimento, o ex-ministro negou que tivesse tido conhecimento de que o Exército estava produzindo hidroxicloroquina. "Eu não participei disso. Se aconteceu alguma coisa, foi fora do meu conhecimento", disse.
Vacinas
Nelson Teich declarou também que, no período em que esteve à frente da pasta, tratou de vacinas contra a covid-19 que poderiam ser fabricadas no Brasil. "No meu período ainda não tinha uma vacina sendo comercializada; era ainda o começo do processo da vacina, e foi quando eu trouxe a vacina da AstraZeneca para o estudo C realizado no Brasil, para o Brasil ser um dos braços desse estudo. Na expectativa de que, trazendo o estudo, a gente tivesse uma facilidade na compra futura. Na época, era bem um começo de tudo, e a minha preocupação era, realmente, que a gente entrasse nesse circuito do desenvolvimento. Naquele momento o meu foco eram vacinas que vinham sendo desenvolvidas no mundo", afirmou.
Pazuello
Ele também foi perguntado se o general Eduardo Pazuello era preparado para ser, à época, seu secretário-executivo, o segundo posto na hierarquia do Ministério da Saúde. Ele disse que a indicação do general foi feita diretamente pelo presidente da República e que a aceitou após uma conversa com o militar, pois precisava de alguém para coordenar a distribuição de insumos.
Questionado sobre o fato de Pazuello tê-lo substituído no cargo de ministro, Teich respondeu que "seria mais adequado um conhecimento maior [do general] sobre gestão de saúde".