Veto à Sputnik por falta de dados

» JORGE VASCONCELLOS » LUIZ CALCAGNO » RENATO SOUZA
postado em 11/05/2021 23:56 / atualizado em 12/05/2021 02:07
 (crédito: SAVO PRELEVIC)
(crédito: SAVO PRELEVIC)

Na CPI da Covid, o presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres, explicou os motivos que levaram o órgão regulador a barrar a liberação da vacina russa Sputnik V, destinada à imunização contra o novo coronavírus. Segundo ele, há divergências de dados em vários documentos, e a Rússia não prestou os esclarecimentos solicitados pela agência. Ele afirmou, no entanto, que as portas da Anvisa não estão fechadas.


As questões envolvendo o imunizante russo foram tema de perguntas de vários senadores da CPI. Nas respostas, o presidente da Anvisa frisou que não há qualquer tipo de motivação ideológica ou preciosismo por trás da decisão do órgão regulador.


Entre as razões para a recusa da vacina, disse Torres, está a presença de adenovírus replicante em sua composição. Segundo o gestor, existem documentos diferentes que atestam ou negam a presença do vírus vivo no imunizante, e não há um mapeamento informando como o organismo reagirá no corpo humano. O presidente da Anvisa lembrou que o próprio desenvolvedor, o laboratório russo Gamaleya, entrou em contradição sobre os dados ou não respondeu ao questionamento, e que as demais vacinas aprovadas no Brasil passaram pelo mesmo procedimento.


“É informação do desenvolvedor. Ele coloca isso de maneira clara nos documentos que envia a nós, dizendo que em todos os lotes foi observado um valor diferente de zero. Quando se refere à questão da presença em todos os lotes, é a informação que o instituto nos passa, e coloca um índice até ‘x’. Qualquer coisa até ‘x’ é diferente de zero. O preconizado é o zero”, explicou.


Torres, que é médico, destacou que existem vacinas eficientes com vírus vivo. “O que é preciso nessa ocasião? A documentação de que a eventual presença de vírus replicantes é auto-extinguida em ‘x’ horas ou ‘x’ dias, ou foram mapeados e não causam mal nenhum. Temos, primeiro problema, a existência pura e simples. Segundo, onde está o mapeamento do que eles fazem no corpo? Também não havia. Tínhamos a informação de algo que não deveria estar lá e sem o mapeamento de sua trajetória”, argumentou.


Outro ponto ressaltado pelo depoente é que as informações enviadas pelo fabricante da vacina precisam ser verificáveis. “A análise regulatória não se pauta pela afirmação, ou teríamos um ateste e o problema estava resolvido. Ela repassa praticamente todos os passos apresentados para se observar o mesmo resultado”, frisou. “Se há a informação que a eficácia é de 50%, 70%, não basta a informação. É necessário que todos os cálculos sejam apontados para que possamos ver como se chegou àquele valor.”


Torres destacou, ainda, que as decisões da Anvisa são publicizadas e que o processo de aprovação emergencial de vacinas contra o novo coronavírus passam por três áreas técnicas diferentes, por 30 ou 40 técnicos, além de um diretor-relator e outros cinco relatores do processo. “Eu tenho situação em que reputo como muito mais grave que a do vírus replicante: é a ausência de estudos de toxicidade reprodutiva, e mais 12 ou 13 itens. Esse rigor regulatório foi empregado nas cinco vacinas aprovadas. As cinco passaram por ele. Nenhuma teve aprovação tácita. Todas tiveram o bate e volta, que faz parte do processo. Argumentação científica na pergunta e argumentação científica na resposta”, ressaltou.


De acordo com Torres, a rejeição inicial ao pedido de aprovação da vacina russa não deve gerar uma desconfiança na população sobre o imunizante. “É muito importante que se entenda que essa negativa de autorização excepcional de importação não deve somar a essa marca Sputnik V nenhum pensamento negativo. Essa é uma marca do processo. O que conclamo é que, tão logo essa situação seja, e esperamos que seja, resolvida, que não se credite a essa vacina nenhuma característica ruim”, enfatizou.

Reação

Após a negativa da Anvisa em relação à Sputnik V, o Fundo Russo de Investimento Direto (RDIF, na sigla em inglês), que comercializa o imunizante, afirmou que os comentários do órgão regulador brasileiro sobre a vacina estavam “incorretos” e que a decisão de adiar a aprovação do produto poderia ter “motivação política”.


À CPI, Torres revelou que, em um documento com explicações sobre a Sputnik V, o fundo russo fez críticas pessoais a integrantes da Anvisa. Ele frisou que essa atitude é inédita em discussões do tipo. “Os senhores poderão, ao analisar o documento, constatar que há uma parte inicial dele em que, de maneira surpreendente — não estamos acostumados a ver isso —, o fundo soberano tece críticas pessoais a integrantes da Anvisa, o que, no ambiente regulatório, é inédito”, reprovou.


Perguntado se a Anvisa sofre pressões para a liberação das vacinas, Torres respondeu que vê, pelos meios de comunicação, manifestações de agentes públicos pelo aval a imunizantes. “Para a aprovação, a pressão é a que está na mídia. É essa que recebemos todo dia, por meio da mídia. Todos nós temos assistido aos telejornais, em que os agentes públicos, desejosos de atender sua população, têm cobrado. Lógico que isso exerce uma pressão, é ostensiva e pública”, completou. Ele negou que tenha sofrido qualquer tipo de coação do presidente Jair Bolsonaro.

Covaxin

Também conforme Torres, a vacina Covaxin, destinada à prevenção da covid-19 e fabricada pelo laboratório indiano Bharat Biotech, não foi liberada pelo órgão regulador brasileiro pelos mesmos motivos da rejeição à Sputnik: a falta de comprovação de que cumpriram os requisitos necessários para receber autorização da agência. Ele declarou esperar os responsáveis pelos dois imunizantes apresentem as informações solicitadas para solucionar as pendências.

No caso da Covexin, segundo o diretor, a visita in loco da Anvisa não atestou boas práticas de fabricação à Bharat Biotech, fabricante da vacina.
O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), perguntou se houve “preciosismo” da Anvisa. “Não, em absoluto”, respondeu Torres.

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