CPI da Covid

Senador Alessandro Vieira compara Pazuello a oficial nazista Eichmann

Presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), decidiu retirar dos autos a menção do parlamentar ao julgamento do personagem com participação direta no Holocausto

Luiz Calcagno
postado em 20/05/2021 16:33 / atualizado em 20/05/2021 16:46
 (crédito: Edilson Rodrigues/Agência Senado)
(crédito: Edilson Rodrigues/Agência Senado)

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) criticou, nesta quarta-feira (20/5), durante a CPI da Covid, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que presta depoimento à comissão pelo segundo dia, por ter agido, quando à frente do ministério, com obediência fria a Jair Bolsonaro e sem pensar nas vidas de brasileiros perdidas em decorrência da pandemia. Chegou a comparar o general ao nazista Adolf Eichmann que, julgado em 1962 em Israel, foi considerado um dos principais organizadores do Holocausto. Segundo o parlamentar, o oficial não tinha preconceitos ou traços doentios, e agiu burocraticamente, para ascender na carreira, sem pensar nas consequências. 

O senador Marcos Rogério (DEM-RO) lembrou da descendência judaica de Pazuello, cujo pai veio fugido da Espanha, passando por Marrocos, e destacou que a comparação era deselegante. Para pôr um fim à situação, o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), decidiu retirar as falas de Alessandro Vieira das notas taquigráficas, mas ressaltou que não compreendeu a fala do senador como ofensiva. Vieira defendeu-se afirmando que não fez menção à origem de Pazuello em nenhum momento, mas, sim, à maneira como o senador agiu.

Vieira começou a fala desmanchando o discurso de governistas sobre cloroquina. Lembrou que houve um momento em que o remédio se apresentou como uma possibilidade de tratamento, mas que, a partir de junho de 2020, estudos sérios já apontavam que o medicamento não tinha eficácia comprovada contra a doença. Lembrou e entregou à CPI, ainda, vídeos do presidente da República defendendo o medicamento depois de junho até este mês, e alertou que os parlamentares não devem tomar a opinião de alguns médicos como se fossem respaldo científico para defender o medicamento.

Em seguida, passou para Pazuello, lembrando que o direito brasileiro e o direito militar no Brasil rejeitam o princípio da obediência cega. Perguntou, então, sobre o processo decisório da aquisição de vacinas, e Pazuello afirmou que “os custos têm que estar dentro do número necessário”. “Você não pode comprar uma vacina muito mais cara que o preço”, disse. O senador interpelou na sequência. “A Constituição Federal coloca como valor máximo a defesa da vida. O exemplo de Israel, que serve de referência para o governo brasileiro, o diferencial foi que o governo compreendeu o valor máximo da vida. Vossa excelência errou”, afirmou.

Em outro momento, perguntou como era o processo de tomada de decisões do Ministério da Saúde. “Quando envolve o SUS, a tomada de decisão era tripartite, com executivos do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) e Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais), sempre discutindo de forma executiva”, respondeu Pazuello. Vieira apresentou uma pesquisa informando que, se o governo tivesse sido eficiente, o Brasil teria um acréscimo, hoje, de 11,98 milhões de doses já aplicadas. “Isso representa para os especialistas milhares de mortes e internações que poderiam ser evitadas”, destacou o parlamentar.

“Durante o depoimento, o senhor mencionou sua defesa das medidas de saúde básica, em particular uso de máscaras”, continuou Vieira. “Confere”, respondeu Pazuello. “Em live com o presidente, disse que a ciência não provou eficácia das medidas de isolamento e das máscaras. O senhor confirma?”, questionou o senador. “Se foi feito dessa forma em uma live, tem que ser confirmado. Mas tem que ter a construção da frase. As medidas de isolamento não são cientificamente comprovadas. E tivemos vai e vem do uso de máscaras o ano todo”, admitiu.

Perguntado se não conseguiu convencer o presidente Jair Bolsonaro da relevância das medidas de prevenção contra o novo coronavírus, Pazuello, mais uma vez, falou de si. “Eu acredito que as medidas preventivas sejam necessárias. Acredito nisso. Não quer dizer que você não escorregue em nenhum momento da vida”, disse. “Quando um ministro escorrega, muita gente morre nas ruas”, respondeu o senador do Cidadania.

“Tivemos uma referência curiosa do colega Marcos do Val, da coragem do senhor de assumir um avião em rota de queda (ao assumir o Ministério da Saúde). Caíram nesse período (da gestão Pazuello), quase 2,4 mil aviões. Na média de cinco aviões por dia. Quando o senhor assumiu o ministério, o Brasil tinha 15 mil mortos e 280 mil casos. Quando o saiu, deixou 233 mil mortos e 11,5 mi de casos”, lembrou Vieira.

