O presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra Torres, confirmou, em depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid-19, que o governo federal tentou, em reunião dentro do Palácio do Planalto, alterar a bula da cloroquina para indicar o medicamento como adequado ao tratamento contra o novo coronavírus. O medicamento não tem eficácia comprovada contra a doença e o gestor se disse contrário ao uso da substância para combater os efeitos da pandemia no país. A denúncia já havia sido feita em depoimento pelo ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.
Barra Torres afirmou que estavam na reunião a médica Nise Yamaguchi, defensora da cloroquina, um médico, sentado ao lado dela, o general Braga Netto, então Ministro da Casa Civil, e disse não se recordar da presença do ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, o policial militar da reserva Jorge Oliveira, ou do ministro general Luiz Eduardo Ramos. O presidente da Anvisa disse ter sido grosseiro com Yamaguchi e que, em seguida, deixou o encontro.
“O documento foi apresentado pela doutora Nise Yamaguchi, o que provocou uma reação deselegante minha. Minha reação foi muito imediata, de dizer que não poderia ser (a alteração na bula), pois só quem pode modificar uma bula de um medicamento registrado é a agência reguladora daquele país, desde que solicitado pelo detentor do registro”, destacou.
O depoente explicou que o laboratório responsável pelo uso do medicamento é quem pode solicitar à agência reguladora, mediante “um pesado dossiê de estudo clínico comprobatório”, alterações por adição ou subtração de conteúdo a bula do produto. “Se o laboratório ‘X’ descobre que o remédio tem outra utilização, isso é benefício para sociedade e ganho dinheiro para o laboratório. Ele anexa um pesado dossiê de estudo clínico comprobatório, dá entrada na agência reguladora do país e pede mudança na bula”, afirmou.
“Quando houve proposta de uma pessoa física, eu disse que não tem cabimento, não pode, e a reunião não durou muito mais”, recordou Barra Torres. Segundo ele, o encontro ocorreu em uma sala de reuniões do quarto andar do Palácio do Planalto, onde se encontrava o grupo executivo interministerial e a Anvisa para enfrentamento da pandemia. “Depois da proposta, o ministro Mandetta se retirou, eu me retirei, mas não sei quem foi o autor. A doutora pareceu mobilizada com a possibilidade”, afirmou.
Sem eficácia
Sobre a indicação da cloroquina como medicamento para tratamento precoce contra o covid-19, Barra Torres se disse contrário. “Existe um estudo em aberto, Coalizão 5, que avalia dados em casos leves. Até o presente momento, no mundo, todos os estudos apontam a não eficácia comprovada em estudos ortodoxamente comprovados — com placebo controlado duplo cego e randomizados”, destacou.
“Minha opinião sobre tratamento precoce não contempla essa medicação, e contempla a testagem, diagnóstico precoce, e observação de todos os sintomas e tratá-los o quanto antes. Quando ela acomete nível pulmonar, já é um pouco tarde para atuar. Os resultados são muito ruins no diagnóstico de médio prazo e tardio”, afirmou.
Questionado, Barra Torres disse, também, que nunca aconselhou o presidente da República sobre temas de saúde. “Nunca fiz nenhuma reunião de aconselhamento de saúde. Eventualmente o presidente fazia perguntas da área regulatória. Sempre me mantive dentro de minha área de atuação. O grande conselheiro deve ser seu ministro (da Saúde) ou seus ministros, cargo que não ocupo”, respondeu.
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