A preocupação do governo federal com a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid tem direta relação com as eleições de 2022. É que o colegiado se torna um problema a mais para o presidente Jair Bolsonaro equilibrar até lá, além de uma possível terceira onda da pandemia, a dificuldade de vacinar a população, o desemprego e o Orçamento apertado. E se em público o chefe do Executivo diz não se preocupar com o colegiado, nos bastidores o assunto domina o Palácio do Planalto.
Há, ainda, um agravante. Inapto nas articulações com o Congresso desde o início do mandato, Bolsonaro sabe que a CPI não só dará trabalho ao governo como jogará luz sobre cada problema que a pandemia causar e os erros cometidos no combate ao coronavírus.
A CPI tem duração definida de 90 dias, mas a expectativa é de que seja prorrogada por igual período. Caso isso se concretize, os trabalhos dos parlamentares só terminarão no fim do ano, quando os candidatos às eleições de 2022 já estarão se apresentando.
Parlamentares independentes, governistas e oposição admitem que será difícil para Bolsonaro se descolar do próprio negacionismo e das consequências de suas ações. Para o senador Lasier Martins (Podemos-RS), se o colegiado durar até dezembro e ficar sob pressão da oposição, causará “um profundo prejuízo” para a candidatura do presidente.
“Vão insistir nas omissões, nos descasos, na contramão da máscara, de recusar a contratação de vacina. São erros graves. Ao que tudo indica, isso será trazido para a CPI. Se acontecer, vai provocar um prejuízo inevitável para Bolsonaro”, avalia. Ele diz ter votado no presidente, mas revela descontentamento. “É indispensável surgir uma terceira via (a Bolsonaro e ao PT). Votei nele, mas tenho sofrido decepções. Teremos grandes dificuldades econômicas. Precisamos que surja um terceiro”, frisa.
Já o senador Jayme Campos (DEM-MT) é crítico da CPI e insiste na mesma tecla de Bolsonaro, de que o colegiado precisa investigar governadores e prefeitos. Ele também diz não acreditar que os trabalhos durem até dezembro, mas admite que o grupo mal começou e já traz prejuízos. “Não há como negar. É preciso saber, no fim, sobre quem vai recair o desgaste. Alguém vai pagar a conta. Quem conduziu mal a política? Vai responsabilizar autoridades? Houve negacionismo? A CPI tem papel preponderante para esclarecer alguns pontos e não pode virar palanque eleitoral”, argumenta, lembrando que governadores também devem estar no alvo das atividades.
Integrante do colegiado, Humberto Costa (PT-PE) afirma que a comissão levará ao conhecimento da população omissões do governo federal no enfrentamento à crise sanitária e ações de desvio de dinheiro público por parte de governadores. “A CPI tem todas as condições de revelar à sociedade e ao Brasil tudo o que aconteceu e as responsabilidades. Eu acredito que pode, sim, mudar a opinião das pessoas, especialmente no que diz respeito à ação do governo federal”, frisa. “A gente pode deixar claras para todo mundo as atitudes que produziram esse quadro difícil que passamos agora e que certamente terão repercussões eleitorais.”
Antídoto
Para o analista político Melillo Dinis, do portal Inteligência Política, o cenário pandêmico terá impacto nas pretensões de Bolsonaro. A tendência é de que o número de mortos cresça, bem como a crise econômica, a fome e o desemprego. Na opinião dele, o governo tem razão em estar preocupado, embora atue de forma capenga na articulação. “O governo age com amadorismo. Todo esse medo significa confissão de culpa. Era muito melhor atribuir isso à crise da pandemia, mas o governo leva para o colo todo o pandemônio com esse tipo de atitude. É impressionante o conjunto de tiros no pé que o governo oferece contra si próprio”, destaca.
Segundo Melillo, a CPI deve abrir um flanco para a chamada terceira via. E um dos candidatos é justamente o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, que vai depor no colegiado na próxima terça-feira. “O primeiro que vai abrir o flanco para fora da polarização é candidatíssimo, chamado Luiz Mandetta. Na terça, estreia com esse personagem, alguém que tentou resolver a confusão e não foi adiante pelo negacionismo do presidente”, ressalta o especialista.
Segundo o analista político Creomar de Souza, da Consultoria Dharma, o governo ainda tem como trunfo a vacinação. Se conseguir imunizantes e acelerar o processo, pode evitar parte do desgaste com um “erramos, mas entregamos”. Para ele, o colegiado atinge a candidatura do chefe do Planalto porque será um processo de sangria constante para o Executivo. “Bolsonaro tem um piso de 23% (de apoiadores) que é alto, mas o teto está diminuindo. A CPI pode fazer com que esse teto diminua cada vez mais, gerando um desgaste via convocações, depoimentos e embates legislativos”, afirma. “Os senadores não vão querer que acabe em pizza, pois isso também traria efeito eleitoral. E o governo precisa ajustar uma agenda que mostre efetividade. Vacinar muito, e muito rápido”, enfatiza.
“Vão insistir nas omissões, nos descasos, na contramão da máscara, de recusar a contratação de vacina. São erros graves. Ao que tudo indica, isso será trazido para a CPI. Se acontecer, vai provocar um prejuízo inevitável para Bolsonaro”
Lasier Martins, senador
“A CPI tem papel preponderante para esclarecer alguns pontos e não pode virar palanque eleitoral”
Jayme Campos, senador
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