O presidente Jair Bolsonaro tem intensificado os ataques a governadores à medida que a CPI da Covid avança nas investigações sobre ações e omissões do Executivo federal na pandemia. No episódio mais recente, o mandatário fez declarações sobre o possível fim das isenções fiscais na Zona Franca de Manaus (AM), o que irritou políticos do Amazonas, incluindo integrantes da comissão. Para eles, a ameaça do chefe do Planalto, feita durante a live semanal de quinta-feira, foi uma retaliação não só às apurações do colegiado, mas a toda a população do estado.
Bolsonaro fez as afirmações horas depois do fim do segundo dia de depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello à CPI. O general foi bombardeado com questionamentos sobre possíveis omissões do governo no colapso do sistema de saúde em Manaus, ocorrido em janeiro. Naquele mês, dezenas de pacientes com covid-19 morreram asfixiados em razão da falta de oxigênio nos hospitais da cidade.
A principal estratégia do Planalto, desde o início da CPI, é pressionar para que a comissão também apure como os governadores aplicaram os recursos federais transferidos aos estados para o enfrentamento da crise sanitária. O objetivo é dividir com os gestores locais os desgastes causados pelas investigações.
Na live de quinta-feira, Bolsonaro falou das políticas implementadas durante a ditadura militar (1964-1985) e da criação da Zona Franca de Manaus. Também citou dois senadores do Amazonas que integram a CPI: Omar Aziz (PSD), presidente da comissão, e Eduardo Braga (MDB), titular do colegiado. “Imagine Manaus sem a Zona Franca. Hein, senador Aziz, você que fala tanto na CPI? Senador Eduardo Braga, imagine aí o estado, ou Manaus, sem a Zona Franca”, disparou.
Em entrevista ao Correio, Eduardo Braga lamentou que o presidente tenha feito as declarações justamente no momento em que o Amazonas enfrenta uma série de dificuldades. “Eu não entendo isso como uma ameaça a mim ou ao senador Omar e, sim, ao povo do Amazonas. Principalmente de alguém que se diz defensor da Zona Franca e, no momento em que o Amazonas enfrenta a segunda maior enchente de sua história, enfrenta uma pandemia e enfrenta, ainda, ameaças de desempregar os nossos trabalhadores da Zona Franca”, reprovou. “Portanto, eu, sinceramente, espero que nós, que somos guardiões da maior floresta em pé do mundo e que somos proibidos de quase tudo não sejamos vítimas de mais esse ataque.”
Por sua vez, Omar Aziz ressaltou que Bolsonaro precisa respeitar a população do estado. “O presidente pode ameaçar a mim, ao Eduardo, mas, ao ameaçar a Zona Franca de Manaus, o negócio é mais embaixo. É preciso respeitar os amazonenses, porque ele não pode ameaçar algo que é garantido por lei, que assegura o sustento e a vida de tantos amazonenses”, frisou o senador, pelas redes sociais. “A Zona Franca tem um importante papel na economia, não apenas do estado do Amazonas, mas do Brasil”, acrescentou.
“Apavorado”
O vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), foi outro a condenar as declarações de Bolsonaro. Na avaliação dele, é uma demonstração de que o chefe do Executivo está “apavorado” com as investigações da CPI. “O presidente usou uma ameaça à Zona Franca de Manaus para atingir o senador Eduardo Braga e o senador Omar, incomodado com a postura de ambos na CPI que investiga a atuação do governo federal no enfrentamento da pandemia”, disse, em vídeo divulgado por sua assessoria. “Essa conduta do presidente demonstra duas coisas: primeiro, que ele está apavorado com o que pode ser o resultado desta investigação, e, segundo, que ele não tem compromisso com os interesses maiores do povo do Amazonas.”
Ramos concluiu: “Quando o presidente ameaça a Zona Franca, ele não atinge o senador Eduardo e o senador Omar. Ele atinge os empregos de milhares de amazonenses e manauaras. Ele atinge os negócios e os investimentos na cidade de Manaus. Ele atinge a receita do estado do Amazonas, que é o que paga a saúde, a educação, o que compra a cesta básica para enfrentar a fome neste período de pandemia e de cheia. O presidente precisa parar de destilar ódio e cuidar de comprar vacina, porque é isso que o povo brasileiro espera dele”.
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Capitã Cloroquina pode ficar calada
O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu habeas corpus solicitado pela secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES) do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro. De acordo com a decisão do magistrado, ela poderá ficar em silêncio em perguntas sobre a crise de oxigênio em Manaus, ocorrida entre dezembro de 2020 e janeiro deste ano, que provocou a morte de dezenas de pacientes de covid-19 por falta do insumo nos hospitais.
Conhecida como Capitã Cloroquina, Mayra Pinheiro se tornou uma das principais defensoras do uso do chamado “tratamento precoce” contra o novo coronavírus. No entanto, os medicamentos propagandeados não têm eficácia científica comprovada para impedir a infecção ou avanço da doença no organismo.
Mayra Pinheiro já tinha tentando um HC, na semana passada, negado por Lewandowski. Assim como o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, ela é ré em uma ação que investiga a gestão da pandemia no Amazonas e tem o direito de não produzir provas contra si mesma. Com relação aos demais períodos, fica obrigada a responder. A oitiva dela está prevista para a próxima terça-feira.
“Diante das alegações e dos documentos agora apresentados, esclareço que assiste à paciente o direito de permanecer em silêncio — se assim lhe aprouver — quanto aos fatos ocorridos no período compreendido entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021”, diz um trecho da decisão. Quanto ao mais, ela deve “pronunciar-se sem reservas”, especialmente sobre sua atuação na secretaria e em relação às “demais questões formuladas pelos parlamentares”.
Ao analisar o primeiro pedido, o ministro entendeu que não havia elementos que justificassem a concessão do habeas corpus preventivo, pois ele serve para garantir o direito de não produzir provas contra si quando houver investigação em curso. Segundo Lewandowski, a secretária, contudo, não é alvo de inquérito relacionado à CPI. No pedido de reconsideração, Mayra afirmou que há sim uma investigação contra ela que esbarra nos limites do trabalho da comissão parlamentar. Ela alega ser alvo do mesmo inquérito que envolve Eduardo Pazuello, na esteira do colapso da falta de oxigênio em Manaus.
Na semana passada, Lewandowski atendeu a pedido semelhante feito pela Advocacia-Geral da União em favor de Pazuello. Ele obteve o direito de ficar calado ante perguntas que pudessem incriminá-lo. Na decisão que negava o habeas corpus à secretária, o ministro disse não ver “similitude fática ou jurídica” entre os dois casos. (Com Agência Estado)