entrevista Senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI da Covid

"Não tenho dúvida de que Queiroga depõe de novo," diz presidente da CPI da Covid

Parlamentar considera que ministro da Saúde esquivou-se de assumir a ineficiência da cloroquina contra a covid-19, como propõe Bolsonaro, e que, diante do colegiado, deixou de lado a formação de médico cardiologista apenas para não desagradar o presidente

» Jorge Vasconcellos
postado em 09/05/2021 07:00 / atualizado em 09/05/2021 12:16
 (crédito: Edilson Rodrigues/Agência Senado - 4/2/20)
(crédito: Edilson Rodrigues/Agência Senado - 4/2/20)

O presidente da CPI da Covid, Omar Aziz (PSD-AM), avalia como positiva a primeira semana de depoimentos no colegiado e acredita que as próximas oitivas vão ajudar ainda mais os senadores a identificarem os motivos de tantas mortes causadas pelo novo coronavírus no país e da escassez de vacinas para proteger a população contra a doença.

Em entrevista ao Correio, Aziz também critica duramente o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que, durante depoimento à comissão, na quinta-feira, esquivou-se de responder a perguntas a respeito de sua opinião sobre a defesa que o presidente Jair Bolsonaro faz do uso da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19 — o medicamento não tem eficácia científica comprovada contra a enfermidade.

“Está patente que ele é contra, mas, para não magoar o presidente, ele não fala”, salienta Aziz, acrescentando que o depoimento do ministro “foi um dos piores” e que, por essa razão, ele “dificilmente não será reconvocado” para depor.

Segundo Aziz, Queiroga deve ser ouvido novamente também porque, apesar de dizer que tem autonomia no ministério, mantém na equipe a secretária de Gestão do Trabalho, Mayra Pinheiro — apelidada de “Capitã Cloroquina” nos corredores do bloco G da Esplanada. Em depoimento ao Ministério Público Federal do Amazonas, ela assumiu que, durante a gestão do ex-ministro Eduardo Pazuello, recomendou a médicos do estado o uso da hidroxicloroquina no tratamento de pacientes com covid-19.

“O ministro falou na CPI sobre autonomia, mas, a curto prazo, ele vai ver que não tem essa autonomia toda que ele está dizendo que tem. Tanto é que ele mantém lá, no gabinete dele, a Mayra, que é médica e receita cloroquina abertamente”, afirma o presidente da CPI. A seguir, os principais trechos da entrevista:

 

Qual o balanço que o senhor faz da primeira semana de depoimentos na CPI?
Nós montamos um programa de trabalho de que nós iríamos fazer a cronologia da chegada do vírus no Brasil. Então, os primeiros a depor seriam o ex-ministro (Luiz Henrique) Mandetta e o ex-ministro (Nelson) Teich. Houve a interrupção por causa do ex-ministro (Eduardo) Pazuello, que teve contato com duas pessoas que estavam com covid-19 — recebemos o comunicado do Comando do Exército. Mas nada que tivesse afetado o nosso trabalho, porque nós conseguimos ouvir o ministro Marcelo Queiroga, e o andamento da comissão parte do princípio do que nós deixamos de fazer e por que não temos as vacinas suficientes para o povo brasileiro.
Nesta semana, vamos ouvir a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), uma parte importante para que a gente possa trazer as vacinas suficientes para o Brasil. Isso vai dar o norte, porque o objetivo principal, desde o primeiro momento, é ter pelo menos duas vacinas para cada brasileiro neste ano.

Como o senhor avalia o depoimento do ministro Marcelo Queiroga?
Nós passamos 10 horas e ele foi muito bem treinado. Teve um momento em que eu disse: “Ministro, o senhor é médico, é a sua profissão, o senhor está ministro, porque se troca de ministro aqui como se troca de camiseta”. Então, o cara passa seis anos cursando medicina, mais dois anos de residência, se forma, depois passa dois anos fazendo especializações. O cara (Queiroga) é cardiologista, passou muitos anos fazendo especializações na área para chegar lá e, todas as vezes em que perguntado sobre a cloroquina, ele usar um cargo efêmero, o do ministério, e não usar a competência técnica... Ele estava ali como médico. “Ah, eu não posso me posicionar, porque a Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS)”, não sei o quê... O tempo todo tangenciando essa questão. A vontade era de perguntar a ele: “Se o senhor não fosse ministro e estivesse em seu consultório, o senhor receitaria cloroquina?” Está patente que ele é contra, mas, para não magoar o presidente, ele não fala. Porque, se fosse a favor, pode ter certeza de que diria: “Sou a favor”. “Para não magoar o chefe, não vou dizer que sou contra”. Mas, se fosse o contrário, aí não tinha Conitec, não tinha nada. Então, ficou um negócio em que, dificilmente, não será reconvocado. Porque ele falou lá sobre autonomia, mas, a curto prazo, vai ver que não tem essa autonomia toda que está dizendo que tem. Tanto é que ele mantém, no gabinete dele, a Mayra (Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho do ministério), que é médica e receita cloroquina abertamente.

