O senador Eduardo Girão (Podemos-CE) partiu para a briga pela presidência da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Convid-19. Ele já protocolou oficialmente sua candidatura ao cargo. A expectativa é de que os senadores Omar Aziz (PSD-AM) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP) ocupem, respectivamente, os postos de presidente e vice-presidente, conforme acordo firmado entre os parlamentares. A relatoria deve ficar a cargo de Renan Calheiros (MDB-AL), mas Girão é contrário à indicação por entender que há conflito de interesse. O filho de Calheiros, Renan Filho (MDB), é governador de Alagoas.
Para retirar Calheiros da relatoria — situação que o governo também deseja —, Eduardo Girão resolveu brigar pela vaga de Omar Aziz. Assim, se ganhar, poderá indicar um novo relator. O senador defende que a CPI será mais equilibrada se investigar o governo federal, estados e municípios e criticou a minuta do programa de trabalho da CPI da oposição. A proposta atendeu aos interesses do Planalto, que não quer acumular o desgaste da pandemia sozinho. Segundo Girão, há um exame superficial da covid em relação às outras esferas da federação. Apesar de estar alinhado ao Planalto na guerra da CPI, ele se coloca como um político independente e, por isso, o mais indicado para conduzir os trabalhos.
Em entrevista exclusiva ao Correio, o senador pelo Ceará, autor do pedido de CPI que incluiu estados e municípios na comissão que já investigaria o governo federal, disse não fazer o jogo de ninguém. “Nem de governo e nem de oposição.” Levantou o risco de a CPI se tornar palanque eleitoral e afirmou que é uma humilhação “falar em política” quando a população está morrendo, está internada, ou está com fome. Questionado duas vezes sobre o comportamento do governo federal no combate à pandemia, o parlamentar evitou críticas. “Temos que investigar.”
Quais as expectativas para o andamento dos trabalhos da comissão?
Eu não participei do “acordão”. Não concordo com ele e estou debruçado com a equipe para fazer um plano de trabalho que finalizo nesta terça-feira (20/4). Percebi no plano de trabalho feito pelo pessoal do “acordão” que ali se minimizou os fatos determinados apensados de bilhões de reais enviados de verbas federais para estados e municípios. E não vi lá também, por exemplo, a ideia de ouvir o Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente o ministro Marco Aurélio.
Por quê?
Em abril do ano passado, o Supremo tomou a decisão de dar maior liberdade a estados e municípios com relação ao isolamento social e lockdown. E o tribunal tem muitas informações e pode nos trazer dados. Já que o objetivo é investigar ações e omissões do governo federal, se algumas atribuições foram tiradas do governo e foram passadas para estados e municípios, que a gente veja os dados para embasar nossa decisão.
E o quê mais?
Nosso plano é ouvir, também, todos os ministros da Saúde, e instituições federais e Ministério Público a partir dos escândalos (estaduais). Relacionamos dezenas de operações da Polícia Federal das verbas que foram para estados e municípios. Eu notei que se minimizou isso. E não se pode blindar. Existe uma expectativa enorme da população que CPI investigue todos, e não fique em “pizza” para alguns nessa situação. Minimizou-se muito estados e municípios. Tem que investigar a União? 100% de convicção. Tem fato determinado. Mas também tem dezenas de fatos determinados em verba federal em estados e municípios. E a população quer a verdade toda, e não apenas uma parte.
Estender a investigação a estados e municípios com um colegiado de 11 parlamentares não inviabiliza uma CPI em 90 dias?
Absolutamente. A gente pode prorrogar, se não der. Mas não vejo. Se ficasse só o escopo do primeiro pedido, a mensagem que passaria para a população seria o de um palanque político para 2022. O nosso pedido deu uma imparcialidade maior, um equilíbrio. Se é para se investigar, que se investigue tudo. Equipe não falta no Senado. Cada senador tem direito a 50 assessores. Equipe, vamos ter para trabalhar. Não tenho esses assessores todos. Mas tenho uma equipe compromissada, que vai dar conta do recado. Estou preparando meus requerimentos. Teoricamente, são 550 assessores, fora os da comissão, pessoal de apoio. Dá para focar, equilibrar, elencar prioridades. Não podemos fugir do que foi pactuado. Esse equilibrio veio com nosso pedido.
Ao propor um escopo maior das investigações, o senhor não acaba ajudando o governo?
Não faço o jogo de ninguém. Nem de governo, nem de oposição. Estou aqui com minha consciência e coerência. Se pegar meu histórico de votação, vai ver minha coerência em relação ao governo. Vou te dar dois exemplos. Um com a votação do ministro Kássio Nunes Marques. Dos 81 senadores, só eu e o (Jorje) Kajuru (Podemos-GO) votamos publicamente contra, na sabatina do Senado. E foi indicação do presidente da República. Segundo, uma das bandeiras fortes do presidente da República é a flexibilização do porte de armas. Eu não só votei contra para derrubar o decreto, mas fui também um dos articuladores para a derrubada.
Apesar disso, o senhor é tido como governista.
Eu tenho uma posição clara de independência. E não tenho nenhuma indicação para cargo federal, estadual ou municipal. As emendas parlamentares, eu não tenho nada, só as impositivas, e faço minha prestação de contas de 100% delas para meu estado e meu povo. O que é ser governista? Eu não acho justo que a investigação fique desequilibrada no aspecto de ver uma parte da verdade, e não toda a verdade.
Quais foram os problemas nos estados?
