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CPI da Covid: Planalto se arma para a guerra dos 90 dias

Com minoria na comissão parlamentar que investigará as ações e omissões da União no combate à covid-19, governo se prepara para enfrentar meses de forte desgaste político, com risco de ver comprometidos planos de Bolsonaro para reeleição

Antes mesmo de começar a funcionar, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado que vai apurar a atuação do governo na pandemia da covid-19 e os repasses federais para estados e municípios produziu efeitos imediatos. Alguns são preocupantes, como o aumento da tensão entre os Poderes e novas ameaças à estabilidade democrática. A partir do início das investigações, que deve ocorrer nesta semana, o Brasil voltará a viver uma experiência que, em outros momentos da história nacional, foi marcada por graves repercussões políticas e jurídicas. E não deve ser diferente desta vez, ante um acervo de provas e indícios à disposição para os senadores apurarem as responsabilidades pelo fracasso brasileiro no combate ao novo coronavírus.

Instalada na semana passada, no pior momento da pandemia no país, com média diária de mortes causadas pela covid-19 acima de 3 mil, a CPI será o principal desafio político do presidente Jair Bolsonaro desde a posse no cargo. É a repercussão mais grave da opção que ele fez de politizar as discussões sobre a pandemia, em confrontos com governadores, o Supremo Tribunal Federal (STF) e a comunidade científica.
A ordem do ministro Luís Roberto Barroso, do STF, para a instalação imediata da comissão de inquérito, atendendo a mandado de segurança dos senadores Jorge Kajuru (Cidadania-Go) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE), rompeu a blindagem de Bolsonaro no Congresso, até então representada pelos presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), eleitos para os cargos com o apoio do governo. Após a decisão judicial, o chefe do Executivo voltou a atacar o STF e a ameaçar com a possível adoção de “medidas duras”, sem explicar, no entanto, do que se trata.

Alvo de mais de 100 processos de impeachment protocolados na Câmara, Bolsonaro tem pela frente os desgastes com o funcionamento, por pelo menos 90 dias, de uma comissão parlamentar que vai apurar a falta de rumos do governo no enfrentamento da pandemia.

As investigações serão realizadas por uma CPI formada, majoritariamente, por senadores não alinhados ao governo. Dos 11 titulares, apenas 4 são aliados do presidente Bolsonaro. Para agravar a tensão , o MDB, que tem a maior bancada no Senado, indicou Renan Calheiros (AL) para ser o relator da comissão. O parlamentar alagoano ainda não se conforma com a manobra orquestrada pelo Planalto que levou o MDB a abandonar a candidatura própria na eleição à presidência do Senado, em fevereiro, o que favoreceu a vitória de Rodrigo Pacheco.

Com poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, assegurados pela Constituição, a CPI poderá convocar investigados e testemunhas para depoimentos, requisitar informações e documentos sigilosos, entre outras diligências. Também tem competência para quebrar o sigilo bancário, fiscal e telefônico de alvos da investigação. Concluídos os trabalhos, é apresentado um relatório final, que pode incluir propostas de lei e envio das investigações ao Ministério Público, para responsabilizações cíveis e criminais.

O senador Fernando Collor (Pros-AL), critica o fato de a nova comissão de inquérito do Senado ter sido instalada no pior momento da crise sanitária. Segundo ele, as investigações poderão prejudicar os esforços do país para combater o novo coronavírus. "Porque se atingir a figura do presidente, no primeiro momento, é atingir a figura daquele que ainda pode assumir o comando, que somente a ele cabe no combate ao covid. E enfraquecer o poder do presidente da República é enfraquecer as forças vitais que podemos opor um combate ao covid-19", disse ao Correio.

O advogado Cláudio Timm, especialista em direito administrativo, sócio do TozziniFreire Advogados, considera que a CPI terá à disposição um amplo acervo probatório — documentos, declarações públicas de autoridades — para a apuração de responsabilidades de autoridades estaduais, distritais e municipais.
Quanto à situação do presidente Bolsonaro, ele afirma que "há elementos iniciais que podem ser usados em sua responsabilização por irregularidades na reação à pandemia, mas certamente outros elementos serão colhidos pela CPI". O senador Rodrigo Pacheco, ao instalar a CPI, incluiu a possibilidade de as investigações mirarem também a aplicação de recursos da União por governadores e prefeitos, após pressões de aliados do governo.

Para o cientista político André Pereira César, da Hold Assessoria Legislativa, a inclusão dos governadores como potenciais investigados, além de desviar o foco do governo federal, pode também antecipar as disputas para as eleições estaduais do ano que vem. “A pandemia é nacional, mas impacta estados e municípios. O Amazonas, por exemplo, virou um símbolo da má condução, da tragédia que nós estamos vivendo. Aí os adversários entram”, observa César.

Ele cita os senadores Eduardo Braga e Omar Aziz, representantes do Amazonas na CPI, “que são, naturalmente, pré-candidatos, lideranças regionais que sabem que poderão explorar a crise no estado", conclui o especialista.

Quanto ao pleito presidencial, observa André César, “os embates foram antecipados por Bolsonaro desde o início da crise sanitária e, com a CPI, devem se agravar ainda mais.”