Telegramas mostram que o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo agiu para garantir o fornecimento de cloroquina ao Brasil. O medicamento não tem eficácia contra a covid-19. Os documentos, obtidos pela Folha de S. Paulo, mostram que, por sua vez, o empenho para conseguir vacinas foi baixo. O ex-chanceler, que pediu demissão há pouco mais de um mês, será um dos ouvidos da CPI da Covid, no Senado, na próxima semana.
Segundo a reportagem, em março de 2020, Araújo pediu aos diplomatas brasileiros que tentassem “sensibilizar o governo indiano para a urgência da liberação da exportação dos bens encomendados pelas empresas antes referidas (EMS, Eurofarma, Biolab e Apsen) e outras que se encontrem em igual condição, cujo desabastecimento no Brasil teria impactos muito negativos no sistema nacional de saúde”. Na época, o governo da Índia havia restringido a exportação de cloroquina.
Um dia antes do pedido, a Prevent Senior e o Hospital Albert Einstein tinham anunciado estudos para saber se a cloroquina poderia ser eficaz contra a covid-19. A pesquisa do Einstein, publicada em julho, concluiu que o medicamento não tem nenhum benefício para os infectados pela doença e que o uso dela pode causar alterações no fígado e no coração. Já a da Prevent Senior apontou redução no número de internações, porém, a pesquisa foi colocada em dúvida pela comunidade científica por não seguir padrões aceitáveis.
Um dos telegramas, de 4 de abril, mostra que o presidente Jair Bolsonaro chegou a conversar com o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi. No diálogo, teria afirmado que o Brasil obteve resultados animadores com o uso da cloroquina, mesmo não existindo nenhum estudo comprovando a declaração.
A ação de março não foi a única interferência do então ministro. Em todo o mês de abril, ele tentou a obtenção do remédio para o Ministério da Saúde, e os pedidos continuaram em junho, quando a Sociedade Brasileira de Infectologia, a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia e a Associação de Medicina Intensiva Brasileira já haviam desaconselhado o uso da cloroquina em pacientes com covid-19. Estudos têm demonstrado que o uso do medicamento pode ter aumentado a quantidade de infecções pela doença, pela falsa sensação de segurança.
Imunizantes
Ainda de acordo com a reportagem, enquanto batalhava pela cloroquina, Araújo teve baixo empenho para conseguir imunizantes contra a covid-19 vindos da China. Até novembro de 2020, não houve, por parte do ministério, instruções para os diplomatas negociarem o fornecimento de vacinas ou insumos ao Brasil. O país asiático é o maior produtor de imunizantes do mundo.
Somente neste ano, a embaixada da China foi acionada para conseguir suplementos para a produção da vacina da AstraZeneca.
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