Diante de mais um ataque do presidente Jair Bolsonaro à China, uma tropa de choque se mobiliza para tentar evitar represálias ao país da parte do gigante asiático, principal parceiro comercial do Brasil e um dos fornecedores do IFA (insumo farmacêutico ativo) para a produção de vacinas contra a covid-19. Depois de o chefe do Executivo insinuar, sem citar nominalmente, que os chineses teriam fabricado o novo coronavírus como arma para uma “guerra química”, os ministros da Saúde, Marcelo Queiroga; das Relações Exteriores, Carlos França; e da Economia, Paulo Guedes, se reuniram com o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming. O encontro foi visto como uma tentativa de apagar o incêndio que o presidente provocou. Em outras frentes, também atuaram como “bombeiros” o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e governadores.
Na reunião, por videoconferência, com Yang Wanming, o ministro Marcelo Queiroga enfatizou o compromisso do governo de estreitar a cooperação Brasil-China no enfrentamento à pandemia. “Estou entusiasmado em continuar essa parceria, que tem possibilitado o fornecimento de IFA para a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e para o (Instituto) Butantan. Também quero reiterar a nossa confiança na eficiência das vacinas chinesas, inclusive sobre a variante P1”, destacou.
A mensagem se faz necessária porque, apesar de o Brasil depender de insumos da China, Bolsonaro, integrantes do governo e o filho 03 do presidente, Eduardo Bolsonaro, já dispararam críticas ao país asiático. No fim de abril, por exemplo, o ministro Paulo Guedes, sem saber que estava sendo gravado, disse que “o chinês criou o vírus”.
De acordo com fontes do governo, a videoconferência foi marcada pela apreensão e durou mais do que o previsto, o que fez com que o ministro da Economia cancelasse compromisso que teria com Queiroga.
Do Legislativo também surgiu esforço para aparar arestas com o governo chinês. Antes da reunião dos ministros com Yang Wanming, Rodrigo Pacheco enviou uma carta ao embaixador defendendo a intensificação do diálogo entre os países. “Diante dos desafios impostos pela pandemia global, dirijo-me a Vossa Excelência para reiterar a importância do relacionamento mutuamente relevante e construtivo com a República Popular da China. (...) No momento em que o Brasil tem sido afetado de forma contundente pela proliferação de variantes do vírus, torna-se necessário, mais do que nunca, o aprimoramento da parceria de grande qualidade que tem caracterizado nossas relações bilaterais”, diz um trecho do documento. O presidente do Senado aproveitou para convidar o embaixador a visitar a Casa.
Alguns estados também correram para tentar atenuar os danos. O gestor do Piauí e coordenador da temática de vacina no Fórum Nacional de Governadores, Wellington Dias, enviou um ofício a Yang Wanming pedindo uma reunião por videoconferência. A solicitação ainda não foi respondida.
Envio do IFA
A videoconferência de ministros com Wanming foi acompanhada pelos diretores do Butantan, Dimas Covas, e da Fiocruz, Nísia Trindade. Mais cedo, Covas informou que, apesar de existir uma “previsão confirmada” do envio de quatro mil litros de IFA ao Brasil, não há data definida para a chegada desse lote. “Deve chegar, no máximo, esperamos, até o dia 18 deste mês”, afirmou, em coletiva de imprensa.
O secretário-executivo da Saúde, Rodrigo Cruz, também disse que o governo federal não tem a confirmação de embarque do IFA. “A gente está tratando isso e, tão logo tenhamos a confirmação do embarque desse insumo, torna essa informação pública”, destacou.
O Butantan precisa dos insumos para voltar a produzir a CoronaVac, vacina utilizada no Programa Nacional de Imunizações (PNI). O último lote, de três mil litros, recebido em 19 de abril, já foi processado para dar origem a cinco milhões de doses. Agora, portanto, o envase das vacinas foi paralisado.
As doses passam pelo controle de qualidade para serem liberadas ao governo federal. Algumas dessas unidades produzidas com o IFA recebido em 19 de abril já foram entregues ao Ministério da Saúde na última semana. O Butantan finalizará a entrega desse montante em 14 de maio.
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Outros ataques aos chineses
“É um vírus novo, ninguém sabe se nasceu em laboratório ou se nasceu por algum ser humano ingerir um animal inadequado. Mas está aí, os militares sabem que o que é guerra química, bacteriológica e radiológica. Será que não estamos enfrentando uma nova guerra? Qual o país que mais cresceu seu PIB?”
Jair Bolsonaro, na última quarta-feira
“O chinês inventou o vírus, e a vacina dele é menos efetiva do que a americana. O americano tem 100 anos de investimento em pesquisa”
Paulo Guedes, ministro da Economia, em abril deste ano
“Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que Doria (governador de São Paulo) queria obrigar a todos os paulistanos a tomá-la. (...). Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”
Jair Bolsonaro, em novembro de 2020, comemorando a suspensão de testes da CoronaVac após a morte de um dos voluntários, mas, dias depois, a Anvisa concluiu que o óbito não teve relação com o imunizante
“Tentando controlar o mundo? Vejo que não conseguirás. O mundo é um vaso espiritual e não pode ser controlado”
Ernesto Araújo, então ministro das Relações Exteriores, em novembro de 2020, citando o filósofo chinês Lao Tzu para alfinetar a China
“O governo Jair Bolsonaro declarou apoio à aliança Clean Newtork, lançada pelo governo Donald Trump, criando uma aliança global para um 5G seguro, sem espionagem da China”
Eduardo Bolsonaro, deputado federal, em novembro de 2020
“A da China (vacina), nós não compraremos, é decisão minha. Eu não acredito que ela transmita segurança suficiente para a população. A China, lamentavelmente, já existe um descrédito muito grande por parte da população, até porque, como muitos dizem, esse vírus teria nascido por lá”
Jair Bolsonaro, em outubro de 2020
“Geopoliticamente, quem podeLá saiL foLtalecido, em teLmos Lelativos, dessa cLise mundial? PodeLia seL o Cebolinha? Quem são os aliados no BLasil do plano infalível do Cebolinha paLa dominaL o mundo?”
Abraham Weinbraub, então ministro da Educação, em abril de 2020, num post em que trocou o “r” pelo “l” para acusar a China de ter se fortalecido com a pandemia
“Quem assistiu a Chernobyl (série da HBO) vai entender o que ocorreu. Substitua a usina nuclear pelo coronavírus e a ditadura soviética pela chinesa. Mais uma vez, uma ditadura preferiu esconder algo grave a expor tendo desgaste, mas que salvaria inúmeras vidas. A culpa é da China, e liberdade seria a solução”
Eduardo Bolsonaro, em março de 2020
“As críticas do deputado Eduardo Bolsonaro à China não refletem a posição do governo brasileiro. Cabe lembrar, entretanto, que em nenhum momento ele ofendeu o chefe de Estado chinês. A reação do embaixador foi, assim, desproporcional e feriu a boa
prática diplomática”
Ernesto Araújo, em março de 2020, reagindo à resposta da embaixada da China de que Eduardo Bolsonaro teria contraído “vírus mental”