No momento em que os holofotes apontam para a crise política e as investigações da CPI da Covid no Senado, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tem feito avançar, sem grandes dificuldades, as pautas econômicas do governo e do Centrão, grupo partidário do qual é um dos principais líderes. Desde que assumiu o comando da Casa, em fevereiro, o deputado vem conseguindo, como um trator, limpar o terreno para a aprovação de uma extensa agenda liberal, em sintonia com as demandas do mercado e do setor produtivo.
Lira vem ostentando um capital político que chama a atenção. Apenas em maio, a reforma tributária já teve o relatório finalizado e irá a plenário. Além disso, o parecer da reforma administrativa foi apresentado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e deve avançar nas próximas semanas. A Câmara aprovou, ainda, a Medida Provisória (MP) 1031/21, que permite a desestatização da Eletrobras.
No caso dessa última, Lira disse, em uma rede social, que a aprovação na Câmara permite várias reflexões, uma vez que o quórum mínimo foi superado, “em margem contundente e incontestável”, e os votos seriam suficientes até para aprovar uma emenda constitucional. “Isso só comprova que o ambiente para as reformas na Câmara está maduro, sólido e sedimentado”, enfatizou.
O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-AL), afirmou, em entrevista ao Correio, que o diferencial da gestão de Arthur Lira à frente da Casa é que a base governista, que já estava organizada, agora tem liberdade para se expressar. “Na verdade, o que nós temos é uma base sólida, que já tínhamos antes, mas que não estava tendo a oportunidade de se expressar no plenário porque as matérias não iam à pauta”, destacou. “Então, o que tem de novo, agora, de meritório, é a liderança do presidente Arthur Lira, que tem colocado as matérias para votar. Agora, temos a base organizada e as matérias na pauta. É isso que está fazendo a diferença”, avaliou ele, um dos expoentes do Centrão, bloco partidário que negociou cargos importantes no governo em troca de apoio político.
O deputado enumerou uma série de matérias aprovadas desde a posse de Lira na Presidência da Câmara. “Nós começamos com Banco Central independente, PEC (proposta de emenda à Constituição) Emergencial com gatilhos importantes de ajuste fiscal, votamos lei de cabotagem, vetos do saneamento, lei do gás, superendividamento, startups, licenciamento ambiental, que são matérias pesadas, que estavam, havia muitos anos, para serem resolvidas”, frisou. “A base está aí. Só precisa ter a oportunidade de se manifestar. É isso que o presidente Arthur Lira está nos permitindo. Se ele coloca na pauta, ajuda a organizar a votação.”
Barros também afastou os rumores de que estaria havendo um distanciamento entre Lira e o Planalto, após o chefe da Câmara ter dito, na semana passada, que o presidente Jair Bolsonaro vive o seu pior momento e o ex-presidente Luiz Inácio da Silva, o seu melhor. Lira também relatou que os mais de 100 pedidos de impeachment contra o chefe do Planalto começaram a ser analisados na Casa.
“Eu vou ser pragmático. Nós votamos, na quarta-feira, quatro medidas provisórias pesadas: Benefício de Prestação Continuada, salário mínimo, coisas relevantes. Nunca baixamos de 300 votos. Votamos, na quinta-feira, mais medidas provisórias, e o presidente Lira tem sido muito firme na condução da agenda do Parlamento”, argumentou Barros. “Não tenho nenhuma dúvida de que ele tem uma forte aliança com o presidente Bolsonaro. Obviamente, é o presidente de toda a Câmara dos Deputados. Ele age no sentido de representar o conjunto de pensamentos.”
Na avaliação de Barros, é improvável que avancem os pedidos de impedimento do chefe do Executivo. “Ele (Lira) já declarou que nenhuma das propostas tem fundamento. Então, eu fico nessa linha porque, de fato, não tem nenhuma proposta de impeachment que tenha substância para ser apreciada”, ressaltou.
Insatisfação
Outro deputado do Centrão, que falou com a reportagem sob a condição de anonimato, destacou que o presidente da Câmara desfruta de grande influência sobre os líderes partidários. Ele alertou, porém, que há descontentamentos entre os demais parlamentares. “Arthur Lira tem um poder muito grande sobre os líderes. Firmou muitos acordos com eles para disputar eleição (à Presidência da Câmara) e usa o capital desses compromissos”, disse. “Mas, fora do universo dos líderes, no conjunto de deputados, tem muita insatisfação. Tem um entendimento de que os líderes são atendidos, mas que quem está abaixo, não. Essa insatisfação não é manifestada publicamente.”
O parlamentar também frisou que muito do cacife político de Lira se deve a articulações que envolvem a liberação de verbas de emendas parlamentares pelo governo. “A liderança do Arthur é pautada na relação com o governo e na liberação de emendas. Então, a continuidade vai depender de o governo liberar ou não as emendas. Ou ele (Lira) perde força, se os compromissos firmados no processo eleitoral (para a Presidência da Câmara) não forem cumpridos. Está todo mundo confiando. Se não forem cumpridos, aí vai começar a ter problema”, acrescentou o deputado.
Mesmo parlamentares da oposição reconhecem que Lira está fortalecido politicamente, o que pode prejudicar os partidos em minoria na Câmara, uma vez que é alinhado às vontades da maior parcela do Parlamento. Foi o que afirmou o deputado Afonso Florence (PT-BA). “Certamente, está muito fortalecido. Acho que é um dos presidentes que mais rapidamente aprovou pautas que eu considero negativas. Ele considera positivas, o governo e outros setores, também, é da democracia. Nós discordarmos”, destacou.