Então o ministro será reconvocado a depor?
Não tenho dúvida, porque, aliás, um dos piores depoimentos foi o dele. Você vê que ele não citou cloroquina. Falava “fármacos”, lembra?

Na opinião do senhor, os primeiros depoimentos confirmaram as suspeitas de que o governo optou por ignorar as medidas científicas que deveriam ter sido adotadas contra a covid-19?
Necessariamente, esses depoimentos nem precisavam confirmar, porque o próprio comandante da nação, frequentemente, coloca essa posição. Ontem mesmo, é possível que tenha sido ele que tenha escrito isso: “Uns médicos receitam cloroquina, outros a ivermectina e o terceiro grupo (o do Mandetta) manda o infectado ir para casa e só procurar um hospital quando sentir falta de ar”. Ele não escolhe o pensamento dele, infelizmente. Essa não é uma questão de “eu acho, eu quero”. Agora, a Conitec está demorando muito a se posicionar. As pessoas falam: “Ah, não, está dividindo opiniões”. Não é dividir. É que quem é favorável (à hidroxicloroquina), somados às redes sociais, que dão apoio e usam artifícios para denegrir e tal, tem uma tropa muito mais forte nas redes sociais do que quem é contra. As pessoas que são contra não atuam como militantes. Então, a impressão que querem passar é que a maioria é favorável a usar cloroquina. Na realidade, não passa de meia dúzia de profissionais ali, naquele espaço de confronto, o “gabinete do ódio” (grupo de assessores do Palácio do Planalto investigados pelo Supremo Tribunal Federal por disseminarem fake news) trabalha muito bem nisso. Então, a impressão que passa é a de que são 90% da população.

O senhor disse que já recebeu recomendação para usar cloroquina. Como foi?
Eu não sei por que a pessoa se presta a mandar mensagem para mim no Instagram, achando que eu sou um idiota completo, dizendo: “Olha, eu sou fulana de tal, aqui de Minas Gerais. A minha tia tomou cloroquina e ficou boa”. Ela não vai mudar minha opinião sobre isso. Não sou médico, não sou cientista — sou engenheiro civil, tenho formação em exatas. Onde eu trabalho, dois mais dois são quatro, não são cinco nem três. Não posso ter um número e criar outra versão desse número. Então, aposto na ciência, não aposto no achismo, no curandeiro para me curar da covid-19, ou então os pajés aqui do Amazonas para fazerem uma reza. Eu creio na ciência.

A partir dos primeiros depoimentos, o senhor considera que já foi confirmado o cometimento de crimes de autoridades durante a pandemia? Crime contra a saúde pública e crime de responsabilidade, por exemplo?
Todo mundo que prescreve um medicamento sem ser profissional de saúde não está cometendo um ato certo. Têm pessoas que alastram uma mentira pelas redes sociais e, pior, têm pessoas que defendem aquilo com tal afinco que os desinformados podem se convencer. Quantas pessoas já tomaram essa cloroquina e tiveram arritmia no coração, sem ter noção do que estava acontecendo? Acho que nós temos que estabelecer leis rigorosas. A CPI tem que sair com propostas ao Congresso, aprovar uma lei muito rigorosa para quem prescreve medicamentos sem nunca ter passado na porta de uma faculdade de medicina.

