Enquanto depoimentos tomados até agora na CPI da Covid implicam o Executivo na condução da pandemia, senadores governistas se concentram na estratégia de pressionar a comissão a investigar, também, estados e municípios. Em todos os discursos, ao longo das sessões, a tropa de choque insiste ser imprescindível apurar como os entes federativos empregaram as verbas que receberam da União para combater a crise sanitária.
Até o momento, entretanto, o único que foi amplamente citado e deve ser chamado em breve pela CPI é o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC). Ele é aliado do presidente Jair Bolsonaro, determinou a abertura do comércio mesmo quando a pandemia se agravou e deixou espaço aberto para a recomendação e a entrega à população de medicamentos sem eficácia contra a covid-19. Isso não impediu que ele se tornasse um alvo no depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. O general jogou para a gestão estadual a culpa pela crise de oxigênio em Manaus, que provocou a morte de dezenas de pacientes em hospitais da cidade.
De acordo com Pazuello, Bolsonaro resolveu não intervir no estado porque ouviu de Wilson Lima que não havia necessidade de socorro. O general sustentou, também, que foi comunicado da gravidade do problema, pela Secretaria de Saúde de Manaus, em 10 de janeiro. Em nota, a pasta afirmou que o secretário de Saúde, Marcellus Campêlo, relatou as dificuldades a Pazuello em 7 de janeiro. O governo do estado, por sua vez, nega ter recusado ajuda federal.
Senadores também buscam mostrar que não foi somente Bolsonaro quem recomendou cloroquina contra a covid-19. Na quinta-feira, Marcos Rogério (DEM-RO), o mais ativo da tropa de choque, exibia vídeos de governadores defendendo o uso do medicamento em pacientes internados com a doença. No entanto, as imagens são do começo do ano passado, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) ainda não tinha declarado a ineficácia do remédio contra o novo coronavírus. As imagens são dos governadores de São Paulo, João Doria (PSDB); Maranhão, Flávio Dino (PCdoB); e Alagoas, Renan Filho (MDB).
Outro empenhado em responsabilizar os estados é o senador Eduardo Girão (Podemos-CE). De acordo com ele, os recursos da União enviados aos entes federativos foram mal empregados. “Quase R$ 100 milhões foram gastos no Estádio Municipal Presidente Vargas, num hospital de campanha. Começaram a chover denúncias de corrupção, da noite para o dia. Com apenas cinco meses de funcionamento, o hospital de campanha, de quase 100 milhões, foi desmontado na calada da noite. O povo de Fortaleza, quando precisou, agora na segunda onda, não encontrou leito”, alegou.
Risco
O cientista político André César, sócio da Hold Assessoria Legislativa, afirmou que a base governista tem feito apelos para que os governadores sejam investigados e pedindo equilíbrio, mas que em política isso não existe. “A base é minoria. Se o governo não conseguiu maioria, problema do governo, que não teve articulação”, disse. Para ele, é possível que, no âmbito dos governadores, o foco fique apenas no Amazonas, que é um caso simbólico.
Em relação aos outros entes federativos, a oposição teria um discurso pronto, sustentando que cabe às respectivas assembleias legislativas e câmaras municipais investigarem governadores e prefeitos. Já a base governista pode alegar, em caso de derrota, que a CPI já iniciou de forma desvirtuada e não quis apurar possíveis ilegalidades cometidas pelos gestores.
Sobre Wilson Lima, o especialista acredita que, se necessário, Bolsonaro rifará o governador, sem pensar duas vezes. Ainda assim, há risco de a estratégia não ser de todo bem-sucedida: “Ele pode pensar: ‘Não vou afundar sozinho’. É um risco para o governo”, frisou.
Ao Correio, o senador Humberto Costa (PT-PE), um dos titulares da CPI, destacou ser preciso discutir como as convocações devem ocorrer. “Eu acho que os próprios governadores têm o interesse de serem convidados para falarem da relação com o governo federal na condução desta pandemia”, ressaltou.
Na quarta-feira, a CPI se reunirá para votar uma série de requerimentos. Até ontem, havia 343 pedidos. Desse total, 188 são para convocação de testemunhas. Entre os que podem ser chamados a depor estão, além de Wilson Lima, os governadores de São Paulo, João Doria (PSDB); da Bahia, Rui Costa (PT); e do Pará, Helder Barbalho (MDB).
