Economia

CPI da Covid: Pazuello não foi nem 'bomba', nem alívio para Bolsonaro, avaliam analistas

"O presidente nunca se explica. Quando ele não gosta de uma pergunta da imprensa, ele xinga jornalistas e vai embora. Na CPI, não tem como fazer isso, o depoente é obrigado a responder. E aí tem que se explicar e não consegue. Acho que isso explicita o quanto o governo é fraco"

BBC
Mariana Schreiber - @marischreiber - Da BBC News Brasil em Brasília
postado em 20/05/2021 22:31

Mais aguardado depoimento das primeiras semanas da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, a participação do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello não produziu informações novas bombásticas para o governo do presidente Jair Bolsonaro.

Por outro lado, avaliam analistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil, as contradições das respostas do general em seus dois dias de depoimento evidenciaram a falta de explicações para a atuação da gestão Bolsonaro no enfretamento à pandemia, como o incentivo a uso de medicamentos sem eficácia contra covid-19 e a demora em firmar contratos para compra de vacinas.

Pazuello disse, por exemplo, que sempre respondeu às ofertas da farmacêutica Pfizer para venda de milhões de vacinas, muito embora outro antigo integrante do governo, o ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten, tenha confirmado à CPI na semana anterior a versão da empresa de que propostas feitas em agosto e setembro do ano passado foram ignoradas.

Apenas em março deste ano o contrato para compra de 100 milhões de doses foi firmado.

"A CPI coloca membros do governo numa situação que eles têm evitado até hoje: a de ter que se explicar", nota o cientista político Cláudio Couto, professor da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP).

"O presidente nunca se explica. Quando ele não gosta de uma pergunta da imprensa, ele xinga jornalistas e vai embora. Na CPI, não tem como fazer isso, o depoente é obrigado a responder. E aí tem que se explicar e não consegue. Acho que isso explicita o quanto o governo é fraco", analisa.

Para o cientista político Creomar de Souza, professor da Fundação Dom Cabral e fundador da consultoria política Dharma, havia uma expectativa sobre se Pazuello iria ou não atribuir a responsabilidade das ações do governo na pandemia diretamente ao presidente Jair Bolsonaro. Na prática, porém, o depoimento deixou essa questão sem resposta, nota ele.

Pazuello recebe orientação do seu advogado
Agência Senado
Pazuello foi assessorado por um advogado durante seu depoimento à CPI

O ministro disse, por exemplo, que não recebeu ordens do presidente sobre promoção da hidroxicloroquina (remédio sem eficácia contra covid-10), assim como afirmou jamais ter recomendado o medicamento. Um dos primeiros atos de sua gestão, porém, foi editar uma nota informativa sobre quais doses deveriam ser ministradas por médicos em casos leves e graves da doença.

"O que se verificou foi algo curioso: ele tentou ao máximo eximir o presidente Jair Bolsonaro ao mesmo tempo que buscava eximir a si mesmo. Bom, se ele não era responsável e o presidente não era responsável, que era o responsável?", questiona Souza.

Apesar disso, o professor da Fundação Dom Cabral não considera que o depoimento causou estrago relevante ao governo Bolsonaro. Na sua avaliação, o desgaste não foi maior por uma falta de objetividade e preparo da maioria dos senadores em fazer perguntas mais incisivas e rebater as respostas do ex-ministro.

"Infelizmente, um número enorme de perguntas dos senadores carecia mesmo de profundidade, objetividade. Há raros momentos em que alguns senadores conseguiram de fato colocá-lo contra a parade", avalia.

'Bem treinado'

Os dois analistas ouvidos pela BBC News Brasil consideram que Pazuello estava "bem treinado" para responder à CPI. O ex-ministro ganhou tempo para se preparar, já que seu depoimento foi adiado em duas semanas após ele alegar ter tido contado com pessoas diagnosticadas com covid-19.

O ministro também obteve um habeas corpus do Supremo Tribunal Federal que lhe garantia o direito de não responder perguntas com potencial de incriminá-lo, já que a Constituição Federal prevê que ninguém é obrigada a produzir provas contra si mesmo.

Apesar disso, Pazuello não se calou em qualquer momento do depoimento. Para Claudio Couto, da FGV, isso pegou os senadores de surpresa no primeiro dia.

"Eles não imaginanvam que Pazuello fosse tão disposto a falar como foi. Ele foi bem treinado e mostrou isso no primeiro dia, quando conseguiu enrolar muito. Acho que no segundo dia os senadores perceberam qual era o jogo, mudaram a tática e conseguiram ser mais efetivos", disse.

"Algumas intervenções foram muito boas, como as do Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e do Otto Alencar (PSD-BA), que confrontaram ele diretamente sobre a falta de base científica da sua gestão", acrescentou.

Renan Calheiros
Agência Senado
Relator da CPI, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) disse que Pazuello "mentiu muito" em seu depoimento

Em entrevista coletiva após o depoimento, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AM), vice-presidente da CPI, afirmou que Pazuello foi à CPI com intuito de "proteger" Bolsonaro.

"Ele se utilizou do habeas corpus não para defender a ele próprio, mas sim o presidente da República. Eu o aconselhei que aqueles que estão ao lado dele nesse momento, não ficarão com ele no futuro."

O senador também afirmou que o relatório final da CPI deve recomendar que Pazuello seja investigado por homicídio. "Pelos menos esses três crimes: homicídio culposo, homicídio doloso e crime contra ordem sanitária. Ele tinha a obrigação de agir e não agiu", afirmou Rodrigues em relação ao colapso no sistema de saúde de Manaus.

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