No dia em que a urna eletrônica completou 25 anos de existência, a Câmara dos Deputados instalou a comissão especial que discutirá a PEC 135/19, que pretende instituir o voto impresso no processo eleitoral. A proposta de emenda constitucional é de autoria da deputada Bia Kicis (PSL-DF), que compartilha da opinião do presidente Jair Bolsonaro — de quem é fiel apoiadora — de que a votação eletrônica tem fragilidades e brechas para a manipulação de resultados.
“Nosso trabalho aqui é para aperfeiçoar esse sistema. Ninguém deseja dispensar as urnas eletrônicas, uma conquista do povo brasileiro. Mas temos que olhar para a frente”, disse Kicis, na instalação da comissão, ao dizer que pretende “tirar a angústia da dúvida” a respeito do processo eleitoral.
O texto prevê que seja possível ao eleitor conferir a cédula de votação sem ter contato direto com ela. Os comprovantes de votação seriam depositados automaticamente em urnas separadas para eventual auditoria. Kicis quer que a PEC seja aprovada no Congresso até outubro, para que passe a valer já nas eleições gerais de 2022. Segundo o Código Eleitoral, alterações nas regras só podem ser feitas até a data-limite de um ano antes do pleito. Mas a tramitação de uma proposta de emenda constitucional é lenta e sua aprovação, complexa.
O governo, porém, está empenhado em criar um dispositivo que já foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Ontem, o presidente Jair Bolsonaro voltou a fazer pressão pelo voto impresso e disse que a mãe da proposta é Kicis e o pai, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) — que apoiou a tramitação da PEC. “Queremos votar e ter certeza de que esse voto está da maneira que a gente colocou”. “É importante para que não paire dúvida na cabeça de nenhum brasileiro. Temos que respeitar o sistema eleitoral, mas ele também tem que ser possível de auditagem”, disse, na inauguração do trecho 4, de 30 km, do Canal do Sertão Alagoano, em São José da Tapera (AL). Lira endossou as críticas de Bolsonaro.
Auditoria
O voto eletrônico é totalmente auditável. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem dispositivos para atestar a segurança do sistema eleitoral, como o Teste Público de Segurança (TPS), realizado no ano que antecede as votações — é quando o sistema eleitoral é aberto a instituições como a Polícia Federal e a investigadores e especialistas para que procurem burlar o sistema.
O presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, destacou ontem que a urna nunca teve fraude identificada em 25 anos de existência. “A urna eletrônica tem assegurado um sistema íntegro, que tem permitido a alternância de poder sem que jamais se tenha questionado de maneira documentada e efetiva a manifestação da vontade popular”, disse o ministro, lembrando as fraudes dos processos eleitorais do país antes que o sistema eletrônico fosse adotado.
Quando a votação é encerrada, um boletim de urna é gerado. Cinco vias são impressas: uma é afixada na porta da seção eleitoral, três vão para o cartório eleitoral e outra é entregue aos fiscais dos partidos. Depois, as informações são encaminhadas a um centro de transmissão da Justiça Eleitoral, que não possui conexão com a internet. Só então os dados são totalizados e divulgados ao público.
Bolsonaro há tempos questiona a urna eletrônica. Em 2019, durante viagem aos Estados Unidos, disse que houve fraude na votação que o elegeu e que ganharia no primeiro turno, mas nunca apresentou provas disso. O presidente segue a trilha de Donald Trump, que alegou irregularidades no pleito que deu a vitória de Joe Biden, porém jamais conseguiu prová-las.
No tempo da papelada
A urna eletrônica acabou com vários vícios e fraudes do sistema eleitoral brasileiro. Os mais comuns eram:
» Voto formiguinha – Um dos primeiros eleitores que se apresentava na seção recebia a cédula do mesário. Ao entrar na cabine de votação, em vez de preenchê-la e depositá-la, guardava-a e punha um papel qualquer na urna de lona. Outra pessoa que estava fora do local de votação recebia a cédula oficial, assinalava os candidatos desejados e a entregava para um próximo eleitor, que só depositava o voto já preenchido e pegava outro em branco para que fosse novamente completado pelo chefe do esquema — que o entregaria para mais uma pessoa dar sequência à fraude.
» Urnas grávidas – Como as urnas eram de lona, fechadas apenas com um simples cadeado e lacres de papel, sem nenhuma segurança ou verificação de inviolabilidade, em várias regiões do país elas já chegavam com várias cédulas dentro preenchidas em favor de algum candidato — em vez de estarem vazias.
» Voto de cabresto – O capataz de algum candidato organiza a comunidade, anota os títulos eleitorais, dá algo em troca – que pode ser de cestas básicas a simples bonezinhos e camisetas – e, depois, se quem deveria ganhar naquele local não ganha, passa a cobrar dos eleitores – geralmente com violência de métodos.
» Votos inseridos em locais de apuração – Eram vários os relatos de candidaturas que reclamavam que muitas cédulas preenchidas pela mesma caneta, com as mesmas marcas características, eram inseridas depois que as urnas fechavam. Elas seguiam para os pontos de apuração, onde eram contadas pelos mesários e acompanhadas pelos fiscais dos partidos. Era frequente o conluio entre quem fazia a contagem e quem fiscalizava pela legenda. Da mesma forma como eram frequentes as brigas entre representantes das agremiações políticas.
Um trâmite complicado
» A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) terá de ser submetida a uma comissão especial, que terá o prazo de 40 sessões, a partir de sua constituição, para proferir um parecer. Cada partido ou bloco parlamentar terá em cada comissão tantos suplentes quantos os seus membros efetivos. Se um partido ou bloco não indicar participante, o presidente da Câmara dos Deputados o fará.
» Após a publicação do parecer da comissão, e do intervalo de duas sessões, a PEC será incluída na Ordem do Dia para ser votada em plenário — trata-se de matéria que tem precedência sobre as demais.
» A PEC será submetida a dois turnos de discussão e votação em plenário, com interstício de cinco sessões.
» Será aprovada a PEC que obtiver, em ambos os turnos, três quintos dos votos (ou seja, 308 nos dois pleitos) dos membros da Câmara dos Deputados, em votação nominal.
» Passada a votação, a PEC será devolvida à comissão que a originou para a redação final, incluindo-se eventuais emendas de plenário, com eventuais emendas de redação.
» Finalizado o trâmite na Câmara, a PEC segue para o Senado, onde, novamente, será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça.
» Uma vez aprovada na CCJ do Senado, será submetida novamente a dois turnos de votação e precisará obter, também, 3/5 dos votos em cada pleito — para aprová-la,
49 senadores devem ficar a favor.
» Diferentemente do que ocorre com um projeto de lei, a PEC não se submete a sanção ou veto do presidente da República, que não tem competência para promulgação Emendas Constitucionais — que é feita pelas mesas da Câmara e do Senado, em sessão do Congresso.
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