O Supremo Tribunal Federal (STF) analisa, hoje, a liminar deferida pelo ministro Luís Roberto Barroso que determinou a instauração, pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), da comissão parlamentar de inquérito (CPI) destinada a investigar ações e omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia. A tendência é de que o colegiado chancele a decisão do magistrado e sugira que as investigações conduzidas pelos parlamentares não tenham o escopo ampliado para além do objetivo inicial.
Ontem, ao ler o texto de instalação da CPI, Pacheco afirmou que, além de apurar os atos do Executivo relacionados ao combate à covid-19 no país, a CPI também vai se debruçar sobre as verbas repassadas pela União aos estados e municípios. A maioria dos ministros do Supremo deve votar para manter a obrigatoriedade da instalação das comissões sempre que o quórum mínimo de assinaturas for atingido e um objetivo tiver traçado para a condução das diligências.
Uma ala da Corte pressiona para que seja definido que os trabalhos devem começar após a pandemia, para evitar a disseminação do vírus no Parlamento. No entanto essa tese não encontra força entre a maior parte dos 11 magistrados e perdeu ainda mais apoio com o avanço dos trabalhos por parte dos senadores. Interlocutores do presidente da Corte, ministro Luiz Fux, informaram que ele chegou a avaliar a necessidade de suspender o julgamento, pois a CPI da Covid foi instalada ontem pelo Senado, mas avaliou que não há perda de objeto.
Fux também entende que a retirada de pauta só poderia ocorrer se algum pedido do tipo fosse apresentado ao tribunal, o que não tinha ocorrido até a noite de ontem.
Leitos de UTI
Os magistrados devem deixar claro que a Constituição veda investigações amplas, sem foco definido, como a intenção de colocar no escopo da CPI milhares de prefeitos e dezenas de governadores. No entanto atos ligados ao governo federal, inclusive o corte nos repasses de verba para manter leitos de unidade de terapia intensiva (UTI) nos estados, podem ser investigados.
Essa denúncia corre em uma outra ação no Supremo, em que a ministra Rosa Weber determinou que o governo garantisse a reabertura de leitos.
Caso específico
A liminar do ministro Luís Roberto Barroso foi concedida a pedido dos senadores Jorge Kajuru (GO) e Alessandro Vieira (SE), do Cidadania, porque o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), resistia em instalar a CPI. Mas a ordem do magistrado foi específica para que o foco do colegiado fosse o determinado no requerimento, de investigar apenas o governo federal.
Nunes Marques sob pressão
Fellipe Sampaio/SCO/STF - 2/2/21
Está nas mãos do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Nunes Marques — o mais novo integrante da Corte, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro — um pedido do senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) para que o Senado dê andamento ao pedido de impeachment contra Alexandre de Moraes, também magistrado do STF e grande desafeto do chefe do Planalto. Especialistas acreditam ser improvável que Nunes Marques acate a solicitação do parlamentar, visto que isso abriria um precedente perigoso, pois não é o único pedido de impedimento de Moraes. Além disso, ele iria se indispor de forma definitiva com seus colegas de tribunal.
Nunes Marques tem algumas opções. Uma delas é indeferir o pedido e devolver a responsabilidade para o Senado, sob o argumento de que o assunto deve ser resolvido na Casa. Isso porque, no caso de impeachment contra ministros do Supremo, o caso tramita todo no Senado, diferentemente de uma solicitação semelhante tendo como alvo um presidente na República, cuja admissibilidade do impedimento passa antes pela Câmara. Outra possibilidade é atender ao pedido de Kajuru e mandar o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), dar andamento ao processo. Uma terceira alternativa seria indeferir o pedido, destacando não haver fundamento para o impeachment do colega, e enterrar de vez a denúncia.
Professor titular de direito constitucional da Faculdade de Direito na Universidade de São Paulo (USP), Elival da Silva Ramos acredita mais na terceira possibilidade. “Fazendo isso, ele mata o pedido no Supremo e no Senado”, explicou, afirmando que deve haver uma pressão grande para que Nunes Marques encerre o assunto. Ramos argumentou que hoje o pedido de impeachment é contra Moraes, mas, amanhã, pode ser contra Nunes Marques e isso pesa na decisão. “Ele deve ouvir os colegas, o sentimento geral. Se mandar dar andamento, abre uma situação complicada, porque outros processos de impeachment podem ser abertos contra ministros”, disse.
Kajuru solicitou a abertura de processo de impeachment contra Moraes denunciando-o por crimes de responsabilidade. O parlamentar justificou que o magistrado cometeu agressões às garantias da liberdade de expressão e de imprensa e violou a imunidade parlamentar do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), preso no âmbito do inquérito que apura informações falsas e ofensas contra ministros do STF. A prisão do político carioca foi, entretanto, confirmada por unanimidade pelos integrantes da Corte, e isso também conta na decisão de Marques.
De acordo com Vera Chemim, especialista em direito constitucional, um magistrado “precisaria ser muito forte para se indispor com os outros ministros”. “A situação ficaria insustentável”, enfatizou. Na opinião dela, Marques deve devolver o caso ao Legislativo, alegando que é uma questão interna do Senado. Segundo a especialista, Marques também pode alegar não haver elementos robustos para autorizar a abertura de um processo de impeachment, permitindo que Pacheco use o entendimento para arquivar o pedido.
Recentemente, Marques deu ordens que atenderam aos interesses de Bolsonaro, como a decisão monocrática que liberou celebrações religiosas presenciais em meio ao recrudescimento da pandemia, ignorando decretos de medidas restritivas de estados e municípios — no plenário, porém, a determinação dele acabou derrubada.
“Pela lógica, ele deveria ir a favor do Bolsonaro (que já pediu processos de impeachment contra ministros do STF). Mas teria de ser muito poderoso para manter essa posição e saber que, a partir daquele momento, não teria mais ambiente no STF”, frisou.
Pressão
Kajuru apresentou denúncia contra Moraes, no Senado, em fevereiro, e pediu, agora, uma posição do STF, depois que o ministro Luís Roberto Barroso determinou a abertura de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) na Casa para investigar possíveis omissões do governo na pandemia. O parlamentar argumentou que, se o magistrado concedeu a liminar para instalação do colegiado, também deveria fazer o mesmo em relação ao pedido de impeachment de Moraes.
As duas questões, entretanto, não se misturam, como explicou o professor Elival Ramos. No caso da CPI, o presidente do Senado é obrigado a instalar, desde que preencha os requisitos constitucionais, como prazo certo e o número específico de assinaturas (27). Já no caso de um pedido de impeachment contra um ministro do STF, cabe ao presidente do Senado analisar se existem requisitos ou não para dar seguimento ao processo na Casa. Da mesma forma que essa atribuição cabe ao presidente da Câmara quando se trata de um pedido de impeachment contra o presidente da República.
Professor de direito constitucional da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo, Oscar Vilhena Vieira afirmou que, na prática, o Brasil não sabe como se dá um processo de impeachment contra um ministro do Supremo, pois isso nunca aconteceu.
Gargalhada
Na segunda-feira, o presidente Jair Bolsonaro soltou uma gargalhada ao ouvir de um apoiador que Nunes Marques tinha sido sorteado relator do pedido de impeachment contra Alexandre de Moraes. “Caiu para o Kassio Nunes?”, respondeu o chefe do Planalto, antes de rir alto.