Decisão final

O interrogatório continuou. “Como se dava a cadeia de comando e decisão final na seguinte situação: o retardo na adesão ao consórcio Covax Facility?”, perguntou o senador. “Toda discussão da contratação da Covax Facility se deu na Casa Civil”, respondeu o general. “Ernesto (Araújo, ex-ministro das Relações Exteriores) reputou ao senhor a responsabilidade”, respondeu Vieira. “Todo a negociação para entrada na Covax Facility era da Casa Civil. Nós ajudávamos. O ministro era o general Braga Neto”, isentou-se Pazuello.

Questionado sobre se a adesão ao consórcio no menor patamar teria sido decisão de Pazuello, ele afirmou que sim. “Foi minha. A decisão não é só de uma pessoa. É de um colegiado. Compramos o mínimo porque era ruim não estar presente. Estar no consórcio, sim, agora, apostar todas as fichas naquela compra, não. Não é só uma compra. Tinha que entrar no consórcio e precisava fazer uma opção. E poderia fazer outras opões. Estamos em maio e só foi fornecido 10% do que contratamos”, justificou.

Vieira destacou que, mesmo depois da divulgação dos estudos sobre a ineficácia da cloroquina, Pazuello e o governo federal insistiram na busca pelo medicamento. “Eu não comprei nenhum comprimido de hidroxicloroquina”, defendeu-se o depoente. “A demora com a Pfizer sempre passou pela decisão final de vossa excelência?”, continuou Vieira. “Todas as decisões acabam no ministro. Agora, primeiro, da proposta inicial, de 20 milhões que virou 70 mi em agosto, compramos 100 mi e mais 100 mi”, respondeu o militar.

Ele disse, também, não conseguir responder qual o lapso temporal da primeira proposta da Pfizer e da contratação das vacinas. Disse que os prazos das negociações eram mantidos e renovados. “Os e-mails apontam que vossa excelência só se manifestou diretamente nesse debate em fevereiro de 2021. O suposto obstáculo legislativo é referido em meados de novembro. O que o senhor fez para retirar esse suposto obstáculo?”, perguntou Vieira. O ex-ministro disse que pressionou a empresa para mudar as cláusulas, e que depois, propôs a MP que não foi aceita por Bolsonaro.

Brasil não é "caloteiro"

Pazuello disse que trabalhava para mostrar à empresa que não merecia esse tratamento, que o Brasil não é “caloteiro”. Vieira apontou que a exigência era feita igual para outros 100 países. O ex-ministro respondeu que o Brasil é “soberano”. O senador não ficou satisfeito. “Esse conceito reformado de soberania tem uma participação no caos em que nós vivemos. O senhor imagina que o estado de Israel não é soberano? Que o primeiro-ministro despreza a soberania? A sua função nesse processo, e talvez o senhor não tenha compreendido ao longo de todo esse tempo, era preservar vidas. Para preservar a soberania, tínhamos vários outros órgãos”, afirmou.

Sobre o obstáculo legislativo para a compra de vacinas, Pazuello propôs a ministros uma Medida Provisória a partir de dezembro, mas disse que não houve consenso. Questionado sobre quem discordou, afirmou que eram “discussões de todas as jurídicas, que colocaram que deveria vir pelo Congresso”. “Então houve consenso”, contra-argumentou o senador. Segundo Pazuello, a MP não teria sequer chegado à mesa do presidente. Mas, Randolfe já havia apresentado, na comissão, a MP, que teve um trecho retirado por Bolsonaro.

Comparação

Foi nesse momento que o senador trouxe uma análise sobre o caso de Eichmann. “Uma leitura sobre depoente em processo anterior. ‘Ele não possui histórico ou traços preconceituosos, não apresentava características de um caráter distorcido ou doentio. Agiu conforme considerava ser seu dever, cumprindo ordens superiores, e movido pelo desejo de acender na carreira profissional na mais perfeita lógica burocrática. Cumpria ordens sem questioná-las com zelo e eficiência, sem refletir sobre as consequências que pudessem causar’”, leu.

Em seguida, revelou se tratar do julgamento do nazista. “Posso testemunhar que o senhor nunca se postou pessoalmente de forma desleal. Faço essa referência pois, no contato em que tivemos, vossa excelência não se portou com desrespeito à vida. Pelo contrário. Te solicitei, por telefone, respiradores para o estado de Sergipe, e o senhor conseguiu dar atendimento célere. Salvou vidas. Mas, no conjunto da obra, do exercício de uma política pública de saúde, infelizmente o senhor falhou. E não por decisão sua. Não consigo entender que diabo de dever e lealdade vossa excelência imagina ter, mas que faz com que acoberte o verdadeiro autor”, disse.

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