A manifestação liderada pelo presidente Jair Bolsonaro no fim de semana no Rio de Janeiro, com aglomerações e discursos sem máscara em meio a uma multidão na Barra da Tijuca, deu mais munição para a CPI da Covid. É a opinião do vice-presidente da comissão, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Um dos mais atuantes no plenário, Randolfe defende a reconvocação do ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, para explicar a participação ao lado de Bolsonaro em ato sem máscara no carro de som, o que fere normas de conduta militar e também o decreto estadual relacionado ao combate à pandemia num estado que contabiliza quase 50 mil mortos.
Nessa linha, Randolfe também se diz favorável à convocação do governador do Rio, Cláudio Castro, por não ter tomado nenhuma atitude para impedir o evento que pode ampliar a contaminação no estado.
Para Randolfe, o Brasil é o país que mais mata por covid-19 e as 450 mil famílias em luto pela perda de um parente para o coronavírus querem saber quem são os responsáveis por essa tragédia e se teria sido possível evitá-la.
O parlamentar, líder da oposição no Senado, defende a escolha de Renan Calheiros (MDB-AL) como relator da investigação pelo critério da proporcionalidade das bancadas, independentemente de seu passado envolvido em suspeitas de corrupção. Tampouco se opõe à presença do filho 01 do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), desde que ele não tumultue os trabalhos. Randolfe aposta que, no relatório final, a CPI apontará quem falhou para o Brasil passar por essa triste realidade.
Desde sempre, o povo reclama que não é ouvido pelos seus representantes no Congresso.
A CPI da Covid é o novo Big Brother? Um palco político, uma tentativa de se aproximar
também do cidadão?
A CPI surgiu quando as instituições do estado de direito, as instituições republicanas não cumpriram seu papel. Se o Ministério Público Federal, através do procurador-geral da República, tivesse cumprido o papel de deter esse morticínio em curso no país e os excessos, sobretudo do presidente da República, nós talvez não estivéssemos nesse atoleiro sanitário que estamos. Somos o país, segundo a Universidade Johns Hopkins, que mais mata por covid-19 no planeta. Temos 450 mil famílias enlutadas, destroçadas por isso. As pessoas clamam por uma resposta. Eu acho que é por isso a audiência da CPI. Não quero aqui equipara-lá a nenhum outro programa porque ela surge sobre uma situação muito triste, que é o maior drama sanitário, a maior tragédia que vivemos.
Há condições políticas para um processo de impeachment contra o presidente Bolsonaro?
A CPI terá suas conclusões. Se a CPI encontrar que é caso de crime de responsabilidade e que ocorreram crimes comuns por parte do presidente da República, eu tenho certeza que isso constará no relatório final do relator. Nós temos que, por enquanto, acompanhar as investigações, o desenrolar delas e ver aonde vão chegar. Por isso, é uma comissão de inquérito.
O depoimento de Pazuello blindou o presidente? Ou as 15 mentiras que ele disse, segundo a avaliação do relator Renan Calheiros, invalidam essas tentativas de blindagem?
Não digo que blindou, não. O senhor Eduardo Pazuello respondeu claramente que chegou a ser discutida entre os ministros a intervenção no Amazonas. E o governo, através do presidente da República, decidiu não intervir, abandonando as pessoas à morte quando faltava oxigênio em Manaus. O senhor Eduardo Pazuello admitiu também que foi apresentada no dia 26 de dezembro uma minuta para a compra das vacinas, para uma medida provisória que desse segurança jurídica para a compra das vacinas da Pfizer. Essa minuta foi assinada por ele próprio e por todo o governo. E no dia 6 de janeiro, essa MP foi editada sem o dispositivo que dava essa segurança, sendo necessário que o Congresso Nacional apresentasse e aprovasse um projeto de lei um mês e meio depois. Quantas pessoas não morreram por conta da falta de vacinas? Isso foi dito para o senhor Eduardo Pazuello. Agora, sobretudo diante dos acontecimentos deste domingo, quando ele quebra o código de conduta militar, ele será reconvocado na comissão parlamentar de inquérito.
O filho do presidente, senador Flávio Bolsonaro, é uma presença indesejada na CPI?
Qualquer senador, seja qual for, pode ir à comissão parlamentar de inquérito. Desde que não queira conturbar os trabalhos, obstruir ou impedir o funcionamento da CPI, ele e qualquer outro parlamentar é bem-vindo na CPI.
O que diz sobre os críticos que enxergam na CPI uma tentativa de polarização política em momento inoportuno e com interesses eleitoreiros?
Polarização política? Como assim? A um ano das eleições? Bom... quem tem costumado fazer política com a pandemia e com os mortos não são os membros desta comissão parlamentar de inquérito, pelo menos em sua maioria. Política em relação aos mortos, foi feita desde o ano passado por aqueles que negaram a ciência e nos enviaram a essa situação. A CPI existe porque nós temos 450 mil mortos. A CPI existe porque 450 mil famílias brasileiras reclamam de nós porque seus entes queridos não estão mais presentes. A CPI existe porque nós temos que responder aos brasileiros e brasileiras se essa tragédia desse tamanho não poderia ter sido evitada.
O fato de o relator da CPI, Renan Calheiros, ser alvo de várias denúncias por corrupção constrange a comissão?
