Brasília-DF

Vozes dissonantes na Cúpula do Clima

Ao menos três vozes brasileiras tentam ser ouvidas na Cúpula do Clima, que começa hoje. Com a proximidade do evento organizado pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, avolumam-se as reivindicações que se contrapõem ao discurso ambientalista do governo Bolsonaro, tão autêntico quanto uma nota de R$ 3. Governadores tentam abrir um canal paralelo com a Casa Branca. Em carta enviada ao mandatário norte-americanos, os chefes dos Executivos estaduais afirmam também reunir condições de implementar medidas de preservação do meio ambiente. Por último, ganham ressonância vozes que não fazem parte do discurso oficial. Além da carta divulgada por ativistas como Leonardo DiCaprio, Gilberto Gil e Wagner Moura e da mensagem de Greta Thunberg, o mundo está de ouvidos atentos a gente como Sinéia do Vale (foto), convidada para testemunhar a situação dos povos indígenas do Brasil durante o encontro.


Goiânia em chamas

A profusão de vozes paralelas ao discurso oficial do governo brasileiro evidencia a tibieza da política ambiental da gestão Bolsonaro. O descrédito do país pode ser traduzido em números: em março, o desmatamento na Amazônia Legal atingiu o pior nível dos últimos 10 anos. A área destruída foi de 810km², o equivalente à cidade de Goiânia.

Lugar de pária

Considerando as declarações preliminares, a questão que se coloca é o que o Brasil pode tirar da Cúpula do Clima. A insistência do ministro Ricardo Salles em receber fundos para combater o desmatamento corre sério risco de se tornar inócua. Governos e investidores das principais economias mundiais já deixaram claro que não pretendem transferir recursos ao Brasil se o país não apresentar resultados concretos de uma política inequívoca de combate à violência ambiental em curso. Se em 1992 o Brasil tornou-se referência em sustentabilidade, o país se mostra hoje ao mundo em profundo descrédito.


"Nestes últimos dois anos e pouco, o governo federal não deu muita atenção ao tema ambiental, mas queremos que ele dê, e estamos fazendo isso (envio de carta aos EUA) para que o governo federal possa recuperar a sua prática, entrar no tema, e nós também entrarmos no tema, com toda a sociedade brasileira”

Renato Casagrande, governador do Espírito Santo e articulador da carta de 24 chefes de Executivos estaduais enviada ao governo norte-americano

É a economia, estúpido

Assim como ocorreu com a pandemia, o governo ainda não se deu conta de que a inoperância ambientalista produz consideráveis efeitos econômicos. É crescente a disposição de governos, investidores, empresas e consumidores em valorizar os princípios sustentáveis da cadeia produtiva. Basta observar, por exemplo, a pressão exercida para se rastrear as condições ambientais da soja ou da carne produzida no Brasil. Não é por acaso que a postura ambiental do governo motivou, nos últimos dois dias, encontros entre a elite do empresariado nacional e ministros de Bolsonaro.

Lei do silêncio

Por sinal, chama a atenção a lei do silêncio que rege o setor produtivo neste momento delicado para a economia brasileira. Os relatos oficiais sobre as tratativas com o governo se concentram nos comunicados da Fiesp, controlada por Paulo Skaf, aliado de primeira hora de Bolsonaro. Há poucas semanas, o tom de alcova também marcou o jantar entre empresários e o presidente durante o jantar em São Paulo.

Só no zap

Dessa conversa à boca miúda deduz-se: a) uma parte crescente do empresariado se sente incomodada em aparecer em público ao lado do governo Bolsonaro; b) uma parcela importante da elite econômica prefere discutir os problemas nacionais em reuniões fechadas ou grupos de WhatsApp. Nas duas hipóteses, cabe a pergunta: estão com receio da opinião pública?

Manaus agradece

Se, em Brasília, os senadores da CPI da Covid vão esquadrinhar a conduta do governo federal na tragédia de Manaus, os parlamentares amazonenses estão satisfeitos com o desempenho do Palácio do Planalto. Na última terça-feira, a Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas aprovou a concessão de título amazonense ao presidente Jair Bolsonaro. A proposta, de autoria do deputado Delegado Péricles (PSL), recebeu 19 votos favoráveis dos 24 parlamentares que compõem o legislativo local.