Requerimentos de senadores governistas elaborados para a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid teriam sido produzidos em computadores do Palácio do Planalto. Ao menos é o que indicam registros eletrônicos referentes a sete documentos que convocam cinco especialistas para criticar o lockdown e defender o tratamento precoce nas sessões. A intervenção médica, amplamente propagandeada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), não tem eficácia comprovada.
Jorginho Mello (PL-SC) e Ciro Nogueira (PP-PI) são os senadores responsáveis por protocolar as convocações, que só passam a valer depois de votação em plenário. O registro dos documentos está em nome de uma funcionária da Secretaria de Governo. Entre os convocados aparecem a médica Nise Yamaguchi e o infectologista Francisco Eduardo Cardoso Alves — ambos defensores do uso da cloroquina para tratamento contra a covid-19.
Além deles, há o psicólogo e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Bruno Campello de Souza, crítico do lockdown; do médico do Hospital Militar de São Paulo Paulo Mácio Porto de Melo; e o prefeito de Chapecó (SC), João Rodrigues (PSD). Os parlamentares governistas apresentaram, ao todo, 14 requerimentos, sendo que só a metade deles foi elaborada no Senado, como revelado pelo jornal O Globo.
Para Renato Ribeiro, professor, advogado na área de direito eleitoral e integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), o uso de equipamentos ou de funcionários do Executivo para conduzir ou influenciar os trabalhos de uma CPI corresponde a crime de responsabilidade praticado pelo presidente da República. "É uma intromissão indevida de um poder sobre o outro. Se fosse uma coisa que acontecesse em um país como os Estados Unidos, haveria reprimendas muito fortes. E o Brasil deveria adotar medidas cabíveis, pois o Executivo é fiscalizado pelo Legislativo. Ainda mais em uma CPI voltada para essa investigação", criticou.
O jurista destaca que, ao ordenar, possibilitar ou permitir que os requerimentos fossem produzidos pelo Executivo para serem protocolados em nome dos senadores, o presidente viola a Constituição Federal, por impedir "o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e Poderes Constitucionais das unidades da Federação".
Questionado sobre a liberdade de parlamentares governistas protocolarem requerimentos sob orientação do governo para defender o presidente, por exemplo, Renato Ribeiro explicou que a forma é fundamental nesse caso: "Você pode ser governista, apoiar o governo federal, ter atitudes para blindar o governo, mas isso não pode ser suficiente para as pessoas usarem instrumentos do próprio governo na colocação da verdade. É o uso de equipamentos para frustrar uma investigação ou favorecer o interesse do governo (pelo colegiado que o fiscaliza). Para fazer isso do próprio gabinete, o parlamentar é livre e tem estrutura para fazê-lo", destacou o advogado.