A indicação dos membros de uma CPI obedece aos critérios de proporcionalidade das maiores bancadas no Congresso Nacional, e esse princípio foi respeitado. O constrangedor seria impedir qualquer um dos 81 senadores de ser membro de uma CPI que existe no Senado. A CPI só existe no Senado. Acho que isso que deveria chamar a atenção. Talvez a pergunta fosse outra. Será que não deveria ocorrer uma comissão de investigação ou algum procedimento de investigação? Será que ninguém poderia ter se levantado antes para investigar por que a pandemia está sem controle no país? Acho que essa pergunta seria mais adequada do que a existência de uma CPI no Senado Federal.
A CPI tem alta audiência. Para quem quer derrotar Bolsonaro, é melhor trabalhar pelo desgaste eleitoral ou pelo impeachment?
Se tem uma coisa que a gente não precisa é se preocupar com audiência. A gente tem que pegar no serviço. A CPI não persegue pessoas, persegue fatos. Fatos podem levar à responsabilização de pessoas. Vamos ver ao final quem foram as pessoas responsáveis pelos fatos. Minha concentração e meu foco são somente cuidar do serviço e saber por que a pandemia se agravou tanto no Brasil.
A CPI da Pandemia vai analisar os gastos dos estados no combate à covid?
O que for fato conexo será analisado. Só não iremos sair do foco da pergunta: quais foram os responsáveis de nós termos 450 mil mortos no país. É essa a pergunta. É isso que as famílias brasileiras esperam de nós.
Governadores serão convocados?
Tem governador que tem que dar esclarecimentos na CPI. O do Amazonas, por exemplo. O do Rio de Janeiro. No Rio, teve aglomeração no último fim de semana. Qual foi a providência do senhor governador do Rio de Janeiro? Teve aglomeração, e o que foi que ele fez para conter? Aliás, tem algumas histórias meio esquisitas do governo do Rio de Janeiro envolvendo a cúpula do poder, que eu acho que precisam de investigação. Este é um dos que deve ser chamado na CPI.
E ministros do governo Bolsonaro?
Todos aqueles que tiverem relação com os fatos de investigação, eu espero que tenha elementos para serem convocados.
Há um requerimento para convocação do diretor-geral da Abin, Alexandre Ramagem, para falar sobre declarações de Bolsonaro de que o coronavírus é fruto de uma guerra química
liderada pela China. Acredita que ele deve explicar esse ponto?
Tem vários requerimentos. Nós temos que ter foco no caminho das investigações. Todos aqueles, sejam quem for, estejam onde estiver, que tiverem relação com as investigações, serão objeto de convocação.
Já é possível compreender por que o presidente Bolsonaro tanto defendeu o uso de cloroquina?
A posição do presidente em defesa da cloroquina é uma das linhas a serem investigadas.
Certamente, a demora em adquirir vacinas provocou a morte de milhares de pessoas no Brasil. A CPI vai apontar culpados?
Este é um dos principais pontos da investigação. Nós poderíamos ter vacina desde 17 de dezembro, pelo menos da Pfizer. Milhares de vidas poderiam ter sido salvas.
E em relação à crise de falta de oxigênio no Amazonas? A CPI vai apontar as falhas?
A situação do Amazonas é inclusive escopo para determinar a CPI. E nós estamos muito próximos de encontrar as falhas.
O ex-ministro Pazuello fez o papel de anteparo do governo Bolsonaro?
Parece-me que o habeas corpus que ele conseguiu foi mais para proteger o presidente do que a si próprio.
Que contradições o senhor identificou no depoimento dele?
Contradições, mentiras e omissões. Foi em número de quase 16. É por isso que ele será reconvocado.
E no do atual ministro, Marcelo Queiroga?
O ministro Marcelo Queiroga também deverá ser reconvocado na CPI. É paradoxal termos campanha de televisão com a família do Zé Gotinha e o comandante, o presidente da República, realizar fatos como esse de domingo.
Acredita em uma terceira onda de covid-19?
Não sou epidemiologista para emitir opinião sobre isso. O que posso dizer, pelas informações que tenho, é que a pandemia não terminou, e é necessário manter os cuidados. Nós temos um número crítico de imunizados no Brasil. Nem 10% da população foi completamente imunizada com a segunda dose. Isso é muito preocupante, e nos coloca muito a mercê do vírus.
A CPI vai ajudar a acelerar a vacinação em assa ao descortinar erros
do governo?
Um dos principais papéis da CPI será este, buscar alternativas de vacinas, acompanhá-las, ver os caminhos... Esta é uma das ações da CPI.
Acredita que teremos um 2022 mais tranquilo?
Eu rogo a Deus todo dia por isso. Os brasileiros estão cansados, muito cansados, de tudo o que estão vivendo. É uma crise sanitária, uma crise ambiental, uma crise social, uma crise econômica, uma crise cultural, é uma crise de várias dimensões. O Brasil precisa superar este momento. Eu sempre tenho fé no que virá. Tenho fé e esperança no tempo que pode vir.
O Brasil vai superar todas essas crises?
O Brasil vive um momento difícil, mas eu tenho profunda fé no Brasil. O Brasil do bem, o Brasil da alegria, o Brasil que está escondido em algum lugar, mas que ainda existe, de um povo cordial, hospitaleiro, carinhoso, caloroso, amoroso, avesso a ódios, amante do amor. Este Brasil vai vencer e não perderá a graça. Tivemos terríveis tristezas na pandemia. Uma delas (da perda) de alguém tão fantástico como o Paulo Gustavo. E ele sempre deixava esse ensinamento. Eu tenho fé no Brasil. Não desisto dele. E este país vai dar certo. Tenho muita esperança que vai dar certo.
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