Documentos
À comissão, dezenas de documentos chegaram do Ministério Público dos estados com informações sobre hospitais de campanha que foram fechados, estão em funcionamento ou foram acoplados em estruturas permanentes da rede pública. No entanto, as diligências apontam que o travamento de verbas pelo governo federal também gerou a extinção de leitos, enquanto a segunda onda da covid-19 arrasava o país.
Relatório do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass) aponta que, em dezembro de 2019, havia 12.003 leitos de UTI mantidos pelo governo federal. Em janeiro deste ano, caíram para 7.017. Uma decisão da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), impediu que mais leitos fossem desmobilizados.
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Ataques a governador e multa
O presidente Jair Bolsonaro voltou a disparar contra um governador e levou um contra-ataque. Ontem, criticou o gestor do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), durante agenda na cidade de Açailândia (MA). Segundo o mandatário, o chefe do Executivo local promove uma ditadura no estado. Ele chegou a compará-lo com o presidente da Coreia do Norte, Kim Jong-un, e com o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, chamando Dino de “gordinho ditador”.
“Lá na Coreia do Sul (o presidente quis se referir à Coreia do Norte) é uma ditadura. O ditador não é um gordinho? Lá na Venezuela também é uma ditadura. Não é um gordinho lá o ditador? E quem é o gordinho ditador aqui do Maranhão?”, indagou. As pessoas que acompanhavam o discurso aplaudiram e gritaram “fora, Flávio Dino”.
Bolsonaro continuou dizendo que “o comunismo não deu certo em nenhum lugar do mundo e não vai ser no Brasil que vai dar certo”. Além disso, comentou que “o estado do Maranhão brevemente será libertado dessa praga”.
“Quando se fala em partido comunista, vocês têm de ter aversão a isso e mostrar onde esse regime foi implementado. O que sobrou para o povo foi a igualdade, mas uma igualdade na miséria, na desesperança, na fome, na tristeza, na destruição de famílias e das religiões. Tudo o que não presta simboliza com a palavra comunista”, disparou.
O chefe do Planalto ainda atacou Flávio Dino por ter adotado medidas restritivas, como o fechamento do comércio. Segundo o presidente, essas medidas “não têm qualquer comprovação científica” e apenas contribuíram para que mais pessoas perdessem o emprego durante a crise sanitária.
“Foi apenas uma demonstração de força, de que ele pode oprimir o povo, escravizar o povo e depois dizer que estava defendendo a tua vida. Defendendo é a ponta da praia, pô. Não quer saber da vida de vocês”, frisou.
O mandatário ainda enfatizou que a alta do desemprego “não foi obra do governo federal”. “Quem fechou o comércio, obrigou vocês a ficarem em casa e destruiu milhares de empregos foi o governador do seu estado”, acusou.
Resposta
Em resposta, Flávio Dino disse não ter tempo “para molecagens, cercadinhos e passeios com dinheiro público”. “Bolsonaro anda preocupado com o meu peso, algo bem estranho e dispensável. Tenho ótima saúde física e mental. E estou ocupado com vacinas, pessoas doentes, medidas sociais, coisas sérias. Trabalho muito”, rebateu.
Presidente do PCdoB no Maranhão, o deputado federal licenciado Márcio Jerry prometeu acionar a Procuradoria Regional Eleitoral e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra o chefe do Palácio do Planalto. Segundo Jerry, o mandatário usou dinheiro público para promover sua candidatura à reeleição em 2022 e atacar adversários durante visita ao estado.
“No comício fora de época hoje (ontem) e bancado ilegalmente com recursos públicos, Bolsonaro, mais uma vez, revelou o covarde que é ao disparar ataques sem citar os nomes”, destacou o político, que, atualmente, é secretário das Cidades e do Desenvolvimento Urbano do estado.
O governo do estado multou Bolsonaro por causar aglomerações em Açailândia e não usar máscara de proteção. O valor da infração será definido somente após decorrido o prazo de até 15 dias para que o presidente recorra, mas pode chegar a R$ 1,5 milhão.