"TETO DUPLEX"

Governo empurra supersalários de ministros próximos a Bolsonaro para o STF

Executivo atribui o chamado "teto duplex" a uma decisão da Corte, que pode elevar os salários de alguns dos ministros mais próximos de Bolsonaro em até 69%, e que foi respaldada pelo TCU. Mega-aumento contraria discurso de austeridade

» ROSANA HESSEL » VERA BATISTA » ISRAEL MEDEIROS
postado em 15/05/2021 07:00
 (crédito: wallacemartins)
(crédito: wallacemartins)

Diante da repercussão da portaria do Ministério da Economia que criou o teto duplex do funcionalismo, com reajustes de até 69% para ministros próximos do presidente Jair Bolsonaro, o Palácio do Planalto tentou justificar a nova regra. Considerada imoral por especialistas em contas públicas, a medida é vista como contraditória, na contramão do discurso de austeridade fiscal do governo.


Por meio de nota divulgada ontem, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República negou que o presidente tenha reajustado o próprio salário, e ainda alegou que estava respeitando uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo o documento, o governo federal “está apenas adequando-se à decisão do Supremo, respaldada pelo Tribunal de Contas da União (TCU)” para mudar a forma de cálculo das remunerações de servidores aposentados e de militares da reserva que têm vencimentos somados acima do teto do funcionalismo, de R$ 39,2 mil, e estavam sujeitos ao abate-teto — que desconta o valor excedente. “A decisão do STF determina que servidores que acumulam cargos efetivos (com permissão constitucional, como professores e médicos) não podem ficar sem receber a remuneração integral, dentro do teto, por cada serviço prestado”, justificou a nota da Secom.


De acordo com a Portaria 4.975, publicada no Diário Oficial da União (DOU), o teto do funcionalismo será calculado separadamente para cada rendimento, no caso de servidores aposentados ou militares da reserva que trabalham para o Executivo — o que permitirá ganhos de até dois tetos, o equivalente a R$ 78,4 mil por mês. A medida é respaldada em uma decisão do TCU, de 2017, que permite aos servidores que acumulam dois cargos receber os dois salários integralmente. Contudo, técnicos do próprio governo que são contrários à medida lembram que há uma decisão do STF, de agosto de 2020, que decide que o teto remuneratório incide sobre a soma da pensão e remuneração ou aposentadoria. Essa confusão é resultado da falta de uma regulamentação para o vencimento do funcionalismo, prevista na Constituição de 1988.


O especialista em contas públicas e analista do Senado Leonardo Ribeiro também lamentou a falta de uma regulamentação do teto. “Na omissão do Congresso, o Executivo e o Judiciário ocupam o espaço”, definiu.


De acordo com Felipe Salto, especialista em contas públicas e diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, a existência dessa portaria mostra um direcionamento do governo para medidas que passam longe da responsabilidade fiscal. “Apesar de a decisão estar ancorada em entendimento do STF sobre essa possibilidade de o teto remuneratório ser aplicado separadamente — e não para o conjunto de aposentadoria e cargo em comissão —, ela cristaliza uma prática contrária ao espírito da responsabilidade fiscal e à necessidade de contenção de despesas”, afirmou.


“Parece haver dois pesos e duas medidas na gestão dos recursos públicos, se lembrarmos que o Orçamento acaba de ser sancionado com cortes importantes nas despesas de custeio de políticas públicas essenciais”, acrescentou.

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PLs tentam pôr freio na benesse

Tramitam no Congresso cinco projetos de lei para barrar os efeitos da portaria do governo, que cria o chamado teto duplex, e que estão sendo articuladas tanto nos ministérios quanto no Legislativo pelos servidores ativos da União. Além disso, já começa a aumentar a pressão, dentro do Parlamento, para a judicialização da questão, uma vez que partidos de todos os espectros ideológicos consideram que acumular dois salários integralmente, num período de pandemia com crise econômica e desemprego crescente, é uma afronta à sociedade.


Um desses projetos foi apresentado pelo deputado federal Túlio Gadêlha (PDT-PE), na última quinta-feira, quando veio à tona a publicação da Portaria 4.975, do Ministério da Economia. O dispositivo eleva salários de alguns dos ministros mais próximos do presidente Jair Bolsonaro em até 69%, a partir já do próximo mês.


“Não podemos aceitar que o Executivo federal ignore o cenário atual de contenção de gastos públicos e de pandemia, e reajuste seu próprio salário e o dos seus ministros acima do teto constitucional de R$ 39,2 mil por mês”, explicou Gadêlha.


Segundo fontes do Congresso, a questão vai voltar para o Supremo Tribunal Federal a fim de que se pacifique a questão. A tese é de que, embora o Tribunal de Contas da União (TCU) tenha autorizado, com base na determinação do STF, não há uma decisão final.
“A portaria é uma estratégia fácil de ser derrubada porque não há unanimidade, e a permissão do STF era apenas para médicos e professores. O problema é que, depois de pago, o dinheiro, mesmo que seja suspenso, não retorna aos cofres públicos”, disse um servidor, que atua para a derrubada do texto duplex.


O impacto para os cofres públicos apontado pelo Ministério da Economia, de R$ 66 milhões, também é visto como uma tentativa de minimizar a má repercussão da medida, por estar abaixo de algumas estimativas iniciais. Conforme dados do Centro de Liderança Pública (CLP), o prejuízo para o contribuinte será maior: de até R$ 180 milhões neste ano. “Além de incoerente e mais oneroso para o erário, isso obsta o arejamento nos cargos comissionados. Servidores já aposentados não necessariamente agregam maior produtividade e acabam por manter uma lógica pouco inovadora na gestão pública”, comentou uma fonte do Judiciário, que é contra a interpretação do STF. (VB e RH)

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