Florence acrescentou que Lira ampliou os seus poderes ao aprovar, recentemente, mudanças no Regimento Interno na Câmara que reduzem os instrumentos da oposição para retirar projetos de pauta ou obstruir votações. “Considero que a força dele se expressou na mudança do regimento. Mas, se é bom para a maioria agora, essa maioria pode ser minoria amanhã”, disse.
Para o deputado, as mudanças no regimento reforçam o que chama de atuação “produtivista”. “Ele (Lira) usa a lacuna do regimento para passar a posição que, muitas vezes, é do relator, que nem sempre ele tem conhecimento”, sustentou. “Eu vi Maia (Rodrigo) fazer isso, Cunha (Eduardo), Henrique Eduardo Alves. É uma visão produtivista, de que tem de aprovar muitas leis. Nem acho que todos os projetos sejam de interesse do governo. Muitas são da base do Lira, que formou um grupo para aprovar.”
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Habilidoso no jogo político e com moedas de troca
Na avaliação do cientista político André Rosa, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é um articulador nato, que tem se beneficiado das exceções proporcionadas pela pandemia nos ritos da Câmara para aprovar matérias que são do interesse de seus aliados e do governo. “Existe uma convergência do Centrão por essas pautas. Então, a Câmara e o Senado só estão iniciando pautas que têm convergência nas duas Casas”, ressaltou. “Outra coisa importante é o sistema de deliberação remoto, que dificultou a obstrução. Agora, é possível aprovar uma MP (medida provisória) em algumas horas, porque não tem mais aquilo de ir buscar parlamentar para compor quórum.”
Nesse contexto, Lira aparece em uma posição de destaque, com o poder de pautar projetos e oferecer relatorias de propostas, utilizando essas prerrogativas como moeda de negociação. Há, segundo a análise de Rosa, algumas semelhanças com o que foi a atuação de Rodrigo Maia (DEM-RJ) à frente da Câmara, já na gestão do presidente Jair Bolsonaro, quando o assunto é independência. O político carioca, vale lembrar, assumiu o protagonismo da articulação política por causa da omissão do governo e reclamava publicamente de que estava sendo sabotado por declarações e posicionamentos do chefe do Executivo.
Para Márcio Coimbra, coordenador de pós-graduação em relações institucionais e governamentais do Mackenzie, o atual presidente da Câmara é mais habilidoso do que Maia no assunto articulação. “Lira sabe fazer o jogo de poder melhor do que Maia. Ele sabe apertar e assoprar o governo no momento certo. Por ter muito conhecimento de bastidores, consegue manobrar a Câmara para funcionar como freio e também como aliada do governo”, frisou.
Ele destacou, também, que apesar de as pautas de interesse do Executivo federal estarem tramitando com a ajuda de Lira, só avançam quando também interessam aos deputados do Centrão. “A Câmara não funciona de forma pró ou contra o governo, mas a favor do grupo político de Lira, o Centrão. Ele faz que ande para o governo de acordo com os interesses que o Centrão tem no momento. Ele não é pró-governo, é uma base alugada que cobra um preço por ter o controle da Câmara”, pontuou.
Sendo assim, não há, segundo Coimbra, fidelidade a Bolsonaro. “Se o Lula for presidente, Lira conversa com ele também”, afirmou, ao destacar o Centrão como um grupo político que sobrevive fazendo alianças com o governo em vigor, não importando qual seja.
“Amorfo”
De acordo com Eduardo Grin, cientista político da FGV EAESP, “o Centrão conversa com todo mundo que paga”. Nesse sentido, o que há, agora, é uma convergência com Bolsonaro de parte dos parlamentares, visto que o Centrão é um grupo “amorfo”, composto por deputados de diversas ideologias. A pauta de privatizações, no entanto, não é favorita, pois perde-se espaço no setor público para o toma lá dá cá, antes criticado pelo chefe do Planalto e que hoje garante sua sobrevivência política.
“A Eletrobras e as demais estatais são companhias das quais é possível fazer muito uso como moeda de troca para cargos. São empresas que têm muito potencial para atender às políticas eleitorais”, avaliou. “Então, é uma perda para o Centrão não ter mais esse canal de política pública. No caso da Eletrobras, Lira fez o possível para chegar a um meio-termo, um texto menos privatizante. Vão esticar a corda até onde puderem.”
Grin acredita, no entanto, que a influência de Lira junto ao governo tem data de validade e irá “até quando o governo puder pagar”. Ele ressaltou que Flávia Arruda (PL-DF), ministra da Secretaria de Governo, é “um balcão de negociação do Centrão no governo” e, quanto mais desgastado Bolsonaro fica, mais difícil fica acertar a conta com esse grupo.
“Estamos no meio do tratoraço. Quando isso não acontecer mais, Lira pode enfrentar obstáculos como foi com (Eduardo) Cunha. Quando ele não tinha mais fichas e já tinha cumprido seu papel no impeachment (da presidente Dilma Rousseff), foi jogado aos leões. Agora, Lira sempre tem uma moeda de troca, que é o impeachment. Ele sabe usar isso com maestria”, completou. (IM, JV e LC)