Vimos as operações na televisão, os documentos. Tem o Consórcio Nordeste, associação de governadores do Nordeste para comprar insumos em escala. Esses governadores compraram 300 respiradores no momento que a população mais precisava. Não sei qual a relação, quero descobrir na CPI, mas foi comprado da indústria da maconha, que Hempcare e Hempshare. Só o estado do Ceará pagou R$ 10 milhões. Esses respiradores até hoje não chegaram. Ninguém consegue falar, é uma dificuldade. Já mandei ofício para o governador, para a empresa, e a informação é que não chegou ainda.
Há algo mais?
Existem várias dúvidas sobre hospitais de campanha, feitos e no momento que a população mais precisava foram desativados. Hospitais de R$ 100 milhões. Todo mundo sabia que ia ter a segunda onda. Quando chegou a denúncia, desmontaram o hospital da noite para o dia. Estamos querendo buscar a verdade. E sempre dar o contraditório e ampla defesa. E não fazer pré julgamentos, como candidatos que estão se declarando como presidente e relator, e outros membros da comissão já estão fazendo julgamentos. Antecipando. Tem suspeição aí. Não por ter filho governador ou projeto presidencial para 2022, não por isso, apenas, mas por estar antecipando o julgamento.
Vários ex-ministros devem ser convocados. O senhor acha que a comissão vai trazer desgaste para o governo?
Se a comissão for técnica e não tiver palanque político como interesse, vai prestar um grande serviço à nação. Em um momento como esse, seria um desrespeito às pessoas que estão morrendo, estão internadas, estão com fome, se falar em política. É até uma covardia. Eu espero que a verdade venha de todos os lados. Temos que ouvir todos. Todas as partes que potencialmente podem ter problemas na gestão da pandemia. Sou favorável que a gente ouça. Sou favorável que chamem todos os ministros, desde o primeiro.
O senhor está entre os que assinaram a primeira proposição de criação da CPI?
Eu estava no plenário no dia que o senador Randolfe Rodrigues — que é meu colega, gosto muito dele — veio pedir minha assinatura. Quem estava do meu lado e é testemunha é o senador Alessandro Vieira (Cidadania (SE). Eu disse, na hora, que se ele incluísse estados e municípios, eu assinaria naquele momento. Ele disse que não dava, que o escopo estava montado. O Alessandro Vieira concordou comigo.
E o que o senhor fez?
Acabou aquela sessão, voltei para o gabinete e pedi para a equipe (preparar o pedido de ampliação). Comecei a colher assinatura no dia 2 de março. Não foi uma coisa oportunista. Eu não assinei a dele, mas assinei a minha, que inclui investigação do governo federal no começo e no final. A intenção é ser uma CPI ampla, independente e justa, sem conflito de interesse. O grande problema é o conflito de interesses na questão do “acordão” que foi feito.
Porque o senhor critica o “acordão”?
Primeiro porque tem um flagrante conflito de interesse. Tem uma questão de falta de isenção, que é o mínimo a esperar por uma CPI. Tem o senador Renan Calheiros com o filho governador. O suplente, Jader Barbalho (MDB-PA), também. Tinha que ver isso, corrigir isso. E um dos motivos de eu entrar como candidato a presidente é que o presidente escolhe o relator. Esse é o motivo de a gente tentar. A sociedade está acreditando que o Senado fará algo imparcial. É uma demanda legítima. Não podemos frustrar essa expectativa da população, ou será uma CPI Fake.
Como vê a atuação do governo durante a pandemia?
É isso que nós vamos investigar. Acredito que precisamos ouvir entidades, ex-ministros, especialistas. Vai enveredar por um caminho para buscar toda a verdade. Não posso fazer um pré-julgamento. Temos que ouvir a todos para fazer algo que seja técnico. Vamos ouvir médicos, de um lado e de outro, que pensam em linhas diferentes. Não falo em medicamento, mas em tratamento imediato. Temos que ver o que ocorre no mundo em protocolos. Precisa de uma imersão nisso aí. Fiz um debate no Senado, que teve certa resistência no começo, mas conseguimos aprovar, trazendo oito cientistas contra e a favor do tratamento profilático. Isso é importante. A ciência existe dos dois lados. Temos que analisar sem viés político.
O presidente fez aglomerações, criticou o lockdown, o uso de máscara, participou de manifestações, disse que não compraria vacina, atrasou a compra de vacinas, comemorou a suspensão dos testes de uma das vacinas, demitiu três ministros da Saúde. Isso não é um governo negacionista?
Isso precisa ser investigado. É isso que precisamos fazer. Tudo isso, precisamos aprofundar, e dar o direito de contraditório e ampla defesa, que é constitucional. Tudo isso faz parte do escopo da CPI. Como a questão da falta de oxigênio em Manaus. Tudo isso tem que ser visto. Também temos que ver eventuais tragédias que ocorreram na questão do desvio de verbas. Como diz o senador Álvaro Dias (Podemos-PR), a corrupção, desvio público, o roubo em época de pandemia, não é apenas crime contra a administração pública; é assassinato. Descobriram no Pará uma parede falsa que escondia dezenas de respiradores novos. Temos que ver tudo.
Pazuello, quando ainda era ministro, pediu que não houvesse CPI durante a pandemia, porque prejudicaria o combate ao vírus. Há esse risco?
A CPI é um fato. E a gente vai ter que ter a responsabilidade, nós senadores, de conduzir isso de uma forma sem palanque político. Tem que ser uma CPI eminentemente técnica e independente. Tem que ter isenção. Ou vai começar errada, sem credibilidade. Se não tiver conflito de interesse no comando da CPI, pode prestar um grande serviço ao país, como outras CPIs prestaram.