Um movimento na diretoria nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) mostra a insatisfação com as manifestações políticas do presidente da Ordem, Felipe Santa Cruz, e o embate interno que se forma de maneira clara. O vice-presidente da Ordem, Luiz Viana Queiroz, e outros dois dos cinco integrantes da diretoria assinam um manifesto que será publicado nesta quarta-feira (28) dizendo que é preciso ‘corrigir rumos’ da entidade e pedindo para que a entidade se “afaste das disputas político-partidárias”.
Além de Viana, que admite abertamente que quer ser candidato a presidente da OAB em 2022, assinam o documento o secretário-geral adjunto, Ary Raghiant Neto, e o diretor-tesoureiro, José Augusto Araújo de Noronha. Ao Correio, Viana diz que esse texto, com o título ‘Manifesto do movimento em defesa da advocacia’, deve ser assinado também por centenas de advogados, entre presidentes e conselheiros das seccionais.
Ele evitou críticas diretas ao presidente, dizendo que não iria ‘personalizar crítica a ninguém’, mas afirmou que se observam esforços e energias dispersas em outras áreas, e que o momento é de foco. “A OAB não tem dono e nem partido, e uma eventual candidatura do presidente Felipe Santa Cruz no Rio de Janeiro não é problema da OAB. Isso diz respeito a ele. A OAB está no campo de Direito, e não na política partidária”, frisou.
O texto traz o mesmo teor da fala de Viana: “Temos orgulho da história e da tradição de lutas da Ordem dos Advogados do Brasil, ao longo de seus 90 anos, mas é preciso que façamos uma correção de rumos que nos afaste das disputas político-partidárias e recupere a credibilidade e eficiência da instituição, outrora inquestionáveis. Voz independente e abalizada da sociedade civil, sempre foi capaz de negociar o que é negociável (...) e, ao mesmo tempo, enfrentar com altivez as ameaças e violações do que é inegociável, como é o caso de nossas prerrogativas”, diz o manifesto.
Planos políticos
A insatisfação interna com as posições do presidente da Ordem, que não poupa críticas ao presidente Jair Bolsonaro, vem de tempos. A gota d’água, que motivou o manifesto, conforme apurado pela reportagem, foi o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), convidar Santa Cruz para ser candidato ao Executivo do estado do Rio de Janeiro em 2022, como divulgado no último dia 6 pela coluna de Mônica Bergamo, na Folha de S. Paulo. À coluna Radar, da Veja, Santa Cruz havia admitido no mês passado a possibilidade de disputar o Senado ou governo do Rio em 2022.
“Ao dispersar esforços e energias com objetivos alheios aos interesses da coletividade, a instituição muitas vezes negligencia a defesa da advocacia diante de problemas de toda sorte que surgiram ou foram agravados pelas crises que enfrentamos, potencializadas pela emergência sanitária”, diz o manifesto a ser publicado amanhã.
O vice-presidente da entidade ressaltou ao Correio que o momento de crise econômica e sanitária que atinge o país traz um cenário muito ruim à advocacia, e que tudo isso “exige união e posições firmes das lideranças”. “É preciso fazer uma correção de rumos para a gente se distanciar das disputas políticas e partidárias, para recuperar a nossa credibilidade e eficiência”, frisou, dizendo que é importante não “perder de vista os compromissos institucionais da OAB na luta defesa da democracia, dos direitos humanos, da justiça social".
O advogado disse que não se arrepende de ter sido candidato a vice na chapa de Felipe Santa Cruz, mas que “de 2019 para cá, as coisas mudaram muito”. “Essas mudanças estão se refletindo num movimento em defesa da advocacia, movimento no qual não se encontra o presidente Felipe Santa Cruz”, afirmou. Viana relatou que a OAB deve defender o estado democrático de direito e se manifestar sempre que houver violação da Constituição Federal. Mas que os posicionamentos da Ordem precisam ser no âmbito institucional e jurídico. “A OAB não pode participar de críticas político-partidárias”, disse.
Confira o manifesto na íntegra:
MANIFESTO DO MOVIMENTO EM DEFESA DA ADVOCACIA
A advocacia brasileira sofre gravemente os efeitos da pandemia da Covid-19, que já cobrou a vida de milhares de pessoas e vem redesenhando as relações humanas e laborais numa escala sem precedentes.
A situação torna-se ainda mais grave diante das crises econômica, política, moral e jurídica, cada uma com suas características próprias, mas que nos atingem a todos.
São tempos de incerteza, que demandam união e posições firmes das lideranças da advocacia para enfrentar e vencer esses desafios.
Temos orgulho da história e da tradição de lutas da Ordem dos Advogados do Brasil, ao longo de seus 90 anos, mas é preciso que façamos uma correção de rumos que nos afaste das disputas político-partidárias e recupere a credibilidade e eficiência da instituição, outrora inquestionáveis.
Voz independente e abalizada da sociedade civil, sempre foi capaz de negociar o que é negociável, como a paradigmática atuação de Raimundo Faoro para o retorno do habeas corpus, e, ao mesmo tempo, enfrentar com altivez as ameaças e violações do que é inegociável, como é o caso de nossas prerrogativas.
Ao dispersar esforços e energias com objetivos alheios aos interesses da coletividade, a instituição muitas vezes negligencia a defesa da advocacia diante de problemas de toda sorte que surgiram ou foram agravados pelas crises que enfrentamos, potencializadas pela emergência sanitária.
A dignidade da advocacia dilapida-se pela míngua de honorários e pelas constantes tentativas de setores do Poder Judiciário e do Ministério Púbico de relativizar as garantias obtidas na Constituição Federal de 1988 em relação ao devido processo legal e à indispensabilidade da advocacia para a administração da Justiça, criando falsas hierarquias com intuito de subordinar advogadas e advogados, contra o texto expresso da Lei.
Ainda que sejam necessárias à adaptação do exercício da profissão ao imperativo do distanciamento social, ferramentas virtuais são muitas vezes usadas para esvaziar o trabalho da advocacia e para justificar o afastamento do Judiciário, com fechamento de fóruns ou a dispensa do comparecimento às unidades judiciárias de Juízes e servidores, transferindo-se para a parte e a advocacia os deveres da prestação jurisdicional pelo Estado como é o caso da presença segura de testemunhas em audiências públicas.
Alia-se a isso tudo o desafio interno de democratizar a OAB, que, gradualmente vem sofrendo o negativo impacto de decisões cada vez menos participativas da advocacia, diluindo nosso espírito democrático.
Vemos, todos os dias, que não são poucas as ameaças à dignidade e ao saudável exercício da profissão, e por isso a advocacia precisa que a OAB seja resgatada para retomar a combatividade corajosa e consciente que já teve e que a impulsionava na defesa de nossos direitos e prerrogativas.
Sem perder de vista nossa missão institucional de, entre outras, defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, os advogados e advogadas subscrevemos este manifesto, afirmando que é chegada a hora de travar o bom combate em defesa da advocacia.