SENADO

Comissão questiona chanceler sobre política ambiental de Salles e de Bolsonaro

Em encontro da Comissão de Relações Exteriores com Carlos Alberto França, a presidente do colegiado, a senadora Kátia Abreu, afirmou que o país perde bilhões de reais em comércio internacional com a política de combate ao desmatamento ineficiente

Luiz Calcagno
postado em 06/05/2021 16:53
 (crédito: Leopoldo Silva/Agência Senado)
(crédito: Leopoldo Silva/Agência Senado)

A reunião da Comissão de Relações Exteriores do Senado desta quinta-feira (6/5) para ouvir o ministro das relações Exteriores, o chanceler Carlos Alberto França, começou em tom ameno. A presidente do colegiado, Kátia Abreu (PP-TO) apresentou de forma pontual algumas exigências ao chefe do Itamaraty, que se mostrou preparado para respondê-la. Além disso, França não precisou responder a muitos questionamentos. Na parte final do encontro, porém, a senadora foi dura nas críticas contra a política internacional do governo Bolsonaro.

Mesmo com um novo chanceler aparentemente mais pragmático em comparação a Ernesto Araújo, olavista ideológico que deixou o cargo sob forte crítica do Senado, Kátia Abreu deixou claro que o governo segue dando sinais de isolacionismo internacional. Um deles foi a fala de Bolsonaro em um evento público, fazendo menção indireta ao maior parceiro comercial internacional do Brasil, a China, ao insinuar que o coronavírus poderia ter sido produzido em laboratório e falar em guerra química.

Posteriormente, Bolsonaro tentou fugir da responsabilidade das próprias palavras, afirmando não ter mencionado a China no discurso. França foi cuidadoso e lutou para não fugir do tema, mas teve dificuldade em responder às críticas levantadas pela senadora, que falou da possibilidade de convocação de representantes do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para esclarecer o motivo da fala de Bolsonaro e se o presidente teria sido orientado.

França tentou amenizar. Disse que não pode comentar as declarações do presidente, e, sim, o oposto, e lembrou do presidente, posteriormente, ter insistido que não tocou no nome da China (embora tenha feito menção ao “país que mais cresceu no PIB”, o que aponta diretamente para a China). “Eu estava ao lado dele e ele disse que não falou da China, como militar, tratou de assuntos que aprendeu na Academia Militar das Agulhas Negras, nunca mencionou a China. É um grande país e a parceria é positiva, e não se alterava", justificou o chanceler.

“Em relação às vacinas, a primeira vacina aplicada no Brasil foi a chinesa, CoronaVac. E o primeiro país a vacinar no mundo o fez em dezembro do ano passado, e o Brasil fez dois meses depois. Temos uma atuação do governo federal que cumpriu sua palavra. Assim que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovar os imunizantes, estarão disponíveis à população brasileira, independente de uma obrigatoriedade”, completou, amenizando outras declarações do presidente, contrárias à compra de vacinas, que acabou sendo feita pelo governo de São Paulo.

“Quero muito crer nisso”, afirmou Kátia Abreu que, em seguida, partiu para cima do posicionamento do governo em relação ao meio ambiente. Sobre a disputa do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, com o consumidor europeu, que reclama da fragilidade da política de desmatamento do Executivo. Ela lembrou que o Brasil não tem poder econômico para fazer esse tipo de queda de braço, e que o país perderá e enfrentará ainda mais desemprego se perder esse mercado.

Disse, ainda, que o Brasil tem uma legislação rígida quanto ao desmatamento ilegal e deve cumpri-la, e que o governo precisa ouvir os parlamentares europeus, que representam justamente o público consumidor da Europa, assim como os parlamentares brasileiros representam o povo brasileiro. “Se continuarmos nesse cabo de guerra, vamos perder exportações. E, atrás das exportações, não são os grandes empresários que vão quebrar. São os empregos que serão diminuídos. Torço pelos empresários, para que possam manter milhares de empregos. Ontem, uma cadeia grande de supermercados na Inglaterra já vetou produtos do Brasil por conta do desmatamento” destacou a presidente da comissão.

Segundo Kátia Abreu, Salles e o governo tentam mudar a situação com argumentos vazios, em vez de trabalhar para diminuir o desmatamento. Também nesse caso, a resposta do chanceler se limitou a uma argumentação do próprio Salles, de que é preciso um programa social para dar condições financeiras e, assim, retirar desmatadores e garimpeiros de terras indígenas e áreas protegidas da Amazônia.

Redução de emissões de carbono

Outro tema sensível em que Kátia Abreu foi contundente com o chanceler foi o comentário sobre o tempo que o presidente da República propôs para zerar as emissões de carbono na Cúpula do Clima em 22 de abril. “O senhor diz que os Estados Unidos contribuem com 13% das emissõe da gases, a China, 23%, a Índia com 7%, e o Brasil está entre os 10 maiores emissores, com 4%. Meu sonho é sair da lista dos 10. É desproporcional o percentual de emissões”, admitiu para, em seguida, mostrar que a proposta do governo é insuficiente.

