A audiência pública na Câmara dos Deputados com o delegado da Polícia Federal Alexandre Saraiva, ex-superintendente da corporação no Amazonas, nesta segunda-feira (26/4), foi marcada por confusão, bate-boca e críticas por parte de deputados da base do governo. Saraiva foi convidado à Casa para prestar esclarecimentos na Comissão de Legislação Participativa sobre uma notícia-crime apresentada por ele ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. No dia em que ele apresentou a notícia-crime, a PF anunciou a sua saída da superintendência da PF no Amazonas.
Na peça enviada ao Supremo, Saraiva acusa Salles de "organização criminosa" e por tentar "obstar investigação". O ministro teria atuado para proteger madeireiros ilegais, apoiando o desmate e tráfico de 214 mil metros cúbicos de madeira. O material está avaliado em R$130 milhões. Na audiência, Saraiva explicou toda a investigação da PF que gerou a apreensão, e que por meio de laudos foram detectadas fraudes gravíssimas, inclusive uma grilagem de terra em larga escala, e também explicou o motivo pelo qual enviou a notícia-crime contra Salles.
O policial ressaltou que o ministro, além de várias entrevistas criticando a operação, foi à região onde se apreendeu a madeira e “fez uma pseudoperícia”. “De 40 mil toras, olhou duas, e disse que conferiu e que a princípio estava tudo certinho, que as pessoas apresentaram as escrituras”, afirmou. Com os documentos em mãos, a PF apurou que houve uma reunião organizada e com pelo menos uma participação direta do ministro.
“Quando aquilo se mostrou uma fraude imensa onde se buscava iludir a autoridade policial, eu entendi como correto encaminhar notícia-crime ao Supremo apontando aquele fato”, justificou. De acordo com ele, os processos que autorizaram a extração daquela madeira apreendida tinham um “vício insanável”. “Foram tiradas de uma terra que não pertence àquelas pessoas”.
Além da ‘pseudoperícia’ apontada pelo delegado, ele afirmou que existem aproximadamente 40 pontos de apreensão de madeira, mas apenas 10 pessoas apresentaram essa documentação. “Temos mais de 70% da madeira apreendida que não apareceu dono, ninguém reivindicou. É uma coisa muito séria. Se ninguém reivindicou, como o ministro pode dizer que está tudo certo, que a operação da PF está errada?”, questionou.
De acordo com Saraiva, Salles tinha em mãos todos os laudos periciais feitos pela PF, e ressaltou que a principal empresa que atua na região já recebeu mais de 20 multas do Ibama, devendo aproximadamente R$9 milhões. “O senhor ministro fez uma inversão: tornou legítima a ação dos criminosos, e não dos agentes públicos. Foi isso que nos motivou a fazer essa notícia-crime”, frisou. O ministro foi defendido com afinco por deputados da base governista, principalmente os ligados à ala mais ideológica.
Major Vitor Hugo (PSL-GO), ex-líder do governo na Casa, afirmou que a atuação do delegado tem viés político. “Nosso governo tem interesse de fazer o equilíbrio entre a necessidade de se preservar mas também de desenvolver a economia do país. Não compactuamos com nenhum crime ambiental. se tivesse sido cometido, que os responsáveis fossem punidos, mas dentro do devido processo legal”, afirmou. O parlamentar criticou que o delegado não condenou ou inocentou as empresas envolvidas, e que as madeiras ficaram paradas, apodrecendo e sem destinação.
A deputada Caroline de Toni (PSL-SC) disse que o delegado manifestou parcialidade nas expressões que usou e na forma como rebateu as informações. “Mostrando que parece que é juiz da causa, que nem ouviu os acusados e já está dizendo que está tudo errado. Pré-julgou os processos sem ouvir as pessoas”, afirmou.
Já parlamentares da base aproveitaram a oportunidade para criticar o governo e o ministro Salles, além da própria postura da base governista. Camilo Capiberibe (PSB-AP), por exemplo, afirmou que “muitos que estão questionando a atuação da Polícia Federal se elegeram defendendo a atuação da Polícia Federal. “É muito curioso ver essa mudança de comportamento”, disse.
Joseildo Ramos (PT-BA) lembrou da reunião ministerial de abril do ano passado, cujo vídeo foi divulgado e no qual Salles aparece falando em “aproveitar” que os olhos estavam voltados à pandemia para “passar a boiada”. "Todos lembram daquela reunião ministerial que há um ano o ministro Ricardo Salles colocou que deveria aproveitar esse momento da pandemia para que se pudesse passar a boiada. É um réu previamente confesso”, afirmou.
Já a parlamentar Alê Silva (PSL-MG) chamou o delegado de “suspeito” e “incompetente”. Alexandre Saraiva rebateu, dizendo que a deputada era incompetente devido à quantidade de projetos apresentados e relatados. A afirmação do delegado gerou manifestação de outros deputados da base, que disseram que o funcionário público os estava ofendendo.