A CPI da Covid estuda com cuidado os próximos passos a seguir, pois trazem o Palácio do Planalto e Jair Bolsonaro para o centro das investigações, e seus integrantes — sobretudo os de oposição — não querem antecipar juízos que possam contaminar os trabalhos e criar uma onda contrária ao colegiado antecipadamente. Isso porque, no mapa traçado pelos senadores para esta semana, estão: coleta de dados sobre os passeios do presidente Jair Bolsonaro pelo Distrito Federal — algo que se repetiu ontem, ao lado de milhares de motociclistas; pedido de quebra de sigilo do ex-secretário de Comunicação do governo, Fábio Wajngarten, que, até poucos meses, era um dos mais ilustres integrantes dos bastidores palacianos; e a possibilidade de votar a convocação do vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente e apontado como o chefe do chamado “gabinete do ódio” e da administração paralela revelada pelo ex-ministro Luiz Henrique Mandetta — cujo aconselhamento o teria distanciado das medidas propostas pelo Ministério da Saúde contra a covid-19.
Na avaliação do vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), esse assessoramento extra-oficial foi exposto não apenas por Mandetta, mas, também, pelo depoimento do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. “Comparem o que falou aqui o ministro com o que falou ontem o presidente da República. Vemos fortes divergências. Então, o comando paralelo continua”, observou, enumerando os ataques ao distanciamento social, à China e ao uso de máscaras como sinais da existência desse gabinete informal.
Além disso, a CPI quer apurar a quantidade de hidroxicloroquina estocada no ministério e se o governo federal usou como estratégia contra a pandemia a chamada “imunização de rebanho”, a partir da situação da doença em Manaus. “As falas só contribuem com o raciocínio que estamos tendo. Qual era a estratégia do enfrentamento da pandemia? A imunização natural, a chamada imunização coletiva. E essa estratégia tem um preço alto que estamos pagando”, criticou Randolfe. Para verificar a hipótese, é estudada a convocação do governador Wilson Lima, do Amazonas, para depor — ele, supostamente, teria fechado com Bolsonaro um acordo para que a pandemia avançasse a fim de que “imunização coletiva” se concretizasse.
Mudança na bula
O presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres, será ouvido amanhã e deve detalhar as vezes em que a autarquia foi procurada para tratar de vacinas e que esforços foram feitos para adotar o uso de imunizantes. Ele também será questionado sobre tentativas de intervenção pelo Palácio do Planalto, sobretudo a denunciada por Mandetta à CPI — a proposta de mudar a bula da cloroquina para que fosse recomendada, também, contra a covid-19, contra a qual Barra Torres teria se insurgido.
Na quarta-feira, os parlamentares sabatinam Wajngarten e, na quinta, será a vez de dois representantes da Pfizer para avaliarem como foram as tratativas e atrasos do governo em relação à vacina. O ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, ficou para a semana que vem, a mesma em que deve ocorrer a oitiva do ex-ministro Eduardo Pazuello, cuja ida à CPI pode ser antecipada caso não consiga explicar as razões de ter se encontrado com o ministro Onyx Lorenzoni (Secretaria-Geral da Presidência) e com o senador Ciro Nogueira (Progressistas-PI).
Testemunhas que representam o Instituto Butantan, a Fundação Oswaldo Cruz e a União Química, fabricante brasileira que reproduz a vacina Sputnik V, vêm em seguida. “Vamos avançar no foco da CPI e não faremos investigação para saciar nossas vicissitudes pessoais. Faremos a apuração para responder aos milhões de brasileiros o porque temos mais de 400 mil mortes”, garantiu Randolfe.
Ele disse ao Correio que, até a última reunião da CPI, apenas um dos documentos solicitados pela comissão havia chegado às mãos dos senadores. “Creio que, até semana que vem, nós vamos ter vários chegando. Aí, nós vamos nos organizar para deliberar na direção da CPI, tomar uma decisão administrativa sobre a dinâmica para acesso aos documentos e como operacionalizá-los”. (Colaborou Fabio Grecchi)
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Girão se projeta na defesa do governo
Quando se esperava que o comando da tropa de choque governista na CPI da Covid seria exercido por Ciro Nogueira (Progressistas-PI), um dos cardeais do Centrão e parlamentar experiente nos bastidores do Congresso, eis que a primeira semana dos trabalhos trouxe à cena um senador de primeira viagem e um neófito na política nacional: Eduardo Girão (Podemos-CE).
Até então, seu principal feito foi o de tirar uma vaga que era considerada certa, no Ceará, para a recondução de Eunício Oliveira (MDB). Mas, agora, apresenta-se como um dos mais combativos defensores do governo. Ele foi um dos responsáveis por incluir governadores e prefeitos no escopo da investigação da CPI e tem se apresentado como defensor do chamado “tratamento precoce” — que inclui a cloroquina, que, como várias vezes salientou, passou a ser “demonizada” somente por ter sido recomendada pelo presidente Jair Bolsonaro.
Girão, porém, garante que sua preocupação maior é que os trabalhos do colegiado sejam equilibrados e que não se escolham culpados. “Isso é o que a sociedade espera. Que não seja uma CPI de palanque político. É uma covardia subir em cima de 400 mil caixões”, salientou.
Sua atuação em defesa do presidente e da cloroquina já lhe rendem frutos, pelo menos nas redes sociais. Vem sendo elogiado pelos bolsonaristas, assim como seu colega de front pró-Palácio, Marcos Rogério (DEM-RO). Em contrapartida, Ciro Nogueira foi duramente hostilizado, pelo menos até o fechamento da primeira semana de funcionamento da CPI.
Girão avalia que os rumos dos trabalhos são parciais e desequilibrados. “Está ficando feio isso, de querer investigar uma parte da verdade, e não toda ela”, afirmou ao Correio, salientando, que se estivesse atuando em favor apenas do governo, não teria protocolado requerimento para que sejam investigados os passeios de Bolsonaro por Brasília.
Para Girão, a CPI tem a obrigação de apurar as responsabilidades dos gestores públicos na condução da pandemia, mas ele avalia que esse aspecto não tem tido o mesmo espaço. “O meu requerimento teve mais assinaturas: 45 senadores, ou seja, maioria absoluta do Senado. Então, por que o meu é ignorado, se a gente está querendo investigar a União, que se investigue também estados e municípios?”, cobrou. (BL e RS)