“É proporcional o tempo de redução dessas emissões (no Brasil) quando esses outros países precisam reduzir muito mais? É justo que a China tenha 60 anos e o Brasil, 50? E os Estados Unidos e o Brasil precisarem do mesmo período para reduzir as emissões? Será que agimos com inteligência na Cúpula do Clima?”, questionou. O ministro admitiu que a senadora estava dando uma aula sobre política internacional. Kátia Abreu continuou.

“Diferentemente da China, da Índia, dos EUA e do resto do mundo, a redução deles tem um custo altíssimo financeiro econômico. Eles têm que mudar a matriz energética. Além de ter um esforço sobre-humano, precisarão de bilhões para fazer a distribuição. E o Brasil tem 4% e não precisará de US$ 1 bi para reduzir o desmatamento. Temos orçamento de R$ 130 milhões. Se dobrarmos esse valor para mais R$ 130 mi, mais R$ 150 mi, conseguimos uma grande força tarefa para reduzir o desmatamento esse ano”, propôs.

A senadora também protocolou um projeto de lei alterando a meta de redução das emissões de 2030 para 2025. Disse que está sendo pragmática e que acredita que o prazo é justo. “Quero fazer bonito para os exportadores brasileiros, para que tenham portas abertas com maior velocidade lá fora. É comércio, é mercado, é apoio da União Europeia se concretizando. Dois anos de desmatamento destruíram a possibilidade de um acordo comercial que representaria 25% do PIB mundial, representaria uma subida em 10 anos da renda per capta brasileira duas vezes mais que sem o acordo”, expôs.

“O fato de não termos R$ 300 mi para combater o desmatamento está fazendo com que o Brasil perca bilhões e bilhões. Os empresários sobreviverão, mas poderão fechar as fábricas, colocar milhares de pessoas na rua se não ampliarmos exportações. Temos que ampliar para China o dobro que exportamos hoje. Ampliamos empregos, se conseguirmos habilitar com a China novos frigoríficos. Mas com um clima desse sendo criado, com que cara chegaremos até lá pedindo essas habilitações”, destacou.

A parlamentar lembrou ainda que 2% dos 4% de emissão de carbono do Brasil ocorrem por conta do desmatamento. “Se reduzimos, alcançamos, nos próximos três quatro anos, nossa meta antecipadamente. E isso abre portas para o comércio. Qualquer país que faz acordo com a Europa é abertura de portas, pois os outros países copiam o que a Europa faz. A CRE não vai mais pegar carona ou ser coadjuvante nos acordos comerciais, cúpulas, reuniões e entendimentos. Queremos somente ajudar”, disse. No fim, afirmou que Bolsonaro teria marcado um gol ao fechar o acordo entre União Europeia e Mercosul, mas “alguém” o impediu. “Foi quem permitiu a ampliação do desmatamento de forma desenfreada”.

Realidade inafastável

O chanceler admitiu que o meio ambiente é um dos eixos centrais da geopolítica mundial, mas tratou o assunto como “narrativa ambiental”. “A questão do meio ambiente não é do meu ministério, mas o Itamaraty tem muito a dizer”, afirmou em seguida. “Duas questões parecem clara. O Brasil tem uma legislação ambiental rígida e um mercado de crédito de carbono que podemos explorar. Uma das principais causas do problema no Brasil é o desmatamento. E é uma solução de baixa complexidade quando comparamos com as mudanças de China e EUA, que precisam alterar as fontes de energia e controlar a queima de combustíveis”, concordou.

“O ministro Salles já havia dito que o Brasil tem um volume certificado pela ONU de crédito de carbonos que daria ao país a oportunidade de vender mais de US$ 130 bi em crédito desde o governo Dilma. Temos um passivo a cobrar. Ainda que não seja factível, vamos precisar do esforço em pedir a implementação do artigo 6º do Acordo de Paris. O Orçamento brasileiro é limitado. Eu louvo o PL de alterar a meta de 2030 para 2025. É preciso montar um cronograma financeiro para que aconteça, ver como vamos adquirir esses recursos”, respondeu.

Ainda segundo o ministro, o Brasil precisa encontrar meios para “financiar o desenvolvimento de outras atividades de pessoas que estão na ilegalidade e que nos comprometem na meta que assumimos de diminuir o desmatamento ilegal”. Também disse que Bolsonaro tem a mesma visão que Kátia Abreu no que diz respeito à iniciativa privada, e fez questão de dizer que o Itamaraty tem trabalhado para o setor junto a outras pastas, como o Ministério da Agricultura.

“O acesso ao mercado é uma realidade inafastável. Cada vez mais os produtos precisam de selo ambientalmente sustentável. Esse é o caminho. O caminho que o Executivo pode fazer, que será de uma ajuda do parlamento, é criar condição ao empresário para que a gente possa produzir de maneira cada vez mais sustentável e economicamente rentável”, sugeriu.

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