INVESTIGAÇÃO

CPI da Covid vai rastrear o início da tragédia sanitária

Comissão aprova a convocação dos ex-ministros da Saúde na gestão Bolsonaro e do atual titular da pasta. Ideia é construir uma ordem cronológica. Sessão tem bate-boca de governistas que tentaram emplacar requerimentos de interesse do Planalto

A partir dos depoimentos marcados para a próxima semana, a CPI da Covid pretende construir uma linha do tempo sobre as decisões do governo no enfrentamento à pandemia do novo coronavírus, que superou, ontem, a marca de 400 mil mortes. O objetivo é começar pelo relato do primeiro ministro da Saúde a conduzir o combate à crise sanitária, Luiz Henrique Mandetta, chegando à oitiva do atual titular da pasta, Marcelo Queiroga, revendo desde as primeiras medidas até a lentidão em fechar acordos para a aquisição de vacinas contra a doença.

Seguir a ordem cronológica foi uma estratégia para conseguir consenso entre oposição e base do governo, partindo da análise dos fatos da esfera federal para os âmbitos locais, caso os depoimentos direcionem para esse caminho. “Não adianta a gente colocar no plano de trabalho que, supostamente, o fulano de tal vai falar isso. Nós temos o escopo de como vai começar, mas o que vai ditar a CPI são os acontecimentos, os fatos, os depoimentos, as testemunhas. Aí, sim, a gente pode chegar a uma redação final”, ressaltou o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), completando que o intuito do colegiado também é propor soluções.

Ontem, o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL) e o vice-presidente Randolfe Rodrigues (Rede-AP) apresentaram o plano de trabalho. O foco, de acordo com o texto, é avaliar se o poder público usou todos os meios necessários para combater a pandemia. Um dos temas centrais é definir se o governo federal, de alguma maneira, atrasou a compra das vacinas CoronaVac e da Pfizer.

Os primeiros convocados serão os ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, com depoimentos na terça-feira; e Eduardo Pazuello, convocado a comparecer um dia depois. Eles devem ser ouvidos na condição de testemunha. O presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, também foi chamado para a semana que vem, mas os governistas conseguiram adiar a convocação do ex-secretário de Comunicação Fábio Wajngarten.

Também serão apurados compra de insumos e respiradores, abertura de leitos, falta de oxigênio em Manaus e se o governo realizou campanhas de alerta à população para impedir a propagação do vírus, assim como incentivos ao isolamento social. “Todos faremos um trabalho de investigação profundo, mas absolutamente isento”, afirmou Calheiros. Ele criticou ações de apoiadores do governo na Justiça para tentar retirá-lo da relatoria da comissão. “É algo nunca visto aqui na história das CPIs, infelizmente. Só devem ter preocupação os aliados do vírus”, frisou.

De acordo com Randolfe Rodrigues, não serão atendidos pedidos que tentam alargar o escopo das investigações, visando desviar o foco de autoridades envolvidas. “Vamos seguir a delimitação do despacho do presidente (do Senado) Rodrigo Pacheco. Não vamos deixar que se faça desta CPI a CPI do fim do mundo, que a todos se investiga e não chega a lugar nenhum”, completou.

O plano de trabalho, no entanto, foi ampliado com a inclusão do requerimento do senador Eduardo Girão (Podemos-CE) para que a comissão apure eventuais desvios de verbas destinadas pela União a estados e municípios. À medida que a CPI for avançando, o tema entrará em pauta.

Clima tenso

A sessão de ontem foi paralisada por alguns minutos em razão de um bate-boca entre Calheiros e integrantes da ala governista do colegiado. As discussões começaram depois que o relator e aliados defenderam que os 332 requerimentos apresentados ao plano de trabalho fossem analisados um a um. Os governistas, como são minoria na comissão, insistiam na votação dos documentos em bloco, o que acabou ocorrendo.

“Não vamos transformar esta comissão numa batalha eleitoral, política. Se algum dos senhores têm problemas a ajustar nos seus estados, precisa ter fato determinado para isso”, disse Calheiros, em referência à pressão dos governistas para que a CPI priorize investigações sobre indícios de irregularidades na aplicação de recursos da União por governos estaduais e municipais.

Ciro Nogueira (PP-PI), aliado do Planalto, reagiu, insinuando que o relator — pai do governador de Alagoas, Renan Filho — esteja com medo das apurações: “Todos (os requerimentos) têm fato determinado. O senhor está com medo de aprovar os de informação, eu creio que é isso que o senhor está mostrando”.

Eduardo Girão, outro apoiador do governo, reforçou a pressão: “Temos de apurar toda a verdade, não apenas uma parte. Então, informação é uma coisa básica. Requerimento de informação não tinha de ter travamento para isso. É para dar celeridade, desde que dentro do fato determinado”.

Calheiros não deixou por menos e ironizou as ações dos defensores do Executivo. “O que eu sei, pelo tempo que estou na Casa, é que essa coisa de tropa de choque, de pegar senadores novos, com carinha de novos, para vir aqui defender coisa indefensável do governo...isso não vai passar”, rebateu.
O clima ficou tenso também por causa da revelação de que sete dos 14 requerimentos protocolados pelos senadores Jorginho Mello (PL-SC) e Ciro Nogueira tinham registro digital indicando que foram produzidos em computadores da Secretaria de Governo, sediada no Palácio do Planalto.

Calheiros argumentou que os requerimentos dos governistas buscavam desviar o alvo das apurações. Marcos Rogério (DEM-RO) rebateu afirmando que “o foco da CPI não pode ser aquele que é dado pelo relator”.

A discussão foi interrompida por Aziz, que anunciou a suspensão da reunião por 30 minutos. No intervalo, ficou acordado que todos os requerimentos de informação fossem aprovados de forma simbólica, como queriam os governistas. Isso foi feito na retomada da sessão. No entanto ficaram fora da votação em bloco os pedidos de convocação de autoridades. Os requerimentos produzidos no Planalto, por sua vez, não serão apreciados.