Em uma derrota para o presidente Jair Bolsonaro, o Senado instalou, ontem, a comissão parlamentar de inquérito (CPI) que vai apurar ações e omissões do governo na pandemia. O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), cumpriu a ordem do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), proferida na quinta-feira, para que o colegiado fosse instalado. Esse desfecho frustrou os planos do Planalto, cujos aliados foram acionados para tentar retirar assinaturas do requerimento de criação da comissão, uma manobra que, se bem-sucedida, inviabilizaria a instalação.
Na sessão, Pacheco anunciou a decisão de permitir que a investigação alcance, também, possíveis irregularidades cometidas por governos estaduais, municipais e distrital no uso de recursos repassados pela União para o enfrentamento da crise sanitária. Bolsonaro vinha pressionando senadores a incluírem estados e municípios entre os alvos da CPI, caso não fosse possível barrar a investigação, porque dividiria as atenções no curso das apurações.
Pacheco optou por fundir dois requerimentos relacionados à CPI. Um deles, apresentado em fevereiro pelo líder da oposição, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), pede a investigação sobre a atuação do Executivo federal na pandemia, com atenção especial ao agravamento da crise em Manaus — em janeiro, faltou oxigênio nos hospitais da capital amazonense, o que causou a morte de mais de 30 pessoas. O outro requerimento foi protocolado na última segunda-feira pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE), pedindo a apuração de indícios de irregularidades na aplicação de verbas federais pelos entes federados.
Pacheco, que chegou ao comando do Senado com o apoio do Planalto, era contra a criação de uma CPI. Mesmo com o requerimento de Randolfe Rodrigues reunindo os requisitos para a instalação da comissão, entre os quais o mínimo de 27 assinaturas, ele se negava a deferir o pedido. A ordem de Barroso para a instalação do colegiado, cumprida pelo presidente do Senado, atendeu a mandado de segurança dos senadores Jorge Kajuru (GO) e Alessandro Vieira (SE), do Cidadania.
Ao ler o requerimento, formalizando a instalação da CPI, Pacheco frisou, mais de uma vez, que as unidades da Federação só poderão ser foco da investigação parlamentar quando houver indícios de irregularidades na aplicação de recursos federais por governadores e prefeitos. Segundo ele, com base no artigo 146 do Regimento Interno do Senado, fatos cuja apuração seja de competência constitucional das assembleias legislativas e das câmaras de vereadores ficarão fora do escopo do colegiado.
O presidente do Senado oficiou os lideres partidários para escolherem os membros da comissão, de acordo com proporcionalidade partidária. Ele afirmou que, após as indicações, a CPI será designada e instalada.
O prazo para a definição dos membros é de 10 dias, a contar da data da leitura do requerimento da CPI. Nessa etapa, o governo corre o risco de sofrer um novo revés, já que o MDB, dono da maior bancada no Senado, deve indicar Renan Calheiros (AL), considerado um opositor do Planalto, como relator da comissão. Outro indicado do partido deve ser Eduardo Braga, também visto como adversário do Executivo.
“Desdobramento lógico”
Durante a sessão, o líder do governo na Casa, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), argumentou que a ampliação do escopo da investigação para estados e municípios é um “desdobramento lógico, comum a qualquer dos trabalhos de qualquer comissão parlamentar de inquérito, comuns a várias CPIs anteriormente instaladas no Senado e já reconhecido pelo Supremo em várias ocasiões”.
Já o senador Humberto Costa (PT-PE) ressaltou que eventuais desvios de recursos federais nos estados sejam também investigados pela CPI, que se apure “quem mandou esses recursos, quem mandou as emendas, se tem algum tipo de envolvimento de quem quer que seja no Parlamento”. (Colaborou Ingrid Soares)