E quanto às ações e omissões do governo na pandemia, o que foi identificado pela CPI até agora?
O Mandetta esteve lá, mas não disse qual foi o planejamento que deixou. Mostrou uma carta dizendo ao presidente que “nós podemos chegar a 180 mil mortes”. Estamos em quase 420 mil. Ele alega que entregou o ministério com 1.900 mortes, isso é verdade. Mas ele não mostrou nenhum dado documental dizendo: “Olha, o planejamento é esse, nós temos que fazer e tal”. O Teich disse: “O Brasil é um país continental, não tivemos condições de fazer barreiras”. Ali, não tem que ter vontade de ministro — tem que ter vontade de governo. O que nós vimos é o ministro puxando para um lado e o governo puxando para o outro.

O senhor considera que os depoimentos reforçaram as suspeitas de que o governo optou por promover a chamada “imunidade de rebanho”, em detrimento de medidas como o distanciamento social e a vacinação?
Acho que muita gente faleceu por causa disso. E fizeram muitas aglomerações. Acho que nós temos um caminho tortuoso a perseguir, dentro da CPI, e sair com uma proposta que possa prevenir não apenas esta geração, mas, também, as outras gerações de outras pandemias. Aqui, no Amazonas, ontem (sexta-feira), houve um aumento significativo de casos (de covid-19) e, se você olhar, é parecido com janeiro (deste ano) e com o início da pandemia.

A secretária de Gestão do Trabalho do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, assumiu, em depoimento ao Ministério Público Federal, que orientou os médicos do Amazonas a usarem hidroxicloroquina e outros medicamentos inócuos contra a covid-19. Qual sua opinião sobre isso?
Isso é muito grave. A doutora Mayra vai ser ouvida no próximo dia 20.

O vice-governador do Amazonas, Carlos Almeida Filho, disse à Folha de S.Paulo que o governador do estado, Wilson Lima (PSC), e o presidente Jair Bolsonaro fizeram um acordo para usar a cidade de Manaus em uma experiência sobre a imunidade de rebanho. Qual sua opinião?
Não tinha conhecimento disso. É uma acusação muito grave e tem que ter alguma prova, porque colocou o presidente na roda. O presidente não está sendo investigado, mas dar uma declaração dessas, dizendo que o governador e o presidente fizeram um acordo, não posso lhe assegurar porque não tenho nenhuma comprovação. Mas é muito sério isso.

Quais são as expectativas para os depoimentos desta semana?
Vamos ouvir a Anvisa (na pessoa do diretor-presidente Antonio Barra Torres), que, técnica e cientificamente, falará muitas coisas que a gente não entende. Tem um quadro de cientistas muito bom na Anvisa. Também vai depor (dois representantes da) Pfizer e vai o Fabio Wajngarten (ex-secretário de Comunicação do governo) depois, porque ele tentou negociar — negociar, não, intermediar — com o laboratório. E, ontem (sexta-feira), saiu uma matéria dizendo que nós (Brasil) estamos negociando vacinas (com a Pfizer) a um preço um bilhão mais caro. Eu não sei se isso é verdade, mas lógico que será perguntado pela CPI porque você ia comprar 70 milhões (de doses de vacina) numa época em que o governo entendeu que nós é que tínhamos que impor condições para comprar. Não foi essa a questão? Então, quando eu contrato o (Instituto) Butantan ou contrato outras vacinas, nós vamos ver qual a diferença com o contrato da Pfizer. Se a gente tem vacina hoje, isso se deve à China, porque a CoronaVac é aplicada em 90% das pessoas vacinadas no Brasil.

Como o senhor viu as novas insinuações do presidente de que a China inventou o novo coronavírus?
O problema da China não é só a vacina. O problema são as commodities que nós vendemos e que dão superavit ao Brasil, o que nós não temos com os Estados Unidos. A China leva da gente o ferro e eles trazem o aço deles, porque nossa indústria siderúrgica é pequena. Nós mandamos frango, suínos, carne, soja. A gente manda tanta coisa para a China. Então, a questão não é só a vacina, é comercial. Não é o momento de a gente cutucar ninguém; o momento é de pedir ajuda. Não dá, agora (para fazer insinuações), até porque existe uma investigação da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre o vírus. A gente não pode fazer nenhuma análise, pré-julgamento neste momento. Seria uma irresponsabilidade muito grande. Essa questão de guerra química, como o presidente coloca, é uma acusação muito séria. Ele não cita a China, ele fala que “ele já conhece, nós militares sabemos o que é uma guerra biológica”. Mas não só são os militares, qualquer cidadão que estuda um pouquinho vai saber o que é uma guerra biológica. Não dá, agora, para a gente brigar com ninguém.

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